Consumo geral de energia cai 18% no Brasil, e distribuidoras temem que inadimplência cause crise no setor

Data da publicação: 12/04/2020

A quarentena mudou uma série de coisas do nosso cotidiano, inclusive a forma com que consumimos energia elétrica. O fato de várias empresas terem adotado o home office e de as pessoas estarem em confinamento domiciliar aumentará a demanda por energia elétrica nas residências e reduzirá o consumo do comércio e da indústria.

“A questão é que o consumo residencial corresponde a menos de metade de toda a carga de energia. O fechamento do comércio e de parte das indústrias levará a uma queda no consumo total de eletricidade”, explica Claudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil.

Segundo dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o consumo de energia já caiu 18%, desde o começo da quarentena. No ano, a expectativa é que o número também seja negativo.

Isso causará um efeito chamado pelo setor de sobrecontratação. As distribuidoras contratam montantes definidos de energia, nos leilões, e pagam por esse volume garantido no tempo determinado. Quando o consumo cai, elas não conseguem fazer um ajuste automático para “devolver” a sobra de energia.

E qual a implicação disso para o consumidor? Apesar de arrecadarem menos, por causa da queda do consumo, as despesas das distribuidoras será a mesma. Além disso, como o corte do fornecimento por inadimplência foi proibido, as empresas estão temendo uma queda brusca na receita.

“O principal instrumento para garantir a adimplência é a iminência de corte de fornecimento. A Aneel, de forma muito compreensível, adiou por alguns meses os cortes de energia, para que as famílias não fossem penalizadas na crise. É uma iniciativa louvável, só que isso tem um efeito colateral direto na receita das distribuidoras”, diz Salles, do AcendeBrasil.

Ele diz que as distribuidoras são o funil financeiro do setor: ou seja, todo dinheiro que vai para o segmento de energia passa por essas empresas. Se as distribuidoras receberem menos, todo o sistema estará sob risco.

A conta pode ficar mais cara por isso? Pela lógica, quando a inadimplência sobe, os adimplentes pagam por quem está em atraso. Mas no setor de energia não é assim, já que as tarifas são reguladas pela Aneel.

A decisão da Aneel, apesar de suspender o corte de energia por falta de pagamento, não prevê perdão para as dívidas. Ao contrário: passado o prazo da medida (90 dias), elas serão cobradas com multa e juros. Essa matéria explica melhor como funcionará a carência.

Então de onde virá o dinheiro? O que deve acontecer é um socorro ao setor. O governo deve lançar um pacote de recursos para as distribuidoras, assim como está acontecendo em outros setores. Entidades já consideram uma linha de financiamento de R$ 17 bilhões para reforçar o fluxo de caixa das distribuidoras de energia. Esse dinheiro viria do Tesouro — no fim, o bolso do contribuinte seria o grande fiador.

Mas esses contratos de energia não podem ser renegociados? Para o fornecimento de energia residencial não, por causa da restrição regulatória. Mas o setor de energia tem uma categoria chamada de “mercado livre”. Nele, geradores de energia negociam o fornecimento diretamente com os grandes consumidores. Por exemplo: uma usina solar que abastece um grande shopping center.

Esses contratos não são regulados, e por isso podem ser discutidos por alguma das partes. “Sabemos que essa queda no consumo é fruto de uma redução na atividade, e que vai bater forte em alguns setores”, diz Marcelo Ávila, vice-presidente da Comerc, uma comercializadora de energia no mercado livre.

Ele conta que geradores e consumidores estão discutindo, agora, formas de amenizar as perdas. “Por exemplo, um shopping que fechou as portas vai sentar para conversar com seu fornecedor e explicar que aquela energia contratada não vai ser consumida”, diz Ávila. Ele lembra que o preço da energia no mercado livre é determinado, também, pela demanda, o que deve fazer com que os contratos fiquem mais baratos.

Mas essa redução de preço não pode, mesmo, beneficiar o consumidor? O valor da energia no mercado livre reflete quão caro está para gerar eletricidade no país. Quando os reservatórios das usinas hidrelétricas estão cheios, a produção fica mais barata. Quando os reservatórios estão mais secos, o país recorre à produção das usinas térmicas, que são mais caras.

A queda no consumo já está fazendo com que os reservatórios das usinas fiquem mais abastecidos. Com isso, o preço das tarifas no mercado livre tendem a cair. Isso faz diferença na vida do consumidor porque é esse valor que indica as bandeiras tarifárias da conta de energia.

“A despeito de as chuvas nos reservatórios não terem sido exuberantes, o volume de água subiu. Isso indica que a bandeira deve seguir verde, mesmo durante o inverno”, diz Salles, do Instituto Acende Brasil.

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