Conta de luz: R$ 10 bi ao mês a mais para custear tributos e subsídios
Atualmente o Brasil reúne todas as condições para ter uma energia barata, contudo aplica aos consumidores uma das contas mais caras do mundo. E esse custo acaba comprometendo a renda e a segurança alimentar das famílias, bem como a competitividade das empresas. Uma projeção feita pela Abrace Energia, mostra que os brasileiros vão pagar cerca de R$ 10 bilhões ao mês a mais na conta de luz somente em 2023, só para custear tributos e subsídios. Ao contabilizar todo o ano, o valor chega a R$ 119 bilhões.
Segundo o estudo, o país apresenta o maior custo residencial da energia elétrica do mundo, em relação à renda per capita, entre 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pesquisados pela Agência Internacional de Energia, com base em dados coletados em 2022. Ou seja, dentro do orçamento das famílias, o impacto do gasto com energia pesa mais para brasileiros do que para consumidores que vivem em economias com renda mais alta, como Estados Unidos e Espanha, e até mesmo entre aqueles que moram em países emergentes, como Chile e Turquia.
De acordo com a Abrace, apenas pouco mais da metade (60%) do valor da conta de luz está ligada à geração, transmissão e distribuição da energia elétrica. O restante é composto por taxas que bancam políticas públicas, subsídios, impostos e ineficiências do setor.
Na conta de luz, o dinheiro do consumidor garante recursos para diversos setores e fundos, que muitas vezes não têm relação com a área de energia elétrica. Há verbas destinadas, por exemplo, para os segmentos rural e de irrigação, água, esgoto e saneamento. A maior despesa é com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que deve receber das tarifas dos consumidores cerca de R$ 30 bilhões neste ano.
A elevada quantidade de subsídios também cria uma espécie de círculo vicioso. Quanto mais eles sobem, mais o consumidor paga em tributos – já que os impostos incidem, proporcionalmente, sobre esses subsídios. Para o diretor de energia elétrica da Abrace Energia, Victor iOcca, os brasileiros tem cada vez encargos setoriais embutidos nos produtos e serviços. “Existe uma forma estrutural de reduzir a energia que é exatamente fiscalizar a aplicação dos subsídios existentes, algo muito de curto prazo, trabalhar na modernização do setor elétrico reduzindo e eliminando as assimetrias entre os diferentes mercados que existem buscando uma convergência no longo prazo para evitar justamente a fuga de custos e rever principalmente todas as políticas públicas hoje embutidas na tarifa de energia transferindo aos poucos o custo e a decisão dessas políticas públicas para onde elas cabem que é dentro do congresso nacional com uma proposta do executivo”, explicou.
Ele ainda citou que, na visão da Abrace, existem diversas ações que são necessárias para realmente reduzir a tarifa de energia no curto, médio e longo prazo, sendo a primeira a própria agência reguladora fiscalizar de forma exaustiva, a aplicação dos subsídios existentes. “Então se realmente todos os CPFs e CNPJs que receberam subsídios do rural, irrigante, a aplicação do subsídio do carvão, elas estão coerente conforme a política pública”, explicou.
O executivo ainda ressaltou que essa avaliação de curto prazo, além do médio e longo prazo, precisa buscar um setor mais eficiente e que tenha então menos mercados. “Hoje a gente não tem só o Mercado Livre e Cativo, o Brasil tem uma segmentação enorme principalmente dentro do ACL, assim como o mercado de GD, que vem tornando o nosso mercado de energia elétrica cada vez mais disfuncional. Então, utilizando as regras existentes de uma forma correta, os consumidores vão pulando cada um para o seu mercado possível para fugir de alguns custos”, ressaltou.
Ele afirmou ser necessário rever a quantidade de mercados e dar um sinal de conversão para que todos enxerguem os custos reais. “E principalmente no longo prazo, eu volto pra questão dos encargos setoriais especificamente com relação às políticas públicas, pois elas não deveriam ser suportadas dentro do custo de energia, pois isso cria um ambiente para o nosso país muito ruim e retira a competitividade da indústria e infelizmente torna o curso de energia mais alto para todos os usuários”.
Conta de energia do Brasil é a mais alta do mundo
O diretor da Abrace ainda afirmou que a conta de energia brasileira é uma das mais elevadas do mundo diante de uma das gerações de menor custo. “Felizmente o Brasil tem uma geração de energia elétrica que é uma das mais competitivas do mundo e principalmente não podemos esquecer da nossa diversidade, nós temos a oportunidade de gerar energia do vento, do sol, das águas, biomassa, nuclear, então nós temos uma diversidade. E poucos países tem essa questão da competividade que traz segurança energética. Nós somos e podemos continuar sendo independentes energeticamente e isso é um diferencial estratégico enorme além de termos essa diversidade”, pontuou.
Segundo o executivo, aqui no Brasil nós conseguimos ofertar uma energia elétrica muito competitiva, com custos justos para todos os consumidores. “Mas esse fator que deveria ser um diferencial para o nosso país realmente se alavancar e se desenvolver no longo prazo e se tornar uma nação economicamente e socialmente desenvolvida. Nós perdemos essa oportunidade nessas últimas décadas e aparentemente vamos continuar perdendo porque o setor de energia elétrica foi capturado, infelizmente, por todos os lobbys existentes e ilegítimos que buscam pendurar dentro da conta de energia as suas necessidades. O Congresso ao longo de todos esses últimos anos foi aprovando cada vez mais diferentes benefícios que são cobrados dentro da tarifa de energia elétrica que é uma forma fácil de arrecadação e de cobrança e de desenvolvimento de políticas públicas e isso se retro alimentou exatamente no ambiente onde nós conseguimos gerar um elétron barato e renovável, mas esse elétron quando ele chega na indústria, nas nossas residências, ele é um elétron inchado por diversos custos que não tem nada a ver com setor elétrico e o Brasil que sai perdendo”, ressaltou.
Reforma tributária
Para o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, é necessário chamar a atenção para a essencialidade de energia elétrica. “A questão da reforma tributária é importante, pois é impossível hoje viver sem energia elétrica, eu diria até que a sociedade humana hoje é dependente da energia para tudo, tanto vida pessoal como para a economia. Energia é algo absolutamente essencial. Então é importante que os políticos se sensibilizam com isso e mantenham a energia como essencial”, disse.
Ele acredita que o Brasil tem todas as condições para ter uma das contas de luz mais baratas do mundo. De acordo com ele, as características do Brasil tanto de natureza como geográficas contribuem. “Além disso, nós temos hoje o sistema brasileiro praticamente interligando o país inteiro com exceção do estado de Roraima e isso faz com que a gente possa utilizar as vantagens de uma região e de poder gerar onde a energia é mais barata e transferir para os locais onde seria mais cara. O custo da energia, tanto para produção, transmissão, distribuição e entrega no varejo hoje são responsáveis praticamente por 60% da conta de luz que a gente paga”, explicou.
Barata ainda declarou que os outros 40% vão para tributos de encargos setoriais e perdas, algumas perdas técnicas que são inevitáveis e outras que são chamadas perdas não técnicas.
Poder executivo e legislativo
O presidente da Frente alertou que tem observado ultimamente movimentos do poder legislativo aumentando a conta de energia através da concessão e subsídios. “Do contrário, apesar de todo o discurso que se faz, vamos baratear a conta de energia o que nós temos visto e nós temos atuado junto ao parlamento são movimentos que seguramente vão aumentar a nossa conta. As ações têm sido no sentido contrário e nós não temos tido ainda competências o suficiente para sensibilizar nossos deputados e senadores de que eles estão cometendo um equívoco”, disse
Ele ainda apontou que o executivo tem um papel extremamente importante. “Porque apesar da decisão final ser uma decisão do Congresso Nacional, cabe ao poder executivo promover as mudanças e as adequações na área de energia para discussão no Congresso e aprovação”, ressaltou.
Para o advogado do Cescon Barrieu, Alexandre Leite, o tema sobre ações para o poder executivo e legislativo tomar é complexo em decorrência dos múltiplos interesses envolvidos. “Os entes da federação não parecem favoráveis por temerem perda de arrecadação, mas tenho a impressão de que essa conta não está sendo feita da maneira correta. Uma energia mais barata tem impacto na redução da inflação e gera uma economia mais pujante. Se o governo brasileiro quer uma reindustrialização do país, energia barata é essencial”, pontou. Ele ainda acrescentou que o aumento nos impostos sobre serviços pressionará ainda mais os custos fixos dos geradores, que atualmente já estão com dificuldades para viabilizar novos projetos por conta do baixo valor da energia (piso histórico).
Segundo o especialista, os encargos decorrem de políticas públicas subsidiando determinados segmentos do setor em detrimento de outros e aqui o consenso é difícil. “O caso da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) é emblemático, mas não isolado. Os governos têm usado a CDE para fazer política pública, frequentemente transitória e isso pressiona mais ainda a tarifa de quem não pode aderir a modelos que reduzam o custo com esses encargos. Precisamos parar com tais práticas e achar que é válido usar a CDE ou outros encargos para tudo como se fosse não existissem consequências (ainda que as pautas sejam justas)”, disse.
Ele ainda declarou que o modelo regulatório também pesa, pois até 2021, com o leilão de reserva de capacidade tivemos um modelo que alocou o custo de expansão do sistema do mercado cativo. “Assim, custos com térmicas (essenciais para momentos de secas ou de baixa geração renovável) ou mesmo de outros projetos estruturantes com grandes hidrelétricas ficou sempre à cargo da tarifa do mercado cativo. Esse modelo garantiu uma expansão do segmento, mas está esgotado e temos que evoluir para algo mais condizente com a realidade do setor e da tecnologia atual”, ressaltou.
Como reduzir a tarifa de forma estrutural?
Para Leite, a maneira de reduzir a tarifa de forma estrutural é por meio da redução de impostos e encargos. “Essencialmente, as principais razões para a situação do excessivo custo da tarifa de energia são: (1) tributos, (2) encargos e (3) modelo regulatório do setor. Vale mencionar que atualmente apenas os dois primeiros itens compõem cerca de 45% da conta de luz, 30% é custo de distribuição e transmissão e 25% de geração, de acordo com a Abradee. Ou seja, o efeito de mexermos em custos das distribuidoras, transmissoras e geradores é pequeno se não mexermos na tributação e encargos, que representam praticamente metade da conta de luz”, explicou.
O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, também vai ao encontro dos demais especialistas e afirma que nós temos uma das contas de luz mais caras do mundo e ela tem acompanhado o inflação. “Nos últimos 10 anos, a conta de luz média dos brasileiros praticamente acompanhou o IPCA. O Brasil tem o privilégio de ter fontes energéticas disponíveis. Mas, a pergunta que faço é: será que na verdade isso não devia refletir numa tarifa cada vez mais baixa? Relativamente, a resposta é sim, mas não estamos fazendo o dever de casa correto. Com isso acabamos penalizando a sociedade brasileira”, explicou. Ele ainda declarou que a economia como um todo acaba sendo penalizada e isso tira a competitividade da nossa economia.