Conta de luz não deve sentir efeito de privatização da Eletrobras
20/mai/2022, Valor Econômico
Uma das expectativas com a privatização da Eletrobras é a redução das tarifas de energia elétrica com parte dos recursos arrecadados com a capitalização destinados para aliviar as contas de luz. Porém, o plano pode ser anulado com medidas que elevam tarifas ou, pior, criam um clima de insegurança jurídica para todo o segmento da infraestrutura, não apenas para o setor elétrico, segundo especialistas.
Está prevista a para a semana que vem a votação em regime de urgência de projetos de decreto legislativo que sustam reajustes autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Uma conclusão quase unânime entre os ouvidos pelo Valor é que os reajustes são calculados conforme a metodologia aprovada pela Aneel e que as distribuidoras atuam como uma caixa arrecadadora, repassando para os demais agentes os custos de geração, transmissão, tributos e encargos – sustar reajustes, avaliam, compromete toda a cadeia.
E os aumentos consideram empréstimos feitos para cobrir impactos da pandemia, em 2020, no valor R$ 14,8 bilhões, e da crise hídrica, em 2021, de R$ 5,5 bilhões.
Outro ponto de impacto tarifário, segundo os especialistas, é a da inclusão, na lei da Eletrobras, de “jabutis” (temas alheios à proposta central), como a obrigação de contratação de 8 GW térmicos e de 2 GW de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e a prorrogação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa).
Aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a capitalização trará valor adicionado de R$ 67,053 bilhões com as novas concessões de 22 hidrelétricas, que somam 26,1 gigawatts (GW) de potência. O Tesouro receberá R$ 25,379 bilhões em bônus de outorga e outros R$ 32,073 bilhões serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Para o diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo, a “descotização” das usinas da empresa fará com que as hidrelétricas deixem de vender energia sob o regime de cotas (com preços regulados, mais baixos) e tenham a possibilidade de operar no mercado livre.
Mário Menel, presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), acrescenta que o resultado entre o aporte na CDE e os custos com a descotização pode ser neutro ou uma pequena redução. “Até porque privatizar alegando queda de tarifas e ter aumento elevado pode ser bastante desgastante e comprometer futuras privatizações.”
Marcelo Moraes, diretor-presidente da Dominuim Consultoria Política, acrescentou que no primeiro ano, a CDE tem que receber, 30 dias após a assinatura dos novos contratos de concessão das hidrelétricas, R$ 5 bilhões, o que pode resultar em descontos tarifários médios da ordem de 3% para o consumidor.
Porém, como lembra o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, somente o orçamento da CDE para 2022 é de R$ 32 bilhões (34% mais elevado ante 2021), o mesmo valor destinado pela capitalização, só que ao longo de vários anos.
“Isso pode ajudar a tarifa pelo equivalente a um ano, mas depois desse período não vai mais haver recursos para aportar. O dinheiro que virá da Eletrobras não é infinito”, aponta a pesquisadora do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (Ceri/FGV) Rosana Santos.
O problema é estrutural, apontam. Assim, os projetos que restringem reajustes, como o 94/22, relativo ao aumento médio de quase 25% para a Enel Ceará, pode trazer risco de desabastecimento e aumento de custos, segundo o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, que propõe olhar para a estrutura tributária sobre as tarifas, especialmente o ICMS.
“Não se pode trabalhar na consequência”, destacou Madureira.
Moraes, da Dominuim, salientou que energia elétrica e telecomunicações são dois segmentos em que a arrecadação é fácil, imediata. A proposta de redução, para 17%, da alíquota do ICMS para serviços essenciais, com votação prevista para a semana que vem, avalia, é uma boa medida, mas de difícil implementação. Moraes não acredita que Estados com alíquotas que correspondem ao dobro do percentual proposto aceitem abrir mão dessa receita.
O fato é que o país vive uma “tempestade perfeita”, na avaliação de João Carlos Mello, sócio-diretor da Thymos Consultoria, com efeitos da pandemia, da crise hídrica e resíduos de custos causados pela MP 579 (de 2021, no governo Dilma Rousseff), como a indenização de transmissoras.
Sales também recorreu ao termo “tempestade perfeita” para explicar o cenário atual, de aperto econômico causado pela crise global, somada à inflação elevada. A situação, aponta, tem levado à busca de “soluções” que agravam os problemas que tentaram mitigar. Para ele, é um contrassenso que deputados proponham projetos contra reajustes ao mesmo tempo que recorrem a “jabutis” para subsídios ou beneficiar grupos específicos.