Como o investimento em novas fontes de energia pode ajudar a evitar cenários como a atual crise hídrica
09/jun/2021, Época Negócios
Frente ao pior índice de chuvas das últimas nove décadas, a crise hídrica atinge o Brasil e desperta inseguranças. Com a maior parte da matriz energética atrelada ao sistema de hidrelétricas, as previsões mais pessimistas apontam para a probabilidade de apagões no segundo semestre. Diante deste cenário, surgem questionamentos sobre como lidar com o atual período de estiagem e evitar situações parecidas com esta no futuro.
Em meio às soluções apontadas por especialistas, está a diversificação das fontes, com investimento em outros modelos de produção. Entre eles, a energia solar ou fotovoltaica. Reconhecida em 2020 como a forma mais barata de gerar eletricidade no mundo, segundo um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), a modalidade ainda ocupa a sexta posição entre as mais usadas no Brasil.
O setor, contudo, apresenta grande possibilidade de crescimento. A atual capacidade instalada por aqui já chega a 9 GW, valor semelhante à metade da energia gerada por Itaipu, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Fotovoltaica (Absolar).
Desses, cerca de 60% são fornecidos via geração distribuída, ou seja, por pequenos produtores de energia. O volume tem capacidade para quase dobrar em 2021, segundo a entidade. O cálculo leva em conta os potenciais usuários: atualmente somente 0,6% dos 86 milhões de consumidores de energia elétrica são adeptos à fonte.
“Quando falta água, sobra sol para gerar energia elétrica e quanto mais tivermos o aumento dessa fonte solar e de outras renováveis não hídricas, ou seja, que não dependam da água, menor é a necessidade de acionarmos termoelétricas e, com isso, maior a condição de armazenar a água para usarmos nos momentos de necessidade ou para os outros usos múltiplos da água, como a agricultura, indústria e o abastecimento humano”, defende o presidente da associação, Rodrigo Sauaia.
O executivo afirma que para ser concretizada, essa expansão precisa passar por duas frentes. A primeira depende do investimento governamental tanto na realização de leilões para a criação de novas usinas solares quanto no reforço da infraestrutura de transmissão a fim de otimizar o aproveitamento dos recursos. “Nós temos uma enorme oportunidade com as grandes usinas de geração, ou a geração centralizada. Hoje, isso representa 40% do que o Brasil tem de energia solar, o restante são sistemas nos telhados de geração própria. Quer dizer, temos mais investimento da sociedade, dos consumidores, do que feitos por leilões do governo”.
A segunda é liderada pelos próprios consumidores, com a geração própria de energia. “Os benefícios são muitos. Temos o alívio da operação do sistema e menor demanda sobre as usinas já instaladas no Brasil, inclusive das hidrelétricas e termoelétricas. Isso ajuda, inclusive, a aliviar o bolso dos consumidores, porque diminui o acionamento das termos e a ocorrência das bandeiras vermelhas”, afirma. “Além disso, você também gera uma energia perto do ponto de consumo, o que reduz as perdas elétricas, que são rateadas por todos”.
Sauaia ressalta que além desse impacto direto, a expansão da fonte traz benefícios correlatos para o país. Desde 2012, a tecnologia já angariou mais de R$ 46 bilhões em novos investimentos, gerou mais de 264 mil empregos e evitou a emissão de mais 9,5 milhões de toneladas de CO2.
“As térmicas hoje são o socorro imediato”
Na visão do vice-presidente do Grupo Comerc, Marcelo Avila, o alívio para a atual crise hídrica está no uso das termoelétricas e também no gerenciamento da demanda – ou seja, oferecer benefícios para as empresas que reduzirem o consumo.
“A nossa dependência da matriz hidráulica é muito menor do que já foi no passado. Nós tivemos a inserção das fontes renováveis, tanto a solar quanto a eólica, que não garantem o abastecimento, mas ajudam bastante a preservar água no reservatório”, afirma. “As térmicas hoje são o socorro imediato. Tudo o que poderia ser feito com a água e com as fontes renováveis, principalmente a eólica, já está sendo feito. O fato novo nessa questão é poder usar eventualmente as térmicas, principalmente a gás.”
A respeito de soluções para evitar problemas no futuro, o executivo acredita na aplicação de um conjunto de iniciativas, que vai desde o investimento em fontes renováveis e de valor atrativo, como a solar e eólica, até instrumentos de segurança, como as termoelétricas e as baterias; sendo esse segundo já usado em muitos países para complementar a geração nos horários de pico.
Por fim, reforça a importância de controlar a demanda, o que já começou a ser posto em prática por aqui em um programa piloto da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em conjunto com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). “Muitas vezes você desenvolve um investimento grande numa usina que talvez você não vá usar, gerando um custo alto de manutenção. Já na resposta da demanda, a indústria sabe calcular quanto é o custo dela para produzir ou para deixar de produzir. Então evoluir essa solução seria interessante também”.
Como chegamos até aqui?
O planejamento do setor elétrico por definição é feito em um ambiente de incertezas, aponta o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales. “O objetivo do planejador é sempre considerar um determinado nível de risco, que leva em conta, de um lado, o nível mínimo de segurança energética de abastecimento e, de outro, uma razoabilidade do ponto de vista de custos.”
Em resumo, é preciso lidar com a imprevisibilidade dos recursos, como a chuva, e calcular sempre o risco de desabastecimento. “Esse risco é intrínseco. O que se pretende é que ele seja pequeno, mas ele de fato existe. Assegurar que ele não exista seria inviável do ponto de vista econômico: ter usinas paradas, sem consumo, na expectativa que em algum momento apareça uma situação de seca e escassez decamilenar, como a atual”, explica.
Sales afirma que são múltiplas as causas para a crise que estamos vivendo. Entre elas, está o período de seca sem precedentes nos últimos 90 anos. O líder do observatório aponta que não bastasse esse ser o pior período de oito anos (margem de tempo utilizada para analisar comportamentos hídricos) desde o ciclo 1943-1951, também tivemos, entre setembro de 2020 e abril deste ano, a pior performance do período de cheias em quase um século. Outra razão seria a destinação cada vez maior dos recursos hídricos para atividades auxiliares, como a irrigação.
O especialista acredita que a crise atual não irá resultar em racionamentos, como os ocorridos em 2001. “Não é a situação de hoje. Nós temos capacidade para atender à demanda de energia que está aí. Nossa matriz está bem mais robusta do que já foi no passado. Não só a matriz de geração, como também o sistema de transmissão, e maior capacidade para transferir energia nas diferentes regiões do país”. Contudo, ele pontua que apagões ocasionais (ou seja, cortes curtos de energia) podem acontecer em razão dos picos de gerados ao longo do dia.
“Esse tipo de situação pode ser uma coisa que aconteça, mas o sistema será recomposto em horas. É sempre um transtorno muito grande, mas totalmente diferente do racionamento. Não temos uma probabilidade enorme que aconteça, mas a possibilidade está sim no radar.”