COP28: balanço do carbono deverá ser o centro das atenções
A 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), que está marcada para acontecer entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes, terá como o centro das atenções o balanço global de carbono, o chamado de Global Stocktake. Segundo a diretora-executiva do CDP Latin America, Rebeca Lima, a expectativa para a COP28 é que seja uma conferência que vá além do debate e traga ações efetivas.
A preparação para o encontro, que ocorreu em Bonn, já sinalizou quais serão os principais temas, entre eles está a questão do financiamento, quem financia e quem poderá receber os US$ 100 bilhões, tema esse discutido sem consenso na COP27. E ainda, a avaliação global (global stocktake) sobre o progresso dos países membros na implementação do Acordo de Paris, a formulação de estratégias de adaptação climática e a elaboração de um programa de trabalho voltado à mitigação dos impactos climáticos.
De acordo com a executiva do CDP Latin America, o global stocktake faz um diagnóstico sobre como está o progresso coletivo em relação às metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. “E pelos resultados prévios, já sabemos que as informações não são muito otimistas e governos e atores não estatais, bem como os governos de cidades e estados, precisarão ajustar suas ajustar suas ações para limitar o aquecimento global”, disse.
Rebeca espera que as decisões na COP28 levem a medidas práticas. “Uma das prioridades da conferência será a apresentação do relatório do global stocktake que fará um panorama dos compromissos dos países para enfrentar a crise climática e revelará como a sociedade está e o que falta para chegar ao limite de aumento de temperatura em 1,5oC em apenas sete anos. Esse documento será um grande norteador para o reestabelecimento de metas de adaptação e mitigação”, afirmou Rebeca.
Ela ainda destacou a relevância da participação do setor privado na conferência, que deve estabelecer metas ambiciosas baseadas na ciência, desenvolver um plano de transição climática, com cronogramas e indicadores claros explicando “quando” e “como” atingirão emissões net zero. “Além da participação cada vez mais assídua da sociedade civil nos temas que envolvem a conferência”, pontou.
Rebeca ainda ressaltou que são quase 20 mil empresas, cidades e regiões de 135 países divulgando seus dados pelo sistema do CDP, o que mostra que há uma intenção global em seguir rumo à transição energética. “Mesmo porque os efeitos das mudanças climáticas não têm fronteiras geopolíticas e, em diferentes intensidades, todos estamos sentindo. Porém, os níveis de comprometimentos são variados, por exemplo, de 18.600 empresas do mundo todo, apenas 81 têm planos confiáveis de transição climática”.
Ela pontuou que no Brasil, apenas 18% declararam possuir metas de redução de emissão. Por isso, o chamamento constante da comunidade global para que as organizações acelerem suas iniciativas. Nosso esforço é contínuo em engajar cada vez empresas, cidades e estados a divulgarem seus dados climáticos, pois além e estimular uma autoavaliação de quem está apresentado as informações, oferece à sociedade uma visão objetiva da situação atual e subsídios para tomadores de decisão em seus planejamentos.
COP27 x COP28
Para o diretor de assuntos socioambientais do Instituto Acende Brasil, Alexandre Uhlig, esperam-se ações mais concretas na COP28 em comparação com a COP 27, cujas negociações em grande parte permaneceram apenas no papel. “Todas as COPs nascem cheias de expectativas, mas na medida que elas ocorrem as expectativas desaparecem. São muitos interesses e muitos deles conflitantes. As discordâncias expressas na Pré-Conferência de Bonn indicam que o ambiente para a COP 28 em Dubai será desafiador”, disse.
Ele ainda destacou que dificilmente uma reunião com 199 países conseguirá um consenso, por mais que o planeta caminhe para uma situação irreversível quanto às mudanças climáticas. “Reuniões e acordos multilaterais com os 20 maiores emissores de gases de efeito estufa seriam muito mais produtivos”.
Segundo executivo do Acende Brasil, as expectativas para a COP28 são grandes. “Com relação à ambição climática dos países não acredito em grandes decisões. Lamentavelmente em períodos críticos de guerra, como os que estamos vivendo, é difícil falar sobre problemas que a população sente as consequências: inundações, secas etc, mas que a origem está em outra escala, distante do dia-a-dia. Nos períodos críticos, os países priorizam a segurança energética, a manutenção da economia e o bem-estar dos seus cidadãos”, pontuou.
Já o sócio da Prática de Energia Elétrica e Infraestrutura Projetos do Veirano Advogados, Fabio Di Lallo, acredita que apesar da implementação do fundo de perdas e danos, a COP 27 não estabeleceu limites definidos para a emissão global de gases do efeito estufa até 2025 ou trouxe avanços consideráveis no debate sobre o uso de combustíveis fósseis. “Há a expectativa, portanto, de que essas questões sejam discutidas com maior destaque na COP 28, a fim de se obter ações e compromissos mais concretos no combate às mudanças climáticas”, disse.
Ele ainda acrescentou que no tocante à transição energética, um destaque a temas como o avanço tecnológico de energias limpas como o hidrogênio verde, e a implementação de maiores incentivos ao desinvestimento em combustíveis fósseis são vistos com esperança.
Transição energética
Os números mostram que a necessidade de transição energética é muito mais urgente para o restante do planeta. O Brasil fez boa parte da lição de casa, principalmente no setor elétrico cuja participação de renováveis chega à 86% na geração de energia. “As emissões do setor elétrico totalizam 2% das emissões totais de gases de efeito estufa do Brasil, é muito pouco se comparadas às médias globais”, Uhlig.
Ele ainda destacou que o mundo precisará investir fortemente na substituição de combustíveis fósseis nos próximos anos. “No Brasil o desafio é reduzir o consumo no setor de transportes, para o qual temos boas alternativas com o etanol e o biodiesel, além é claro de eletrificação de parte da frota”.
Já para a coordenadora do GT de mudanças climáticas do FMASE e gerente de Meio Ambiente, Responsabilidade Social Corporativa e Transição Energética da Engie Brasil, Flávia Teixeira, o conflito entre Ucrânia e Rússia acirraram o desafio energético como um dos principais pontos críticos na agenda climática. “A COP27 concluiu que são necessários entre US$ 4 trilhões e US$ 6 trilhões anuais de investimentos em transição energética, e a COP28 em Dubai reforça a aceleração dessa agenda como uma prioridade, na medida em que globalmente o setor elétrico energético é responsável por mais do que 70% das emissões globais. A urgência em reduzir as emissões globais, reconhecida em ambos os eventos, sinaliza um consenso crescente sobre a necessidade de transformações rápidas nos sistemas de energia”, explicou.
Ela também destacou que o Brasil conta com uma capacidade instalada de geração superior a 86% por meio de fontes renováveis, bem como que o setor elétrico é responsável por 2% das emissões totais, sendo o uso do solo e a agropecuária os principais emissores, seguidos pelo setor energético e de transportes.
“Mesmo no setor de óleo e gás brasileiro, são inequívocas as vantagens comparativas em termos de pegada de emissões comparativamente à produção de outros países”, disse. A executiva ainda afirmou que o Brasil é responsável por mais de 25% do total de CO2 reinjetado pela indústria global e espera-se um avanço nos debates e trocas de experiências sobre inovação tecnológica de soluções de captura, armazenamento e uso de CO2 em diversos processos industriais.
E estudos coordenados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e Cenergia (UFRJ), apontam que se não reduzirmos a taxa de desmatamento radicalmente até 2030, não há rota tecnológica que coloque o país no atingimento da meta de neutralidade climática até 2050, conforme compromissado junto ao Acordo de Paris.
Sobre fluxos de financiamento, Flávia declarou que a criação do fundos para perdas e danos das mudanças climáticas durante a COP27 reflete uma compreensão compartilhada da vulnerabilidade dos países. Além disso, a ênfase na transparência, avaliação coletiva e mobilização inclusiva na COP28 sugere um esforço global coordenado.
“Assim, os eventos climáticos recentes e os compromissos renovados indicam uma convergência de esforços para enfrentar os desafios da agenda, com a transição energética emergindo como uma necessidade unificadora e prioritária em nível internacional”, afirmou a executiva.
Fontes fósseis e renováveis no centro da COP28
As renováveis já ocuparam seu espaço, ninguém mais discute sua importância na matriz elétrica e energética. Mas segundo o executivo do Acende Brasil, o mundo ainda tem um espaço significativo para expansão dessas fontes, principalmente nos países em desenvolvimento. “No Brasil, a conversa agora é sobre como administrar a inserção massiva das variáveis, como prover segurança energética sem aumentar significativamente os custos, como manter o equilíbrio deste sistema, quais recursos são necessários”, ressaltou.
Com relação às fontes fósseis, Uhlig apontou que esse será um dos grandes temas da COP e do planeta no futuro. “Precisamos discutir, com maturidade e sem ingenuidade, um plano para a redução do consumo de combustíveis fósseis, com respostas para qual é o limite de uso dos combustíveis fósseis, qual é o papel que eles terão, como as nações que geram riqueza com o petróleo manterão suas economias, qual o período para que isto ocorra, enfim é uma infinidade de perguntas que precisam ser respondidas com responsabilidade sem esperar que os países renunciarão às suas economias”.
Já para a advogada especialista em direito ambiental do Medina Guimarães Advogados, Anelise Ambiel Dagostin, as renováveis devem ter um espaço maior no centro das discussões esse ano. A substituição das matrizes fósseis pelas matrizes energéticas renováveis se apresenta como necessidade primária dentre as práticas a serem adotadas pelo planeta no combate às mudanças climáticas. “Além disso, sendo o presidente da COP um especialista no assunto, as discussões gerais deverão se pautar nesse tema, o que vemos com bons olhos. O Brasil, enquanto potencial protagonista no assunto em razão de seus recursos naturais que permitem o desenvolvimento das matrizes renováveis, deve se posicionar enquanto tal com vistas a impulsionar, na prática, a transição energética”, disse.
A advogada também pontuou que as fontes fósseis ficam em segundo plano, no papel e no mundo nas ideias. “Na prática, todavia, ocupam ainda lugar de destaque, por já estarem presentes no dia-a-dia do planeta, normalmente acessíveis ao setor industrial e à população geral, representando, ademais, ativo importante e relevante para a economia global, muito embora seja de conhecimento geral e inequívoco o prejuízo danoso já verificado, até aqui, com a sua intensa utilização”.
Rebeca, do CDP Latin America, destacou que não existe transição para uma economia de baixo carbono sem endereçarmos a energia renovável, pois mais de 80% da energia ofertada no mundo ainda vem de combustíveis fósseis. “Por outro lado, recebemos como uma boa sinalização o relatório da Irena que identificou aumento de competitividade do setor, com 86% da capacidade das energias renováveis contratadas em 2022 com custos mais baixos que a eletricidade produzida a partir dos combustíveis fósseis, mesmo frente à inflação dos custos de mercadorias e equipamentos em todo mundo”.
Segundo a executiva, isso mostra os efeitos positivos de políticas públicas e regulamentações de incentivos, atraindo as empresas e consumidores e gerando oportunidades. Vale destacar que o último relatório da Agência Internacional de Energia aponta que serão necessários investimentos três vezes maior em renováveis para o cumprimento das metas climáticas. No Brasil, a diversidade e abundância de fontes – solar, eólica, hidrogênio verde, biomassa – representa um grande potencial, mas é sabido que há um grande desafio em adequar o arcabouço legal e regulatório, que impacta diretamente na atração de investimentos para novos projetos.
Por outro lado, ela afirmou que a transição energética é um processo e, de fato, estamos em um momento de coexistência de indústria de óleo e gás. “No entanto, a transformação somente será consistente se conciliar segurança energética, equidade energética e sustentabilidade ambiental. O futuro de uma economia descarbonizada depende da atuação da indústria de óleo e gás, sendo fundamental que ela aumente os recursos para tornar seus processos mais sustentáveis, aumente a taxa de circularidade do setor e diversifique seu portfólio, já que essa indústria detém tecnologia e conhecimento que podem ser aplicados no desenvolvimento de fontes renováveis. Aumentar a oferta e a utilização de gás não é viável, pois apenas 12% das emissões diretas (escopo 1) e indiretas (escopo 2) reduziram. Os governos devem liderar esta agenda e tomar medidas concretas, influenciando também as empresas, pois o aumento de consumo de combustíveis fósseis não é mais viável. Nossa expectativa é concluirmos a COP28 com um acordo ambicioso para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”, explicou.
O papel do Brasil na COP28
Segundo diretora-executiva do CDP Latin America, o Brasil é indispensável nas discussões climáticas e sociais, não só pela importância da Floresta Amazônica, mas também por liderar várias iniciativas. “A COP28 marca a retomada de liderança internacional do Brasil, a exemplo da Cúpula da Amazônia no Belém do Pará, que resultou em um documento com o posicionamento em conjunto dos países amazônicos. Além disso, o Brasil poderá se destacar, dadas as enormes possibilidades e oportunidades de iniciativas de tecnologias e inovação para uma economia de baixo carbono, além das inúmeras opções em soluções baseadas na natureza, seja para mitigação seja para adaptação”, disse.
Ela ainda destacou que o fato de a COP30 acontecer no Brasil em 2025, exatamente 10 anos após o Acordo de Paris, será uma grande oportunidade para que o país assuma o protagonismo e garantir uma trajetória de aumento de ambição e ação até a realização da conferência.
Segundo o advogado, a necessidade da transição energética é reconhecida em escala global e medidas como compromissos climáticos, o crescimento das energias renováveis, bem como as políticas de eficiência energética têm indicado um progresso na direção da redução das emissões de gases de efeito estufa.
“Apesar de se notar uma discrepância considerável, de país para país, na velocidade da redução da dependência de fontes de energia fósseis, há cada vez uma convergência internacional no reconhecimento dos riscos climáticos a ela associados. Diferenças e interesses econômicos, como influências políticas e restrições financeiras e de infraestrutura, além de variação na disponibilidade de recursos naturais para energias renováveis influenciam muito o cenário em diferentes regiões”, declarou.
A sócia das áreas Ambiental e de ESG do Demarest Advogados, Fernanda Stefanelo, espera que a participação do Brasil na COP 28 tenha foco em três pilares: mudanças climáticas, transição energética e proteção ao meio ambiente. A mensagem da participação brasileira na COP 28 será: “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”.
H2V ganhará destaque
Por sua vez, a sócia do Trennepohl Advogados, Natascha Trennepohl, concorda que o ambiente da COP28 para discussão sobre transição energética será desafiador e os países caminham em diferentes velocidades. Mas destacou que a programação da conferência abre espaço para a discussão sobre uma transição justa que pode focar no desenvolvimento da energia renovável, maior eficiência energética e inovação, podendo ampliar a atenção para novas alternativas como o hidrogênio verde.
A advogada reforçou que o programa temático da COP28 divide as discussões em quatro linhas centrais: tecnologia e inovação, financiamento, comunidades e inclusão. “Alguns temas já vêm sendo discutidos há várias COPs, como financiamento, e outros precisam retomar o destaque como a transição energética”.
Segundo ela, na parte de inovação e transição energética, novas tecnologias e o potencial do hidrogênio verde na descarbonização de indústrias pesadas devem ser pontos de destaque. “Na parte do financiamento, são esperados avanços no sistema financeiro internacional e o reforço aos mecanismos de mercado, como o de carbono”, finalizou.