Distribuidoras usam teleconferências pós-apagão para defender renovação não onerosa

Data da publicação: 13/11/2023

As distribuidoras de energia elétrica utilizaram as teleconferências sobre o resultado de seus grupos econômicos no terceiro trimestre para tentar separar o processo de renovação das concessões que vencem entre 2025 e 2031, e representam 60% do mercado, da discussão sobre a prestação de serviços pelo segmento, que ganhou após o apagão que atingiu São Paulo na última semana.

O diretor-presidente da CPFL Energia, Gustavo Estrella, por exemplo, afirmou “ser natural que o assunto venha talvez de uma forma mais intensa, mas, na nossa visão, são dois assuntos muito independentes um do outro” e disse a expectativa “continua sendo de que a gente está muito próximo da definição desse assunto, como era esperado”.

A percepção, no entanto, pode ser diferente da classe política, que se voltou ao tema depois que um temporal com ventos cuja velocidade ultrapassou os 100 quilômetros por hora deixou milhões de consumidores sem energia no dia 03. A Enel São Paulo, cuja área de concessão foi a mais afetada, só conseguiu restabelecer totalmente o atendimento na sexta-feira, 10.

Como mostrou o Broadcast Energia, ainda na segunda-feira, 06, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos) fizeram críticas ao contrato da concessionária.

No dia seguinte, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que o Tribunal de Contas da União (TCU) está avançando o sinal em atribuições do Legislativo ao tratar da renovação das concessões sem passar pelo Legislativo federal.

Para o diretor de Assuntos Regulatórios e Estratégia da Energisa, Fernando Maia, o Congresso Nacional tem “legitimidade” para tratar do assunto, mas “não deveria ser influenciado por eventos extraordinários e conjunturais”, disse também durante teleconferência sobre os resultados da companhia entre julho e setembro.

Ele afirmou que “eventos meteorológicos extremos precisam ser mitigados com investimento para melhoria da resiliência da rede”. Tais aportes, na visão do executivo, serão atraídos por meio da prorrogação não onerosa dos contratos. “As distribuidoras continuam defendendo que não existe um excedente financeiro a ser capturado seja na forma de pagamento de outorga ou de investimento a fundo perdido”, completou em referência à primeira versão da proposta do governo, que sugeriu a possibilidade de imposição de um ônus no estabelecimento de um novo contrato de concessão, que saiu da versão final.

O diretor-presidente da Equatorial Energia, Augusto Miranda, disse que os debates sobre a renovação das concessões têm evoluído normalmente com o Ministério de Minas e Energia (MME), e que o assunto é “naturalmente aquecido”. Também durante teleconferência, ele avaliou que as ocorrências em São Paulo não devem prejudicar a discussão, e que o evento provoca debates de viés político, especialmente sobre as privatizações.

Competência da União

Durante o evento, tanto a Enel São Paulo quanto autoridades locais destacaram que a prestação de serviço de energia elétrica é de competência da União, especialmente, quando a demora em retomar o fornecimento foi ligada à privatização no setor. A italiana Enel, por exemplo, assumiu a concessão da antiga Eletropaulo, em 2018.

Neste contexto, as distribuidoras apresentaram dados de investimentos nos últimos anos para combater o discurso. No caso da Enel São Paulo, o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, compara o investimento anual que era feito pela Eletropaulo, da ordem de R$ 800 milhões, com os da concessionária atual, que supera R$ 1 bilhão por ano, e cita a melhora dos indicadores de atendimento.

“É evidente que isso é nada mais que uso político de uma maneira que eu considero extremamente nefasta de um episódio que afetou de forma tão grave grande parte da população de São Paulo. É evidente que nenhum Congresso no mundo tem ferramental necessário para atuar na regulação de um setor da economia tão complexo como o setor elétrico. É por isso que definido pelo Congresso do passado, por lei, foi criada a agência reguladora com atribuições específicas”, afirmou Sales.

A discussão, no entanto, acabou sendo abarcada pelo próprio MME ao publicar nota na qual afirma que “as privatizações promovidas de maneira negligente com o setor elétrico brasileiro, nos governos Bolsonaro e Michel Temer, trouxeram ao país este cenário”.

Para o especialista, o ministro Alexandre Silveira “deveria realmente vestir o macacão do principal promotor de uma política energética que induza a eficiência para o nosso País”, mas, em vez disso, “fica fazendo esse tipo de declaração que só ilude as pessoas que o ouvem”.

Próximos capítulos

O Broadcast mostrou que o relator do processo na Corte de Contas, o ministro Antonio Anastasia, pretende levar a discussão ao plenário do órgão fiscalizador ainda este ano. A minuta encaminhada pelo MME, que foi alvo de ampla discussão entre a Pasta e as empresas especialmente sobre eventual onerosidade, ainda está sob análise da área técnica, que espera fechar um parecer ainda neste mês.

No âmbito local, as concessionárias enfrentam questionamentos do poder público. O Conselho de Administração da Enel tem reunião com o governador Tarcísio de Freitas nesta segunda-feira, 13, no Palácio dos Bandeirantes.

Amanhã, o presidente da Enel SP participa de audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da concessionária, que está em andamento na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) desde maio.

Já na capital paulista, a Câmara de Vereadores instalou um outra CPI para investigar a atuação da empresa, que deve se reunir nesta quinta-feira, 09.

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