É preciso expurgar ‘jabutis’ e aprovar MP da Eletrobras

Data da matéria: 09/06/2021

09/jun/2021, Valor Econômico

Pode ser votada no Senado nesta semana a Medida Provisória (MP) 1.031/2021 de privatização da Eletrobras. Raramente uma MP conseguiu tamanha unanimidade de críticas. Renomados especialistas da área defendem que o Senado deveria vetar o texto ou simplesmente deixar que caduque. Herdado do governo de Michel Temer e mal trabalhado pela equipe de Jair Bolsonaro, o projeto foi muito piorado na Câmara dos Deputados. O relator Elmar Nascimento (DEM-BA), incluiu diversas medidas não relacionadas, os chamados jabutis. Se o projeto passar, a única certeza que fica é que a conta do consumidor deverá subir e as regras do setor elétrico serão deturpadas.

Levada ao Congresso pelo presidente Bolsonaro no fim de fevereiro para desfazer o mal-estar criado nos mercados alguns dias antes pela ameaça que fez de “meter o dedo” na energia elétrica”, a MP, mais corretamente chamada de capitalização da Eletrobras, prevê oferta pública de ações ordinárias da qual o governo não participará, diluindo seu controle. A União poderá ainda vender suas ações ou de empresas das quais participa; e terá uma “golden share” com direitos especiais. Estima-se que a operação deverá angariar de R$ 60 bilhões até R$ 100 bilhões aos cofres públicos.

O que chamou a atenção, no entanto, foi a quantidade de jabutis incluídos pelo relator, emendas que vão acarretar inúmeros compromissos para a Eletrobras, encarecer as contas dos consumidores e distorcer as regras do setor. Algumas delas são tão inexplicavelmente direcionadas que dão razão às críticas de que nasceram de interesses fisiológicos, inspiradas por lobistas, movidas por interesses espúrios, obra acabada do espírito do centrão.

Em artigo publicado no Valor (5/6), Claudio Sales, Eduardo Monteiro e Richard Hochstetler sustentam que o projeto cria “três reservas de mercado sem nenhuma justificativa conceitual e que afrontam o planejamento energético sistemático, que avalia custos e benefícios de todas as fontes de energia à luz dos requisitos do sistema”.

A primeira distorção é a imposição de uma contratação de 6 mil MW de usinas termelétricas a gás, localizadas em regiões afastadas dos centros consumidores e das fontes supridoras de combustível, no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A MP chega a detalhar que as usinas serão inflexíveis e não poderão aproveitar outras fontes, como eólica e solar. Será necessário construir onerosa rede de gasodutos para levar o gás para os locais, requisito que despertou acusações de que o deputado estaria querendo favorecer conhecido empresário do setor. Como o consumo regional fica aquém da oferta, redes de transmissão igualmente onerosas precisarão ser feitas para levar o excedente para outras regiões.

A MP estabelece também a contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) para atender parte da demanda declarada pelas distribuidoras de eletricidade nos leilões regulados que entregarão energia em 2026 e 2027 e devem acontecer no fim deste ano. Especifica até o percentual a ser comprado. Outra determinação considerada injustificada pelos especialistas é a prorrogação por 20 anos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa). Criado em 2002 o Proinfa vai acabar em 2026 e as usinas que dele participaram já foram amortizadas.

Há ainda programas que destinam recursos para a revitalização dos rios São Francisco e Parnaíba e as bacias nas áreas dos reservatórios das usinas de Furnas e para reduzir o custo de geração na Amazônia Legal.

Não bastasse várias dessas propostas não terem relação com a privatização da Eletrobras, algumas delas são de responsabilidade de instituições ligadas ao Ministério das Minas e Energia, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e ignoram temas atuais como o aquecimento global. Não consta que o relator seja especialista na área. Mais: o custo das diferentes medidas pode consumir em boa parte a receita auferida com a privatização – e, em vez de trazer vantagens, perpetuar problemas.

Apesar de todos esses absurdos a MP foi aprovada por 313 deputados da Câmara Federal, teve 166 votos contra e cinco abstenções. No Senado, a liderança do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) prevê que o relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) não deve promover grandes alterações no texto da Câmara e deve ser apresentado hoje e votado no dia seguinte. Resta saber se vai prevalecer o bom senso: o Senado pode retirar os aleijões que desfiguram uma proposta válida e necessária.

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