Decisão sobre ‘jabuti’ do esvaziamento das agências preocupa o setor
Entre várias ameaças regulatórias que o setor elétrico tem vivenciado nos últimos anos, com o aumento da ingerência do Poder Legislativo em temas técnicos decididos pela Aneel, uma delas preocupa pelo teor radical.
Trata-se da emenda 54 (que também atende pelo nome de jabuti) incluída na MP 1154/2023, esta concebida para estabelecer teoricamente apenas a nova organização dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.
A proposta da emenda, entre as 154 incluídas na MP, em resumo é retirar o poder das agências reguladoras, criando um novo “espécime” na administração pública, batizado de conselhos, a quem elas passariam a estar subjugadas.
Pelo texto da emenda, “a edição de atos normativos, mesmo nos setores regulados, será exercida por meio de conselhos ligados aos Ministérios e secretarias que atuarão nas funções de regulação, deslegalização e edição de atos normativos infralegais, sendo compostos, na forma da lei, por representantes do Ministério, da agência, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores, aprovados pelo Congresso Nacional.”
Em tramitação no Congresso, à espera de instalação de comissão mista da Câmara e do Senado para sua avaliação, o que está previsto para 11 de abril, a MP precisa ser deliberada até 1º de junho para ser efetivada.
Com o prazo final se aproximando, há muita expectativa com o desfecho da nova ameaça, embora o sentimento entre agentes do setor é o de que o “absurdo” da proposição basta para que a emenda seja vetada.
É o caso, por exemplo, do presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Salles, para quem a emenda, entre outros adjetivos, é irresponsável. Além de colocar em alto risco a segurança jurídica hoje existente para os investimentos de longo prazo dos setores regulados, o esvaziamento das agências deixa a descoberto consumidores e agentes, que deixariam de contar com o amplo processo, debatido na sociedade em audiências e consultas, que dá origem à regulação infralegal das agências.
“As agências são órgãos de estado, com quadros técnicos de alto nível, e esses conselhos seriam órgãos de governo, absolutamente políticos, subjugados aos mandatos eleitorais, que teriam ingerência direta na regulação com visão de curto prazo. Isso iria corroer a capacidade de as agências atuarem com eficiência”, disse ao EnergiaHoje.
Salles acredita que a tentativa de incluir a mudança radical é mais um movimento de parlamentares que tentam a todo custo aumentar a interferência em órgãos públicos especializados. “No caso do setor elétrico, há um desrespeito absurdo a instituições como a EPE e a Aneel, com deputados propondo, por exemplo, definir tarifa com uma canetada”, diz.
Um exemplo claro de ingerência é o PDL 365/2022, que tenta sustar resoluções da Aneel sobre a metodologia de tarifação dos sistemas de transmissão (sinal locacional).
“Para chegar ao princípio da metodologia do sinal locacional houve uma sucessão de audiências e consultas públicas, com ampla discussão com a sociedade, e aí depois que passou por esse longo processo chega um parlamentar e junta um monte de argumentos superficiais, sem relação com o tema técnico, e diz que não é assim”, afirma.
Para ele, o que estão tentando agora com as agências é o mesmo fenômeno, só que com muita mais força. “Com a emenda 54, eles não querem mais atuar de forma isolada, em uma regulação específica, mas fazer com que nenhum rito regulatório tenha mais valor, subjugando a agência a conselhos formados politicamente e que vão dizer de que forma cada coisa tem que ser decidida”, afirma Salles.
Seu sentimento, porém, é a de que o “jabuti” não passa. “A impressão é a de que todos, à exceção do autor da emenda e do pequeno grupo que o acompanha, consideram a iniciativa irresponsável”, finaliza.