É preciso revitalizar as linhas antigas

Data da publicação: 29/04/2021

29/abr/2021, Revista Valor Setorial Energia

Enquanto executam os projetos de novas linhas de transmissão (LT), as concessionárias do setor lidam com a agenda de revitalização dos ativos da rede em fim de vida útil regulatória. Estima-se em R$ 21 bilhões o montante a ser destinado à troca de 63% dos equipamentos de malhas antigas, como as do grupo Eletrobras e das transmissoras estaduais, além das operadas pela ISA CTEEP e pela Taesa. Juntas, elas respondem pela gestão de grande parte do sistema de transmissão brasileiro.

Com base em informações colhidas junto às concessionárias, o Operador Nacional do Sistema (ONS) indicou 96.740 ativos da rede de transmissão que precisarão ser trocados até 2022, dos quais a maioria (93,22%) foi enquadrada em intervenções de pequeno porte. Além disso, o setor está substituindo 1.258 transformadores de corrente na tensão de 500 kV de uma grande fabricante. O motivo, neste caso, foi o registro de explosões de 124 unidades que estavam operando há apenas nove anos, muito abaixo do limite de vida útil regulatória, que gira em torno de 30 anos, em média.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou recentemente os resultados de uma consulta pública que realizou com o objetivo ele discutir o envelhecimento dos equipamentos de transmissão. A decisão foi manter a regra vigente, segundo a qual cabe à concessionária avaliar as condições de funcionamento dos ativos e decidir se trocam ou não. Segundo Mário Miranda, presidente ela Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), a agência considerou que não há evidências de que o sistema seja afetado.”Ao contrário, os índices de qualidade do serviço prestado são cada vez maiores.”

Ao estabelecer que não há obrigatoriedade de substituição de ativos, a Aneel considerou que a ultrapassagem da vida útil regulatória não significa necessariamente que eles não possam permanecer em operação com segurança, diz Victor Ribeiro, gerente de assuntos regulatórios da consultoria Thymos Energia. “O risco para operação está relacionado com a vida útil física do ativo, e esta variável é de conhecimento e gestão apenas do concessionário.”

Os conceitos de vida útil regulamentar e vida útil física são distintos e não coincidentes. Os equipamentos podem continuar operando com bom desempenho mesmo depois de vencido o prazo regulatório, como ocorre em muitos casos hoje. O problema é que, por estarem totalmente depreciados, não geram receita para as concessionárias. Os dados contábeis registrados na Aneel sinalizam que 13% deles encontram-se nessa condição, diz Ribeiro, ela Thymos Consultoria. Entretanto, a depreciação acumulada pode chegar a 70% dos ativos imobilizados no curto prazo, deflagrando uma nova onda ele renovação com investimentos da ordem de R$ 34 bilhões, segundo cálculos de agentes do setor.

Para Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, o investimento de grande soma em um prazo curto é um fator crítico, porque o processo de revitalização precisa levar em conta não apenas a vida útil regulatória dos equipamentos, mas também a necessidade ele modernização da rede. “O sistema ele transmissão atual demanda funcionalidades diferentes das do passado. Por outro lado, o parque de geração está ficando cada vez mais sofisticado e diversificado no que diz respeito às fontes de energia.”

O planejamento estabelece a revitalização gradual do sistema de transmissão mediante autorização da Aneel, que é concedida com base na análise das propostas de melhorias ou reforço enviadas a cada ano pelas concessionárias ao ONS. Segundo Alexandre Zucarato, responsável pela área de transmissão do ONS, 15,31% ( 14.815) das substituições esperadas possuíam indicação de intervenção. Trata-se de um processo contínuo, que exige paradas programadas no fornecimento de energia. “As concessionárias propõem o cronograma e o ONS identifica a melhor brecha para fazer as intervenções.”

As concessionárias do setor costumam dizer que executar obras de revitalização da rede é como trocar pneu com o carro em movimento. Na Copel, por exemplo, existe um planejamento para substituir ativos no horizonte de quatro anos, embora muitos tenham condições de continuar em operação por mais algum tempo. Cerca de dois mil equipamentos eletromecânicos e relés de produção estão no fim ela vida útil regulatória, o equivalente a 30% do parque instalado.

Um programa de reforço do sistema – implantação ou troca de 16 transformadores, instalação de um banco de capacitores e a recapacitação de quatro LT existentes – está em andamento, com investimento de R$ 270 milhões. A Copel também executa obras ele melhorias de pequeno porte avaliadas em R$ 75 milhões. A rede da companhia soma 4.292 quilômetros (km) de LT e 50 subestações (SE) no Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Maranhão, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Rio Grande do Norte.

A ISA CTEEP estima aplicar R$1,5 bilhão na modernização ele ativos ele transmissão nos próximos anos. Em 2020, destinou R$ 231 milhões, representando um incremento de 74% em relação ao exercício anterior, e em 2021 planeja desembolsar em torno de R$ 300 milhões em melhorias e reforço. Construída entre as décadas de 1970 e 1980, a malha do Estado de São Paulo é a maior e mais antiga do seu parque. “A gestão que fazemos é baseada na vida útil física dos ativos”, explica Rui Chammas, diretor-presidente da concessionária, que é responsável pelo escoamento de 33% da energia do país.

Os ativos que estão com a vida útil regulatória esgotada representam apenas 2% do total da rede administrada pela Taesa, que pretende trocar metade deles nos próximos três anos, informa André Moreira, presidente da companhia. Na rede de Furnas, que responde por 26% da capacidade total de transformação, 12% dos ativos de transmissão serão substituídos nos próximos cinco anos. “Este número, entretanto, é dinâmico, sendo atualizado sempre que há conclusão das obras em curso”, diz.

Claudio Branco Motta, diretor de engenharia da Taesa, acrescenta que o cronograma depende de disponibilidade financeira, entre outros fatores. A malha de 21.175 km de LT e 55 SE próprias interliga oito Estados e o Distrito Federal.

Em março, a Energisa adquiriu a rede de transmissão da Amazonas GT , que não se interessou em renovar a concessão. Ao arrematar o ativo no leilão de dezembro, a companhia assumiu o compromisso de não apenas revitalizar os ativos existentes – boa parte dos quais está em operação desde a década de 1990 – , como também de ampliar as instalações. A malha atende a região metropolitana de Manaus, possui 386,6 km de LT e sete SE, das quais uma será desativada.

Com investimento estimado em R$ 882 milhões, a Energisa construirá mais duas SE e fará um seccionamento de 35 km de LT. O projeto abrange a instalação de dois bancos de transformadores de energia de 600 MVA, que aumentarão a capacidade de transformação da rede para 2 mil MVA. Segundo Gabriel Mussi, diretor de transmissão da concessionária, a rede se conecta ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e a duas usinas hidrelétrica e térmica da região para o escoamento de energia.

Em relação aos projetos greenfield, algumas concessionárias anteciparam o cronograma de entrega dos empreendimentos. Uma rede da Energisa no Pará, que estava prevista p ara 2023, entrou em operação neste ano. A ISA CTEEP entregou um empreendimento em São Paulo no primeiro trimestre e pretende energizar mais quatro ou cinco até dezembro. A empresa arrematou o projeto Riacho Grande no leilão de 2020, que até 2026 vai conectar parte ela cidade de São Paulo ao ABC, um investimento estimado em R$1,1 bilhão.

A Sterlite Power tem na carteira sete projetos de 2 mil km de LT em diferentes estágios de desenvolvimento que deverão ser energizadas até o primeiro semestre de 2023. Mais da metade deles vai escoar energia de fontes renováveis. “Do total de R$ 3,4 bilhões previstos em investimento, R$ 700 milhões já foram empenhados e neste ano serão aplicados R$ 900 milhões”, afirma Ítalo Augusto David, diretor-técnico da companhia.

Um dos projetos em andamento é o da LT de João Pessoa-Campina Grande, que será a primeira de 500 kV da Paraíba. Com investimento de R$ 395 milhões, o projeto Vineyeards supre a demanda por energia na região do Vale Taquari (RS): abrange a construção de 114,4 km de LT e duas SE de 496 MV A, além da expansão de quatro SE nas regiões de Garibaldi, Bento Gonçalves, Lajeado e Bagé. As obras serão concluídas em julho.

A Neoenergia, que investiu R$ 2 bilhões em projetos de transmissão no ano passado, energizou subsestações (SE) no Ceará e em Santa Catarina, concluiu a ampliação de uma SE na Bahia e entregou com 25 meses de antecedência 359 km de LT em três trechos em Dourados (MS). A companhia tem 1.038 km de LT em operação e está construindo mais 5,6 mil km em 13 Estados.

Dos 15 empreendimentos de transmissão na carteira da Neoenergia, nove estão em fase de construção. Com o ritmo avançado das obras, a perspectiva é antecipar a entrega de alguns deles. “Estão previstos para este ano os dois últimos trechos do projeto Dourados, das linhas Jalapão, que passam por Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão, e Santa Luzia, entre Paraíba e Ceará”, revela Fabiano Uchoas, diretor-adjunto de transmissão e projetos de distribuição da Neoenergia.

No leilão de transmissão realizado em dezembro do ano passado, a Neoenergia arrematou um empreendimento de transmissão que totaliza 1.091 km de extensão: são três linhas em 500 kV e uma em 230 kV que percorrem a Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Com investimento estimado em R$ 2 bilhões, o projeto terá sinergia durante a operação com outros ativos de transmissão de 479 km de linhas em 230 kV na região.

Dois grandes empreendimentos de transmissão da Engie, que totalizam investimentos de R$ 5 bilhões e têm cada um 3.350 MVA de capacidade de transmissão, serão energizados até dezembro. Um deles é o projeto Gralha Azul, uma rede de 15 LT de mil km e dez SE (cinco novas) para suprir a demanda do centro-sul do Paraná a partir de Itaipu. A ativação será feita de forma gradativa, entre julho e setembro.

O projeto vai solucionar o problema de fornecimento que está afetando o desenvolvimento econômico da região. Segundo Márcio Daian Neves, diretor de implantação da Engie, existe pouca oferta de transmissão e a energia gerada em Itaipu é destinada a São Paulo. Quando estiver totalmente ativada, a rede permitirá a conexão de 21 linhas de distribuição da Copel e de futuros projetos ele transmissão. “O sistema pode ser continuamente ampliado de acordo com a necessidade.”

Orçado em R$ 3 bilhões, o projeto Novo Estado tem uma extensão de 1.805 km de LT, grande parte em circuito duplo de 500 kV, que cortam 24 municípios do Pará e do Tocantins. O seu principal objetivo é escoar a energia gerada no Norte e Nordeste, conectando as subestações Xingu, Miracema e Itacaiúnas. A subestação Sena Pelada funcionará como um hub da subestação de Xingu, à qual se conectam grandes hidrelétricas.

A execução das obras relativas a esse empreendimento já esteve a cargo de outras duas empresas. Em maio do ano passado, a Engie o adquiriu junto a Sterlite, que, por sua vez, o arrematou no leilão realizado em dezembro de 2017 depois que a concessão, obtida pela espanhola Abengoa em 2013, caducou em razão da suspensão de suas atividades e pedido de recuperação judicial. A sua implementação vai ampliar a capacidade de escoamento das chamadas fontes intermitentes (eólica, solar e hídrica a fio d’água).

Durante alguns anos, o setor conviveu com a falta de infraestrutura para atender a geração de energia renovável, mas o problema referente à disponibilidade de rede será resolvido à medida que outros empreendimentos de transmissão forem ativados. O projeto Novo Estado reforçará o sistema que interliga o Norte e o Nordeste. “Será um caminho paralelo a esses dois bipolos”, ressalta Neves.

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