Crise hídrica traz impactos ao ES com risco de racionamento e energia cara

Data da publicação: 14/06/2021

14/jun/2021, A Gazeta online – ES

Como níveis baixos dos reservatórios coincide com o momento de retomada econômica, após fechamentos provocados pela pandemia, o cenário pode ser ainda mais crítico e impactar potencial de crescimento do PIB capixaba.

Com os níveis dos reservatórios de água do Centro-Oeste e do Sul do país baixos, com cerca de 33% da capacidade, de acordo com dados do Instituto Acende Brasil, a situação hídrica no Brasil é de alerta. O momento de crise afeta, em especial, a geração de energia e o setor agropecuário.

Como coincide com a retomada econômica, após fechamento de indústrias e comércio em decorrência da pandemia, o cenário pode ser ainda mais sombrio. O preço alto da energia encarece a produção das indústrias, pesa no bolso das famílias e limita o potencial de crescimento do PIB capixaba.

Para especialistas, a crise que se antevê para o segundo semestre é comparável com a enfrentada no final do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em que houve racionamento de energia entre 1º de julho de 2001 e 19 de fevereiro de 2002 para evitar um apagão. À época, quem não cumpria a meta de economia pagava um adicional na conta de luz que variava de 50% a 200% e podia até ter a energia cortada como forma de punição.

Ainda que não se concretize como uma das piores crises da história neste ano, o fato é que a energia deve, em breve, encarecer ainda mais. Atualmente está vigente a bandeira tarifária vermelha no patamar 2, índice que representa o nível mais caro possível nas contas de energia.

Para o doutor em Ciência Florestal Luiz Fernando Schettino, ex-presidente da antiga Agência de Serviços Públicos de Energia do Estado do Espírito Santo (Aspe), os cenários atuais indicam um quadro grave. “Se for confirmada a gravidade, a depender de previsões meteorológicas, teremos uma das piores crises de energia da história. Os níveis dos reservatórios estão bastante baixos, com 20% de déficit em relação aos anos anteriores, que já eram baixos. Do jeito que está, podemos ter um novembro de reservatórios vazios”, apontou.

“Pode até não faltar água, mas no custo da energia a crise vai trazer impactos, em especial no agronegócio. Aqui no ES estamos um pouco mais preparados para enfrentar isso do que já estivemos. Temos áreas com reserva de água, recuperamos cobertura florestal, que mantém água no solo. Devemos melhorar a proteção das florestas, continuar na ampliação da reserva de água e investir em tecnologias mais eficientes, além de educar as pessoas e empresas a usarem a água de forma racional”

Para o especialista, o Brasil tem um grande potencial de geração de energia renovável, no entanto, o tem utilizado de forma muito aquém da capacidade. “Devemos investir em energia renovável, que geraria empregos em várias regiões. Eu vejo a crise como possibilidade de avanço, de investimentos em energias eólica, solar e em bioenergia”, pontuou.

COMPARAÇÃO COM A CRISE DE 2001

Com o racionamento iniciado em 2001, não só as famílias precisaram economizar energia, mas as indústrias também tiveram de reduzir a produção. Com isso, o Produto Interno Bruto (PIB), que havia crescido 4,4% em 2000, desacelerou para 1,4% em 2001. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o apagão de 2001 causou perdas de R$ 45,2 bilhões, pagas principalmente pelo consumidor, que teve de arcar com reajustes elevados nos anos seguintes.

Vinte anos depois de superada a crise, que apresentou riscos reais de apagão, pouca coisa mudou em termos de geração de energia elétrica, visto que o país mantêm dependência das hidrelétricas. Entre 2014 e 2017 a preocupação foi renovada no país, durante período de forte estiagem.

Para o conselheiro no Conselho Federal de Economia e ex-presidente do Corecon, Eduardo Araújo, há possibilidade de adoção de medidas de racionamento de energia neste ano semelhantes às enfrentadas ao final do governo FHC. “O nível atual dos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste, que são as principais fontes do sistema, é muito semelhante ao que se tinha em 2001. Além disso, as evidências são de que os fatores climáticos e o desmatamento têm levado o nível de chuva a um patamar bem abaixo do que se tinha em 2001”, comparou.

A diferença é que, desde então, avançou-se com a implantação de termelétricas e com alguma diversificação do sistema elétrico do país. “Porém, a maior parte dos analistas apontam para um risco concreto de apagão e para medidas que devem resultar no encarecimento do custo das contas de energia, com acionamento dessas termelétricas (que produzem energia mais cara)”, acrescentou.

De acordo com o economista Antônio Marcus Machado, já há alerta do Operador Nacional do Sistema Elétrico demonstrando o risco de racionamento. “Se não tomarmos providência, em outubro ou novembro teremos um quadro muito crítico do abastecimento energético. Isso porque nossa matriz elétrica é muito dependente das hidrelétricas e, naturalmente, no caso de serem insuficientes, das termelétricas, que são muito caras. Com a estiagem, os reservatórios ficam desabastecidos”, frisou o economista.

MEDIDA PROVISÓRIA

Como divulgado no Estadão, o governo federal guarda uma medida provisória que cria condições para adoção de um racionamento de energia. Há ainda a intenção de criar um comitê de crise que terá o poder de adotar medidas como redução obrigatória do consumo e contratação emergencial de termelétricas – mesmas medidas adotadas em 2001, quando a população e as empresas foram obrigadas a diminuir a carga em 20% para evitar um apagão. Apesar disso, até o momento o governo nega o risco de um racionamento.

PARADA NA PRODUÇÃO DO GÁS

O “plano B” brasileiro na geração de energia, as termelétricas, também enfrenta desafios. Há uma parada técnica da Petrobras na produção de gás (usado na geração de energia) no campo de Mexilhão e no gasoduto Rota 1 por 30 dias prevista para 15 de agosto, segundo o jornal O Globo. Deste modo, as plantas podem ter dificuldade para obter gás natural, o que tem potencial para agravar ainda mais a crise.

De acordo com a Petrobras, o campo do Mexilhão responde por 11.8% de toda a produção de gás do Brasil.

SETOR AGROPECUÁRIO

Um setor gravemente afetado pela falta de água é o agropecuário, que pode vir a ter queda importante na produtividade. No Espírito Santo, o segmento chega a representar quase 30% do PIB.

Para explicar o tamanho do impacto, Schettino faz uma comparação: para comer um bife, é necessário usar água de seis meses de banho. “A água é vital nesse setor. E sem energia, em função da crise, os custos aumentam, trazendo impactos no custo de produção. Logo, é vital investir em tecnologias que economizem água. Entre 2015 e 2018, por exemplo, principalmente na lavoura de café Conilon, houve impactos sérios nos custos de produção com a estiagem”, frisou.

Para Eduardo Araújo, o agronegócio é um setor que sofre muito com a falta de chuvas. Além dele, os consumidores de maneira geral são impactados pelo custo mais alto dos alimentos.

“Os efeitos da estiagem prolongada no Estado podem impactar em fortes restrições para captação de água para fins de irrigação ou mesmo para atividades industriais em algumas regiões do Estado. O impacto disso na produção agrícola vem na forma de atrasos, de redução da colheita e de queda na produtividade”

Segundo ele, o ramo do agronegócio gera no Espírito Santo cerca de R$ 24 bilhões por ano em salários, lucros, aluguéis e outras formas de remuneração. “O detalhe é que a maior parte dessa renda não vem da agropecuária, mas sim de negócios conexos (como o beneficiamento agroindustrial, fornecimento de insumos, a comercialização e distribuição desses produtos). É que as atividades de plantio, colheita e produção de animais que ocorrem dentro das fazendas só contribuem com 4% do PIB estadual. Isso dá uma dimensão de que as restrições ao funcionamento da agricultura acabam impactando também o setor de serviços e outros negócios que acontecem ‘fora da porteira'”, disse.

Também para o economista Antônio Marcus, a questão do agronegócio capixaba é séria. “São mais de 100 mil pequenos produtores. Em razão da seca que iniciou em 2014, eles tiveram prejuízos na produção, precisaram de empréstimos que não conseguiram pagar, deixando um quadro financeiro muito frágil em 2018. Eles podem ser muito afetados agora, porque não têm reserva, poupança, para bancar os prejuízos”, afirmou.

O especialista explicou que no caso das pequenas propriedades, ocorre, em geral, sucessão familiar, que passa de pai para filho. Porém, hoje os filhos tendem a mudar para regiões metropolitanas para buscar oportunidades. Então, quando soma-se a escassez de água para irrigar, com a incapacidade de tomar crédito pela inadimplência, e também a falta de mão-de-obra para cuidar dos negócios, a situação toda se agrava.

“A gente vai precisar de muita atenção do governo federal para cuidar da matriz energética e das questões hídricas. O desmatamento da Amazônia já aumentou em 14% e isso contribui muito para a incidência ou não de chuvas. As propriedades maiores, de agrobusiness, por exemplo, já têm escala de exportação, capacidade de endividamento maior, devem sofrer menos com isso. O Espírito Santo tem perspectiva de grande atenção, mas tem uma situação melhor do que em outros Estados, apesar de tudo”, destacou Machado.

DESEMPREGO

Conforme explica Eduardo Araújo, a sociedade vive um momento de recorde histórico na taxa de desemprego e o problema hidrológico é capaz de piorá-la. “A crise significa riscos de imposição de restrições e alta em custos de produção. Com isso, o impacto é a limitação do potencial de crescimento do PIB capixaba. É preocupante porque a estiagem coincide justamente com o momento em que a economia dá sinais de retomada. Vai acabar em desemprego”, disse.

Antônio Marcus concorda. “A consequência é o desemprego. Se não há atividade econômica, não tem faturamento, desemprega inclusive nas pequenas propriedades. Tudo isso agrava a questão social, em especial as condições de vida das pessoas de renda baixa. O desemprego em razão de um quase apagão piora a questão social. A economia, com alguns meses, consegue até se recuperar, mas a questão social pode levar uma década, quando fragiliza a condição de pessoas de menor renda”, acrescentou.

PREVISÃO DE ESTIAGEM NO ES

Apesar da perspectiva de seca generalizada no país, inclusive em Estados considerados chave na produção de energia, para o Espírito Santo a previsão é menos pessimista. De acordo com análises do Instituto de Assistência Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o volume de chuvas por aqui tem ficado dentro da média esperada, o que não implica em grandes riscos de prejuízos à região.

De acordo com um dos especialistas do Instituto, Fabiano Tristão, nem mesmo o agronegócio capixaba deverá ser diretamente afetado pela estiagem. “Não temos tido prejuízos relacionados à chuva na nossa região. Não corremos estresse hídrico nos últimos dois anos, apesar de termos tido um histórico nos cinco anos anteriores, enfrentando sérios problemas de chuva abaixo da média”, disse.

Para Hugo Ramos, também técnico do Incaper, existe monitoramento sistemático da seca no Estado e, ainda que esteja se aproximando do período menos chuvoso do ano, os efeitos da estiagem por aqui serão menos intensos.

“O que pode ocorrer até final de setembro é que podemos enfrentar estiagem, mas as consequências serão menos danosas do que vêm acontecendo em outros estados, como no Paraná, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul. Lá a situação, mesmo no período chuvoso, contribuiu para o baixo volume de água armazenada. E agora, em período de estiagem, dificilmente o quadro será revertido. Mas no ES foi feita a poupança de água dos meses de chuva, entre outubro do ano passado e abril deste ano”

Mesmo em Minas Gerais, Estado vizinho contemplado pela região da bacia do Rio Doce, que abastece alguns municípios capixabas, como Colatina, a situação não é alarmante, ao contrário de outras regiões que merecem atenção, como a do Triângulo Mineiro, que está semelhante a de São Paulo, segundo Ramos.

A Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) afirma que monitora semanalmente, de forma remota e presencial, os principais mananciais do Espírito Santo. “Apesar do alerta para a bacia do rio Paraná (MG, GO, MS, SP e PR), no Espírito Santo as vazões estão dentro do comportamento esperado para o início do período mais seco do ano”, manifestou o órgão em nota.

LA NIÑA

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no entanto, chama atenção para o período de “La Niña”, o qual reduz chuvas nas regiões sul e sudeste, causando déficit de abastecimento dos reservatórios.

O Inmet reitera que os meses por vir são o período menos chuvoso comparado aos demais meses do ano. Observou-se que de setembro de 2020 a maio de 2021, os acumulados de precipitação estiveram abaixo do esperado durante primavera, verão e outono, com exceção de outubro 2020 e fevereiro de 2021.

Com isso, recomenda aconselhar a população para que tenha consciência de armazenamento e menor consumo nas atividades diárias para evitar um futuro racionamento de água e energia elétrica.

Em discordância, Hugo Ramos, do Incaper, afirma que para o Espírito Santo o fenômeno do La Niña não influencia de forma significativa. “Na dimensão das chuvas, o La Niña reflete principalmente na região Sul. Quando trazemos para o Estado, a única resposta ao fenômeno é o aumento das médias de temperatura no inverno. Não interfere no regime de chuva daqui. Não teremos seca aqui por enquanto”, frisou.

Em nota, o Inmet afirmou que o governo do Espírito Santo implantou o Plano Estadual de Recursos Hídricos (Perh). A expectativa é que, com ele, sejam minimizados os impactos caso o Estado seja atingido pela crise hídrica, por falta de chuva, que já afeta cinco Estados brasileiros. Apesar disso, de acordo com informações do Fórum Capixaba de Comitês de Bacias Hidrográficas, até o final do ano essa situação pode afetar o Espírito Santo.

Segundo dados de 2021, fevereiro foi bem chuvoso, especialmente na Região do Caparaó. A partir de março as chuvas começaram a ficar abaixo da média, exceto na Região Metropolitana, em que o efeito foi menor devido aos valores acumulados no início do mês.

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