Diferente da Europa, guerra na Ucrânia deve afetar pouco o setor elétrico no Brasil

Data da publicação: 05/03/2022

05/mar/2022, Congresso Em Foco

A guerra na Ucrânia acendeu o sinal amarelo para o setor elétrico na Europa e escancarou a dependência da União Europeia do gás natural e do petróleo russo. Os combustíveis fósseis dominam a matriz de energia no continente: cerca de 77% das necessidades energéticas do europeu médio são satisfeitas com petróleo, gás e carvão.

A diversidade da matriz energética brasileira e a não dependência da Rússia deixam o setor energético em situação mais confortável no Brasil, segundo o Instituto Acende Brasil, centro de estudos independentes do setor elétrico. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o Brasil usa 83% de fontes renováveis para a produção de energia – a média mundial é de 25%.

Para o presidente do instituto, Cláudio Sales, o setor pode sentir os efeitos do aumento do preço do petróleo e do gás natural e de uma eventual desvalorização do real em decorrência da guerra, mas o impacto na conta de luz não deverá ser sentido pelo consumidor de uma forma direta tendo em vista a baixa participação da termelétricas movidas a combustíveis fósseis em nossa matriz elétrica.

“Do ponto de vista da nossa oferta de energia doméstica, temos a geração termoelétrica com vários contratos indexados. Isso é corrigido mês a mês e a tendência é que o custo aumente. Para o consumidor de eletricidade, esse efeito é repassado nos reajustes anuais e também nas “bandeiras tarifárias”, mas sua intensidade diminui à medida que melhorem as condições hídricas, explica o especialista.

Desde o início da guerra, há uma semana, o preço do barril de petróleo subiu quase 20%, sendo fechado em US$ 112,93, o que elevou os temores de desabastecimento e de alta da inflação em todo o mundo. Por outro lado, o dólar tem fechado em queda com o mercado brasileiro acompanhando a valorização de divisas de países exportadores de commodities.

Uma eventual desvalorização da moeda brasileira, no entanto, pode elevar os custos para o setor elétrico, adverte Cláudio Sales. “Se tiver uma desvalorização do real acentuada, haverá impacto direto sobre a tarifa de Itaipu, que é indexada ao dólar e relevante para o nosso consumo, e sobre a importação de equipamentos e insumos para novas instalações de geração de energia”, diz.

As pressões da alta do petróleo e do gás natural se refletem na geração da energia que vem das termelétricas. No Brasil a principal fonte da matriz energética é a hidráulica, que gerou 63,8% da energia elétrica produzida no país em 2020. Entre os 36,3% restantes, os destaques ficaram a energia eólica (9,2%) a geração termelétrica a gás natural (8,6%) e e a biomassa (9%). Os dados são da Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia.

“Com a guerra, essa questão do abastecimento na Europa tem prioridade máxima. A Alemanha, por exemplo, tem forte dependência do gás natural vindo de gasoduto da Rússia. Essa não é nossa realidade, não temos problema dessa natureza” , considera Cláudio Sales. “Em relação ao gás que demandamos no setor elétrico para o abastecimento, não é uma situação de alarme para o Brasil. Estamos longe disso”, acrescenta.

Embora tenha produção própria, o Brasil tem aumentado a importação de gás natural liquefeito (GNL). No ano passado, segundo a Petrobras, foram trazidos do exterior 23 milhões de metros cúbicos da commoditie por dia, um recorde histórico. Produto importado, na forma líquida, de países como Estados Unidos, Trinidad & Tobago e Catar.

Um cenário diferente do que se observa na Europa, onde 40% de seu gás natural vêm da Rússia, inclusive passando por gasodutos na Ucrânia. O temor com o desabastecimento e a elevação dos preços é tamanho que os Estados Unidos e outras potências mundiais ainda não impuseram sanções aos fluxos de petróleo e gás na Rússia.

Para Sales, a necessidade da Europa de reduzir a dependência dos russos na importação do gás pode acelerar a transição para fontes de energia renovável no continente. Em 2018, a União Europeia assumiu o compromisso de encerrar a era dos combustíveis fósseis, eliminando por completo os gases do efeito estufa na região até 2050 – uma meta vista com ceticismo por ambientalistas. O Brasil também assumiu esse compromisso na Cúpula do Clima em Glasgow (COP26), no ano passado.

“Provavelmente agora, com essa ameaça geopolítica, diferentes países tentem acelerar seus programas. Alemanha e França deram declarações nesse sentido”, destaca o presidente do Instituto Acende Brasil. Também nesse ponto, segundo Sales, a situação do Brasil é diferente. “Temos 80% da eletricidade gerada de forma renovável. Na maioria dos países, a produção de energia elétrica é uma das grandes vilãs na produção de gás de efeito estufa porque a geração vem de termelétricas com combustíveis fósseis, esse não é o nosso caso”, afirma. O setor é responsável por 73% das emissões no planeta.

O Brasil está entre os dez países que mais emitem gás de efeito estufa. Em 2020, ano em que a economia mundial se retraiu drasticamente devido à pandemia, o Brasil foi na contramão do restante do planeta. Aumentou em 9,5% a emissão enquanto o mundo registrou queda de 7%. O crescimento foi puxado pelo aumento do desmatamento no país.

Segundo estudo do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, feito com cinco setores da economia, o de energia no Brasil respondeu por 18% das emissões de gás de efeito estufa no país em 2020 e teve uma queda forte de 4,6% em relação ao ano anterior. O estudo inclui a queima de combustíveis em atividades como transportes, indústria e geração de eletricidade na lista do setor elétrico.

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