Descompasso preocupa
28/abr/2022, Revista Valor Setorial Energia
O atraso médio das instalações de transmissão caiu de 494 dias em 2017 para 166 em 2021. Mesmo assim, o Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no país, admite a preocupação pela falta de sincronia na velocidade de expansão do parque gerador em relação às instalações de transmissão. Enquanto a construção de usinas eólicas e solares, por exemplo, requer cerca de três anos, os projetos de uma linha de transmissão precisam de aproximadamente sete anos.
Para Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, o gargalo existente não pode, “em nenhum momento”, trazer problemas de abastecimento de energia no Sistema Interligado Nacional nos próximos cinco anos.” As linhas de transmissão entre as regiões Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste, inclusive, vêm sendo expandidas ao longo dos últimos anos”, assinala. Mas ainda há o risco de que uma sobra de potência de 5,5 gigawatts (GW) no Norte e Nordeste até 2026 possa não ser escoada pelas usinas.
“Como todo setor intensivo da infraestrutura, o segmento de transmissão precisa de soluções ágeis para os desafios que se impõem, haja vista a magnitude dos investimentos e dos agentes envolvidos”, diz André Gomes, presidente da CPFL Transmissão. Com mais de RS 1,5 bilhão de investimentos planejados para o ciclo 2021/2022, o grupo CPFL Energia deu, em 2021, um grande salto de participação no mercado de transmissão com a aquisição de 66% da Companhia Estadual de transmissão de Energia Elétrica (CEER-T) no Rio Grande do Sul, dando origem, em outubro do ano passado, à CPFL Transmissão. O valor da proposta, apresentada no leilão de privatização da concessionária estadual, foi de RS 2,67 bilhões.
Para Miranda, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), que reúne 26 concessionárias e outorgadas de transmissão de energia elétrica, estatais e privadas, elo país, recompor os prazos de entrada em operação comercial das instalações licitadas nos últimos leilões é o caminho para mitigar o plano de negócio de cada empresa.
É uma grande preocupação das companhias concessionárias, principalmente em razão do impacto da pandemia ele covid-19 e da escassez hídrica, que, segundo ele, afetaram duramente as empresas ele transmissão. “A velocidade de avanço de cronograma de implantação ele fontes renováveis, como a eólica e a solar, é mais rápida que os prazos das linhas ele transmissão”, diz Miranda. “Geralmente, são linhas interestaduais, que implicam atendimento aos compromissos ambientais com seus prazos”, obse1va.
Até 2025, o Plano da Operação Elétrica de tédio Prazo elo Sistema Interligado Nacional (PAR/PEL), lançado em dezembro de 2021, estima investimentos ele RS 23,9 bilhões para a execução das obras de linhas ele transmissão. Deste montante, R$ 16,3 bilhões correspondem a novas obras. O conjunto de obras representa 7.951 quilômetros( km) de novas linhas de transmissão e 20.046 ele acréscimo ele capacidade transformadora em subestações novas e existentes. Já os estudos para licitação e expansão da transmissão, feitos pela Empresa de Pesquisa energética (EPE), com horizonte até 2027, prevê R$ 58,4 bilhões, dos quais R$ 32,3 bilhões (55%) se referem a investimentos em obras planejadas originalmente com o propósito de escoamento de geração e R$ 26,1 bilhões (45%) são relativos a obras planejadas com foco no atendimento aos mercados regionais.
A expansão ela geração e transmissão, verificada em fevereiro deste ano, ele acordo com o ONS, foi de aproximadamente 516 MW de capacidade instalada de geração centralizada de energia elétrica, 566 km ele linhas ele transmissão. “Só nesses primeiros meses elo ano, a expansão totalizou 999 MW de capacidade instalada de geração centralizada, 1.663 km de linhas de transmissão”, diz Ciocd1i. “No ano passado, tivemos um aumento de 17% na transmissão de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN)”, assegura.
As concessionárias estão fazendo a sua parte, diz Fabiano Uchoas, diretor de transmissão e projetos ele subtransmissão da Neoenergia, que faz parte do grupo espanhol lberdrola, presente desde 1997 em 18 Estados e no Distrito Federal. A Neoenergia possui 4 GW ele capacidade instalada em geração, sendo 88% de energia renovável, e está implantando mais 0,6 GW com a construção de novos parques eólicos. Em transmissão, são 2,3 mil km de linhas em operação e 4,3 mil km em construção.
“Em 202 1, investimos R$ 2,3 bilhões em transmissão, sendo R$ 264 milhões a mais do que em 2020”, informa Uchoas. Um dos de taques do programa de investimento é a Linha de Transmissão Jalapão, hoje a de maior extensão da companhia em operação, com 728 km, arrematada no leilão realizado em dezembro de 201 7. Esse projeto expandirá a malha de transmissão entre as regiões Norte e Nordeste. O ano de 2021, segundo Uchoas, marcou também a conclusão das entregas dos lotes adquiridos no leilão de abril de 2017, como o trecho do projeto Dourados, linha que totaliza 581 km ele extensão entre Mato Grosso do Sul e São Paulo.
A expectativa em torno dos próximos leilões de projetos ele linhas ele transmissão, previstos para junho e dezembro, é cada vez maio r. O programa aprovado para o primeiro leilão prevê investimentos em torno de R$ 8 bilhões, para 4.810 km de linhas de transmissão e 6.030 MVA de potência a ser instalada. O maior volume ele obras atenderá à expansão da capacidade ele transmissão da região norte de Minas Gerais, onde estão previstos 3.543 km ele linhas de transmissão e 3.750 MVA em capacidade de transformação nas subestações, com investimento em torno de R$ 6 bilhões.
Mas o atual cenário econômico traz novos desafios para os futuros investimentos, aponta Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, um centro de estudos que fornece análises para o setor elétrico. Segundo ele, a tendência inflacionária persistente que está elevando os custos dos empreendimentos e impulsionando a elevação das taxas de juros certamente impactará as decisões dos investidores. Todavia, existem oportunidades para novos grupos nacionais ou internacionais, como também para os grupos que atuam no segmento no país, indica Sales. “A chave para atrair investidores e assegura r a prestação dos se1viços a preços competitivos é estabelecer prazos e preços-teto nos leilões que assegurem uma remuneração atrativa”, diz ele.
As concessionárias enfrentam problemas no desenvolvimento de seus projetos, principalmente devido à alta dos preços das commodities, juros e inflação altos. Porém, pelo menos no caso do grupo indiano Sterlite Power, isso não deve diminuir o interesse de ampliar os investimentos no Brasil. A empresa acredita que a expansão do mercado brasileiro de energia, com previsão de um volume significativo de investimentos para os próximos a nos, mais do que tudo, representa uma oportunidade de expansão dos seus negócios no país.
“Estamos otimistas e, com a crescente demanda por ene1g ia no Brasil, será a chance de incrementar a capacidade de energia eólica e solar, tendo o setor de transmissão como rota de escoamento dessa ene1g ia”, comenta Amitabh Prasad, CEOda Sterlite PowerBrasil. A Sterlite chegou ao Brasil em 2017 e, em cinco anos de atuação, a empresa já investiu mais de R$ 3,3 bilhões no mercado nacional em projetos de desenvolvimento de infraestrutura. Foram dez lotes arrematados logo nos primeiros leilões, dos quais quatro projetos foram vendidos, um foi concluído neste ano, dois estão em estágios iniciais e três serão entregues até setembro ele 2022. No fim de 2021, a companhia arrematou mais um lo te, na Bahia, o segundo projeto da empresa no Estado. A Receita Anual Pennitida (RAP)do empreendimento é de R$ 7,093 milhões, o que corresponde a um deságio de 66,9%em relação ao valor máximo de R$ 20,914 milhões. Em abril, a Sterlite realiza a primeira emissão de debêntures verdes da companhia no valor de R$ 600 milhões. “Os recursos serão destinados aos três projetos que serão entregues ainda neste ano – Goyaz (GO), Borborema (PB) e Solaris (MG)”, comenta Prasad. “Todo o mercado de ene1g ia está olhando para o próximo leilão, em junho. O último leilão teve cinco lOtes e este terá dez, somando um total de R$ 15 bilhões.
” O grupo Energisa, de capital nacional, também tem investido bastante no segmento ele transmissão, por meio de leilões e aquisições. Em dezembro ele 2021, adquiriu em leilão um empreendimento de transmissão no Amapá, para construção de uma subestação e implantação de 10 km de linha de transmissão.
E em fevereiro deste ano comprou a concessionária Gemin que possui 1.451 km de linhas de transmissão, oito subestações e uma receita operacional anual de R$ 362 milhões. O total investido na aquisição desses a ti vos e obras de expansão foi de R$ 821 milhões. Em 2022, a Ene1gisa vai investir mais R$ 362 milhões em transmissão, informa Gioreli de Souza Filho, vice-presidente de redes.