Concentração de mercado da Eletrobras privatizada preocupa agentes
07/jun/2021, E&P Brasil
Além dos impactos na tarifa de energia elétrica, que vem movimentando a discussão em torno da MP da Eletrobras, há uma preocupação sobre a concentração do mercado de geração que ficará sob controle da empresa depois da privatização.
Se o plano do governo federal for bem-sucedido, a MP 1031 será aprovada em duas semanas no Congresso Nacional e a oferta de ações que levará à perda de controle da União está programada para o 1º trimestre de 2022. Texto está no Senado Federal.
“O risco de abuso do poder de mercado é gigantesco”, avalia Claudio Sales, presidente-executivo do Acende Brasil.
“O mínimo que poderia se esperar é que um projeto como esse fixasse um prazo, em parceria com o CADE de algum jeito, para que houvesse o desinvestimento em algumas [usinas]”, afirma.
O Instituto Acende Brasil produz estudos e presta serviços de consultoria para diversos agentes do setor elétrico, incluindo a própria Eletrobras.
“(…) A Eletrobras privada e [futura] dona da maior parte dos reservatórios de acumulação no Brasil, concentrando isso em uma única mão, praticamente inviabiliza um ambiente de competição adequado”, completa.
A Eletrobras chegou a suprir 40% da energia elétrica consumida no Brasil em alguns meses de 2020.
Elena Landau, por sua vez, reforça que todo o projeto é ruim e ficou pior depois da aprovação na Câmara dos Deputados.
Para a economista faltavam estudos para embasar a MP 1031 original, que já previa a criação de políticas públicas com recursos da capitalização para facilitar sua aprovação no Congresso Nacional – modelo que ela é contra.
“O governo não está preocupado com a qualidade da privatização. Está preocupado em tirar a foto com o martelo”, afirmou Elena Landau.
O martelo é aquele batido na B3, a bolsa de valores de São Paulo, após a conclusão de leilões de privatização e da oferta de ações, como é o plano para a Eletrobras.
Elena foi presidente do conselho da Eletrobras e diretora de privatizações do BNDES no governo FHC. Participou ao lado de Salles de uma transmissão do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), nesta segunda (7).
Números da Eletrobras
A estatal encerrou 2020 com 51 GW de potência instalada no Brasil, o que representa 29% da capacidade brasileira; Inclui as usinas nucleares Angra 1 e 2 (2 GW) e 50% de Itaipu (7 GW), que não serão privatizadas; Mais de 90% da capacidade total da estatal está em usinas hidrelétricas. Excluindo Itaipu, são cerca de 40 GW de potência; Quase dois terços da capacidade da Eletrobras (61%) está em usinas de propriedade integral; 23% em SPEs e 16% em propriedade compartilhada, incluindo Itaipu Binacional
Complexidade da MP da Eletrobras eleva risco de judicialização
“Eu já não gostava do projeto de lei. Quando a MP entrou, eu torci para caducar antes dos ‘jabutis’ colocados pelo relator [na Câmara]. Agora espero, com todas as minhas forças, que [a MP 1031] caduque”, afirma Elena.
No entendimento de Elena Landau, a MP é inconstitucional e poderá ser questionada judicialmente após sua eventual conversão em lei.
O motivo é a falta de urgência e relevância, critérios para edição de medida provisória, na visão da economista, que também é advogada.
Favorável à privatização, Elena Landau argumenta que o próprio fato de o governo ter abandonado o projeto de lei de Michel Temer, depois apresentado um novo PL, em 2019, para enfim chegar à edição da MP comprova a falta de urgência necessária.
Lamentou, inclusive, que esse entendimento não prosperou no STF.
“Não teve andamento no Supremo [Tribunal Federal] a discussão sobre a declaração de inconstitucionalidade sobre a MP, que era a minha esperança para que a gente pudesse impedir a continuidade desse processo”, afirma.
O questionamento foi levado ao tribunal por partidos como o PT, que são contrários à privatização. O descompasso entre a expectativa de parte do mercado com o modelo da privatização tem unido oposição e liberais contra o projeto em tramitação no Congresso Nacional.
Agora, Elena espera que o Senado Federal, ao menos, desfaça as alterações aprovadas na Câmara dos Deputados.
“É muito cedo para gente falar, mas evidente que quanto mais puxadinhos, mais complexo, mais detalhes e mais interesses, aumenta o risco de judicialização como um todo”, diz.
A economista defende desde o governo de Michel Temer que era inadequado enviar um primeiro projeto para autorizar a privatização no Congresso Nacional com detalhamentos técnicos da capitalização.
Ela entende que melhor estratégia seria propor aos parlamentares a revogação das medidas que retiraram a Eletrobras do PND, o programa nacional de desestatização.
Assim, o governo poderia realizar os estudos necessários para a operação e, eventualmente, apresentar uma nova proposta.
Impactos da MP 1031 na tarifa de energia
A crítica é que, da forma apresentada, a MP 1031 deu margem para interferência no planejamento do setor elétrico e carece de bases para as medidas incluídas já no texto original – sem falar nos ‘jabutis’, como os críticos chama a contratação de usinas térmicas e PCHs incluída na Câmara.
“Estou preocupada com o arcabouço geral: a invasão de funções do Executivo, entrar no planejamento do setor com apenas 90 dias de discussão, falta de estudos… Alguns dizem que vai aumentar a tarifa, outros dizem que não. Cadê os estudos?”, questiona.
O governo tem colocado que não haverá efeitos negativos nas tarifas.
A MP, de fato, eleva custos com a descotização das usinas – a “liberação” dos contratos da Eletrobras dos preços travados pela MP 579 –, mas há compensações com a destinação de recursos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que paga os programas setoriais rateados na tarifa.
O governo federal se posicionou favoravelmente em relação à contratação dos 6 GW de térmicas incluído na Câmara dos Deputados.
“Não tem como citar essa conta como definitiva. O planejamento do setor elétrico é sobre incertezas”, afirma Claudio Sales sobre as projeções.
“Não se tem certeza sobre como vai se comportar, em detalhe, a demanda futura, nem como vai performar um determinado parque existente, muito menos a evolução dele ao longo do tempo”, diz.
O Acende Brasil faz parte do grupo de associações críticas à inclusão da contratação de térmicas, PCH e da prorrogação do Proinfra na MP da Eletrobras.
“É evidente que a resultante disso é uma energia seguramente muito mais cara do que poderia ser”, afirma Sales.
Abegás apoia
Ao demarcar 2026 como ano-base para a contratação de capacidade de geração a gás natural, o texto da MP 1031 cria um caminho de segurança jurídica para os investimentos dos projetos, avalia a associação de distribuidoras de gás, Abegás.
Para a associação, o período de cinco anos é o ideal para estruturação dos empreendimentos.
“O período de cinco anos é o ideal para que os projetos do setor tenham o devido tempo de maturação, com um cenário de 15 anos que preserve a viabilidade econômica do investimento”, disse em nota.
Além disso, a associação afirma que a aprovação da capitalização da Eletrobras permitirá um aumento da oferta de gás natural – principalmente do pré-sal – e representa um passo em direção à integração do setor de gás com o setor elétrico.
Destaques da MP
Contratação de usinas termoelétricas a gás natural, no total de 6 GW, sendo 5 GW no Norte e Centro-Oeste; e 1 GW no Nordeste. Inclui na lei critérios que normalmente são definidos pelo governo – a modalidade de contração, por leilão de reserva de capacidade, por exemplo.
Se bem-sucedida, a política provocará investimentos em novas regiões, estimulando até mesmo a construção de “gasodutos estruturantes”. A crítica dos liberais – incluindo o governo – é quanto ao risco de forçar a viabilização de projetos que não seriam competitivos sem esse estímulo adicional. Os freios: usinas deverão respeitar o preço-teto do leilão A-6 (energia nova) de 2019, de R$ 292 por MWh, atualizado até a realização da nova concorrência.
Prorrogação dos contratos do Proinfa por 20 anos. O programa foi criado em 2004 para estimular as energias renováveis (PCHs, biomassa e eólicas). É bancado pela CDE, a conta do setor elétrico paga pelos consumidores que financiam as políticas setoriais; o fundo dos subsidio, que o governo vem passo-a-passo tentando reduzir.
Inclui a antecipação de cotas para as PCHs. Até a fonte atingir 2 GW em leilões regulados para o mercado cativo, metade da demanda declarada das distribuidoras será atendida por essas PCHs; depois, o piso cai para 40% nos leilões realizados até 2026. Há também critérios locacionais. Preferência para estados de acordo com a potência habilitada nos leilões, até o limite de 25% da capacidade. Na prática, fica assim: as regiões de maior potencial são privilegiadas, mas o teto de 25% impede que um estado concentre todos os projetos. Benefício especialmente para Centro-Oeste e para o Paraná. Os freios: novamente, deverá respeitar o preço-teto do A-6 de 2019, de R$ 285 por MWh, a ser atualizado. Vale para as usinas beneficiadas pelo Proinfra, que contará também com a mudança no indexador de reajuste dos valores repassados para o programa, do IGPM para o IPCA. O IGPM, mais sensível ao câmbio, disparou de 2020 para cá. PUBLICIDADE
MP aprovada com mais de 300 votos
A MP 1031 está em tramitação no Senado Federal, após ser aprovada com 313 votos favoráveis de deputados federais.
Além de autorizar o governo a capitalizar a Eletrobras, prevê a contratação de usinas termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com critérios locacionais para garantir a distribuição de investimentos pelo país.
Tais medidas eram combatidas por áreas técnicas do governo federal.
Agora, contudo, os ministérios da Economia e de Minas e Energia (MME) entendem que as medidas são adequadas ou, ao menos, têm impactos negativos limitados.
A contratação das térmicas vinha sendo negociada desde a aprovação da Lei do Gás. O plano do MME nunca foi, contudo, incluir numa lei a obrigação de contratação de 6 GW nos chamados leilões locacionais.
Há diversas medidas no texto que prometem conter os efeitos desses estímulos nos preços das tarifas, como o repasse de parte dos recursos da descotização das usinas e o superávit de Itaipu Binacional para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para modicidade tarifária do mercado cativo.