Acende Brasil alerta para risco de aumento de tarifas com precificação de carbono

Data da matéria: 09/02/2021

09/Fev/2021, Broadcast Energia  – A aprovação da Medida Provisória (MP) 998 abriu espaço para criação de um mecanismo de precificação das emissões de carbono no setor elétrico. Entretanto, a implementação de uma política nesse sentido deve considerar aspectos do modelo atual do mercado de energia brasileiro para evitar a criação de um novo encargo na conta de luz dos consumidores. O alerta foi feito pelo Instituto Acende Brasil em estudo obtido com exclusividade pelo Broadcast Energia.

Os dados apontam que, apesar de o Brasil estar entre os dez países que mais emitem gases do efeito estufa, a geração de energia responde por menos de 2% – nível que deve ser menor até 2030. Ainda assim, a adoção de um mecanismo que incorpore as emissões de gases como critério de planejamento de oferta de eletricidade vem sendo debatida desde 2017 e ganhou força com a MP 998. O texto propõe a definição, em até doze meses, de diretrizes para implementação de mecanismos que considerem os benefícios da baixa emissão de gases poluentes.

Um dos pontos de atenção, de acordo com o instituto, deve ser a composição da matriz energética brasileira. A maior parte da geração de energia vem de fontes renováveis, mas o acionamento de usinas térmicas garante a segurança no fornecimento do serviço. Cabe ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) gerenciar essa operação. Desta forma, não é possível que os geradores decidam sobre o funcionamento da usina e, portanto, das emissões de gases.

De acordo com o estudo, a participação de fontes fósseis permanecerá relevante para garantir a segurança operacional do setor elétrico, independente da política de preços à qual estiverem sujeitas. “Isto significa que um eventual mecanismo de precificação de carbono abrangendo o setor elétrico representaria um custo adicional a uma tarifa de eletricidade excessivamente onerada por impostos e encargos.”

“É um alerta. Se vai regulamentar alguma coisa, olhem as especificidades do setor. Se só seguir a tendência geral corre o risco de criar mais um ônus para a conta de luz sem obter o resultado pretendido, que é a diminuição do gás do efeito estufa. A complementação térmica é necessária até para viabilizar a entrada de fontes eólica e solar”, afirma o presidente do Instituto, Cláudio Sales.

Para o instituto, o estabelecimento de um mecanismo de precificação deve considerar uma análise de custobenefício observando a participação do setor elétrico na emissão de gases, o impacto da cobrança sobre o custo da eletricidade e interferências entre políticas setoriais relacionadas aos combustíveis fósseis. Na visão do diretor para assuntos socioambientais e sustentabilidade do Instituto, Alexandre Uhlig, a medida provisória não deixa claro como seria a regulamentação.

“É importante que isso não represente um custo adicional para os consumidores de energia que já estão no limite de tributos e encargos. É importante que tenha mecanismos que valham para todos os setores”, disse. “Temos um setor em que 47% da tarifa de energia corresponde a tributos e encargos, então quase metade do que pagamos na conta de luz já é isso. Se acrescentar mais um item de precificação de carbono vai ficar mais cara ainda”, complementou.

O estudo aponta ainda que uma parcela relevante da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que é bancado pelos consumidores via conta de luz, é direcionado a ações e mecanismos que seriam afetados, direta ou indiretamente, por uma eventual política de precificação de carbono. O principal item custeado pela CDE é a cobertura dos custos com combustíveis para geração de energia elétrica nos sistemas isolados, que se tornaria mais caro.

Por outro lado, a Acende Brasil defende que se a precificação de carbono for implementada adequadamente pode ser uma oportunidade para setores com baixa emissão de carbono, como o setor elétrico, que poderá vender certificados para os setores que mais emitem. A proposta é similar ao programa RenovaBio, que colocou metas de descarbonização para empresas e envolve a negociação de títulos. O objetivo é reduzir as emissões associadas a combustíveis fósseis, como gasolina e diesel.

Diferente de outros países, no Brasil as atividades que representam maior emissão de gases do efeito estufa estão associadas ao uso do solo (44,5%) e à atividade agropecuária (27,5%). “Estudos indicam que, no Brasil, ações de mitigação de emissões relacionadas ao desmatamento e à agropecuária possuem baixo custo marginal e podem resultar em uma redução de emissão de grande magnitude”, ressalta o estudo.

Em nota técnica publicada em dezembro, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) analisou que, embora o setor elétrico seja um potencial gerador de créditos de carbono, uma política intrasetorial “dificilmente seria viável” no modelo do mercado atual. O documento sugere que, se definido o interesse por estruturar um mecanismo além do RenovaBio, será necessário fazer um arranjo institucional, legal e regulatório, bem como normativas de governança.

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