Engie alerta para risco de judicialização

Data da publicação: 18/04/2020

Responsável por cerca de 7% do parque gerador de energia do país, o grupo francês Engie acompanha de perto a solução em estudo pelo governo para socorrer as distribuidoras, que respondem por aproximadamente 40% da energia fornecida pela companhia, em meio à crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. Ao mesmo tempo, a empresa olha com muita atenção para o risco de consumidores livres recorrerem a liminares para não cumprir com seus contratos, ao invés de buscar uma solução negocial com a geradora.

A maior preocupação para o grupo hoje é o surgimento de uma nova onda de judicialização no mercado, o que pode afetar de forma significativa os investimentos em curso no país. Apenas na área de energia, a empresa tem investimentos previstos de, pelo menos, R$ 3,8 bilhões para os próximos três anos. No setor de gás, são estimados R$ 150 milhões este ano na Transportadora Associada de Gás (TAG), da qual o grupo adquiriu 90% de participação junto com o fundo canadense Caisse de Dépôt et Placemente du Québec (CDPQ), por US$ 8,6 bilhões – a maior operação de fusão e aquisição da América Latina em 2019 -, e que participa do processo para a compra dos 10% restantes da Petrobras.

“O que queremos evitar é que haja uma judicialização, porque ainda estamos vivendo a fase da judicialização do GSF [sigla em inglês para o risco hidrológico]”, afirmou o presidente da Engie no Brasil, Maurício Bähr, ao Valor.

“Queremos mostrar que nosso país é maduro, tem entidades fortes na condução do setor elétrico e que sabem lidar com problemas. Temos que dar um exemplo para o mundo. No momento de incertezas, os países emergentes sofrem mais. O que queremos é justamente garantir essa estabilidade regulatória. Vem a crise e o regulador e o poder Executivo fazem de uma maneira que as coisas sejam reequilibradas e entendam a gravidade da questão, a ponto de não afastar investimento”, completou ele.

O sinal amarelo foi acesso nas últimas semanas, quando algumas distribuidoras notificaram geradores sobre potenciais impactos, classificando-os como evento de “força maior”, o que poderia afetar o cumprimento de obrigações contratuais. E, no mercado livre, alguns consumidores pediram liminar na Justiça isentando-os do cumprimento dos contratos.

Apesar da preocupação, Bähr, que defende a implementação de uma linha especial de crédito para as distribuidoras, avalia positivamente as medidas emergenciais adotadas pelo governo, tanto para o setor elétrico, quanto para a economia. A empresa, por exemplo, deu entrada no pedido de suspensão temporária de amortizações de empréstimos (standstill) para alguns de seus projetos de infraestrutura junto ao BNDES por seis meses, medida emergencial lançada pelo banco de fomento para preservar o caixa das empresas.

“Acredito que tenhamos uma resposta nas próximas duas semanas”, afirmou o executivo “É uma medida muito bem desenhada para este momento”.

De acordo com ele, de maneira geral, as prioridades hoje são o cuidado com funcionários e pessoas, a continuidade das atividades essenciais e a preservação do caixa das empresas.

Bähr também destacou as ações no âmbito socioeconômico adotadas pelo governo e as empresas. Entre as iniciativas lançadas pela companhia estão a contribuição voluntária feita por funcionários e a própria empresa para organizações não-governamentais (ONGs) em cidades onde o grupo atua e a doação de R$ 1,5 milhão para a Fiocruz aumentar a capacidade de testes, em ação coordenada pelo Instituto Acende Brasil, além de um projeto para aumentar a capacidade de leitos da UFRJ no Rio.

Até o momento, dos cerca de 3,2 mil funcionários da Engie no Brasil, há dois casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Segundo Bähr, esses funcionários já estão sendo tratados e nenhum deles encontra-se em situação de risco.

O executivo também contou que, neste momento, a Engie não tem planos de reduzir a jornada de trabalho de seus funcionários, no âmbito de medida provisória editada pelo presidente Bolsonaro. “Na Engie Brasil Energia, inclusive, assinamos um manifesto de não demitir ninguém nos próximos meses. Estamos nos comprometendo a fazer isso”.

Pensando na estabilidade estrutural do mercado de energia, Bähr defende que o Congresso continue deliberando neste período sobre projetos da agenda do setor que já estão maduros e que já alcançaram consenso, como a solução para judicialização do GSF, que ainda causa inadimplência de R$ 7 bilhões no mercado de curto prazo de energia, e o projeto de modernização do setor elétrico. “O Congresso deveria aproveitar este momento para limpar essa pauta e deixar isso para trás. São questões que foram debatidas durante meses.”

Questionado sobre a expectativa com relação ao processo de venda dos 10% remanescentes da Petrobras na TAG, o executivo disse não poder comentar sobre o assunto, porém afirmou que espera que o negócio seja realizado até o fim deste ano.

No comando da Engie no Brasil há 22 anos, Bähr já viveu no cargo outros momentos difíceis do país, como o racionamento de energia, entre 2001 e 2002, a crise global de 2008 e 2009, e a recessão brasileira de 2015 e 2016.

Dessa vez, o executivo acredita que o mundo será diferente quando as pessoas saírem do isolamento. “Espero que a gente possa voltar à vida, que não vai ser o normal como a gente vivia. Vai ser um ‘novo normal’, com mais cuidado”, afirmou. “Será que voltaremos a viajar como viajávamos antes? Talvez não. Talvez a gente preserve mais a nossa saúde, fazendo reuniões dessa forma [à distância, via internet], sem ter que se deslocar, gerando trânsito. Mas não podemos deixar de socializar. O ser humano tem essa característica.”

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