Especialistas atestam robustez do sistema elétrico
A continuidade do fornecimento de energia mesmo com queda de torres de transmissão causadas por vandalismo atesta a alta robustez do sistema elétrico nacional, na avaliação de especialistas ouvidos pelo
Valor. Quedas e danos em torres de três linhas de transmissão no Paraná e em Rondônia, sendo duas delas capazes de transportar grandes volumes de eletricidade, interromperam o fluxo de energia, sem causar blecautes. No entanto, os riscos elevaram-se, demandando medidas adicionais de proteção.
O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde de Castro, avalia que os órgãos do setor elétrico, como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Ministério de Minas e Energia (MME) e as próprias empresas têm condições de suportar atos de sabotagem e terrorismo por causa da qualificação técnica que apresentam. Segundo Castro, com a criação do gabinete de crise, a atenção será redobrada.
“Obviamente isso desperta uma preocupação grande sobre a sociedade, já que eventualmente se uma destas linhas de transmissão for interrompida em algum horário de alta demanda pode gerar um efeito em cascata e causar um apagão em cidades, Estados e regiões, criando problemas de ordem múltiplas não só de atividade econômica, mas de hospitais”, diz Castro. O fato de os ataques às linhas de transmissão não terem interrompido o fornecimento de energia elétrica no país evidencia as vantagens do Sistema Interligado Nacional (SIN), na visão do diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo. Ele lembra, entretanto, que o sistema está preparado para lidar com imprevistos menores, como ventanias fortes e raios, que são comuns nessa época do ano. “O sistema tem uma sensibilidade a esses problemas. Quando uma torre cai, ele muda o despacho para que essa linha seja cortada e use outra”, disse D’Araújo.
O restabelecimento das atividades nas linhas de transmissão danificadas deve ser prioridade, para voltar a garantir a redundância do sistema elétrico, na visão do presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales. Para ele, o sistema de transmissão mostrou que é seguro, pois não houve impactos no fornecimento de energia. “Essas três ocorrências graves atestaram essa segurança. Um sistema eficiente, como é o brasileiro, tem diferentes graus de redundância”, afirma. Sales destacou que essa redundância existe para a proteção em situações não previstas, mas quando ela está sendo utilizada, o sistema fica mais vulnerável. “Se houver panes de qualquer natureza, é evidente que o risco aumentou”, salientou.
Os custos para lidar com as ocorrências dos últimos dias vão recair sobre os consumidores, que vão pagar pelo uso de outras linhas, e sobre os operadores desses empreendimentos, que vão precisar restabelecer o funcionamento dos projetos, disse o presidente da consultoria PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Barroso. “Tradicionalmente, projetos de geração e transmissão falham por razões como temperaturas maiores, raios, indisponibilidade de combustíveis, mas agora existem novos elementos que podem causar perturbações”, afirma. A situação mostra que pode ser necessário incluir a resiliência a eventos como ataques cibernéticos e terroristas ao custo de planejamento do sistema elétrico nacional, avalia. “O sistema elétrico brasileiro é flexível, ou seja, há distintos caminhos para atender a demanda. Mas fazer um planejamento para suportar toda e qualquer contingência que possa ocorrer torna esse planejamento mais caro”, afirmou Barroso, lembrando que isso já ocorre em outros países da América Latina, como Colômbia e El Salvador.
O SIN é composto por uma malha que soma cerca de 175 mil quilômetros de extensão de linhas em alta tensão, que escoam boa parte da energia de usinas para consumidores da maior parte do país. A capacidade instalada total de geração do Brasil no fim de 2022 era de 188,9 gigawatts (GW), segundo dados da Aneel; sendo dois terços de hidrelétricas. O sistema elétrico é dividido em quatro submercados: Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste, Sul e Norte. As linhas de transmissão transferem energia entre Estados e mesmo entre regiões e essa configuração permite enviar energia excedente de regiões do país para outras que eventualmente estejam sob déficit. Apenas alguns sistemas isolados, como regiões remotas no Norte do país, a ilha de Fernando de Noronha (PE) e o Roraima não integram o SIN.
O ONS é responsável por administrar a geração e transmissão. Situações como queda de torres e sobrecarga na rede, por exemplo, podem demandar ações do ONS como cortes pontuais no fornecimento, remanejamento da eletricidade para outras linhas ou mesmo acionamento de termelétricas.