Crise hídrica excepcional evidencia problemas recorrentes do setor, diz Acende Brasil
24/nov/2021, MegaWhat
A crise hídrica deste ano foi sem precedentes na história do setor elétrico, porém evidenciou um problema recorrente no sistema: a redução da produtibilidade das hidrelétricas e a inadequação do modelo operacional à realidade. As constatações fazem parte de estudo inédito elaborado pelo Instituto Acende Brasil.
O amplo documento, que consiste na 15ª edição do Programa Energia Transparente (PET), destaca todos os acontecimentos relevantes do ponto de vista de operação e comercialização de energia do ano operativo de julho de 2020 a junho de 2021. Nesta edição, o estudo contou com um capítulo extra, sobre as causas da crise hídrica e as ações adotadas para contornar a situação.
De acordo com o estudo do Acende Brasil, basicamente dois fatores contribuíram para a crise hídrica. O primeiro foi a ocorrência de hidrologias excepcionalmente baixas nos últimos anos, com destaque para o último ano operativo, cuja hidrologia foi a pior dos últimos 91 anos. Por outro lado, também foi identificado um aumento de consumo de água para outras finalidades, além do setor elétrico, o que implica em uma maior dificuldade de recomposição dos reservatórios hidrelétricos.
Além disso, do ponto de vista estrutural, foram detectados problemas como a perda de produtibilidade das hidrelétricas, que ocorre quando os baixos níveis dos reservatórios resultam em um consumo superior de água para geração de eletricidade, e distorções nos modelos computacionais, que consideram um índice de eficiência das usinas maior do que o atual e, com isso, subestimam o consumo de água necessário para geração de energia.
“Este é um fenômeno que precisa ser revisto e trabalhado”, disse Richard Hochstetler, líder de estudos econômicos e regulatórios do Acende Brasil e um dos autores do documento.
“Nosso objetivo foi fazer uma leitura desapaixonada da crise hídrica”, afirmou Eduardo Müller Monteiro, diretor-executivo do Acende Brasil, destacando que o documento faz uma análise e uma descrição técnica dos acontecimentos deste ano no setor. Segundo ele, a intenção foi gerar contribuições sobre a crise hídrica para os formuladores de políticas públicas.
O presidente do Acende Brasil, Claudio Sales, ressaltou que o estudo também serve como uma espécie de plano de voo para as autoridades, caso tenham de voltar a lidar com a crise hídrica em 2022. “A ideia é ter um patamar de referência para discutir o assunto no ano que vem”, explicou.
O estudo também listou as medidas adotadas pelas autoridades para combater os efeitos da crise hídrica e minimizar o risco de desabastecimento. Entre essas ações estão o aumento da geração térmica e das importações de energia, a contratação excepcional de usinas e o programa de redução voluntária da demanda (RVD). Na área de governança, foi instituída a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg).
Herança
Segundo Amanda Ohara, consultora de energia do Instituto Clima e Sociedade (iCS), o setor elétrico ainda terá que lidar com a crise hídrica e os seus efeitos em 2022. Segundo cálculos apresentados pela especialista na última segunda-feira, 22 de novembro, a crise hídrica deixará uma herança de R$ 140 bilhões a ser repassada para as tarifas de energia nos próximos 20 a 30 anos.
“Já estamos vivendo um racionamento de energia via tarifa”, afirmou Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo ele, o modelo do setor elétrico não corresponde às expectativas das empresas e dos consumidores. Uma prova disso, explicou, é o fato de o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) estar inferior ao dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS).
Para o ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e consultor Luiz Eduardo Barata, a única medida capaz de mitigar custos no sistema elétrico para 2022 é por meio da eficiência energética.
PET
A mais nova edição do PET, do Instituto Acende Brasil, também detalhou outros destaques do último ano operativo, entre eles o blecaute ocorrido no Amapá em novembro do ano passado, a repactuação do risco hidrológico, e a regulação da contratação da expansão, que viabiliza a realização do primeiro leilão de reserva de capacidade, marcado para 21 de dezembro.