Hidrelétricas: energia renovável para o enfrentamento de crises

Data da publicação: 03/09/2022

03/set/2022, Folha de S. Paulo

O Brasil possui um dos maiores parques geradores de energia hidrelétrica do mundo e ainda detém enorme potencial, um dos maiores do planeta. Uma energia barata, renovável e que permite o crescimento sustentável da economia. No entanto, o país vem deixando esse potencial de lado, cada vez mais passando a depender da geração de energia intermitente ou térmica para seguir crescendo.

O importante avanço da energia eólica e solar é muito bem-vindo e deve ser largamente incrementado, inclusive a geração distribuída, bem como a biomassa de cana, que certamente contribuem com a diversificação da matriz energética, suportam períodos de pico de consumo e são fontes limpas e renováveis. Em que pese estarem contribuindo com a matriz elétrica brasileira, inclusive nos períodos de seca, essas fontes são, no entanto, intermitentes, que dependem de condições naturais praticamente instantâneas, não sendo possível garantir que a energia esteja disponível no momento da demanda.

Considerando o planejamento energético brasileiro, anteriormente aos anos 2000, a geração hidrelétrica somava 85% da geração, uma vez que o país dispunha —e ainda dispõe— de grande potencial dessa fonte. Com a vantagem de os reservatórios permitirem o controle de geração mesmo para períodos secos, constituindo a chamada energia de base. Algumas hidrelétricas, no entanto, foram implantadas sem o devido cuidado ambiental e vendeu-se uma imagem errônea que a exceção é a regra. Os reservatórios passaram a ser ambientalmente incorretos, movimento intensificado a partir dos anos 1990. O sistema de transmissão do país não estava interligado, o que deixava o país sujeito a crises, inclusive sendo esse o principal fator do apagão de 2001, aliado à baixa pluviosidade à época. A diversificação passou a ser importante.

A partir de então, passou-se a executar hidrelétricas com pouco ou nenhum reservatório, as usinas a fio d’água, que também contribuem com a geração de base, mas não são suficientes para suportar secas severas. Um dado revela a dimensão desse fato: no início dos anos 2000, os reservatórios das hidrelétricas constituíam uma “caixa-d’água” de oito meses, isto é, caso não chovesse por igual período, ainda assim os reservatórios das hidrelétricas suportariam todo o consumo necessário do país —desde que acompanhada da respectiva transmissão da energia gerada.

Atualmente, essa capacidade de armazenamento caiu pela metade. Ou seja, a decisão de construir hidrelétricas sem reservatórios, diversificar a geração por fontes renováveis intermitentes, aliada a uma tímida expansão da geração térmica de base, criou em 20 anos uma situação em que o país —mesmo com um robusto sistema de transmissão— fica muito exposto em momentos de crise hídrica, como a ocorrida em 2021.

A energia de base, necessária ao crescimento do PIB, também pode ser atendida através das novas térmicas a gás natural, modernas e com baixas emissões, apesar da origem fóssil do gás, que abunda nas reservas do pré-sal. Apesar dos investimentos necessários ao transporte do gás até as térmicas, sem dúvida constituem uma alternativa viável e em expansão atualmente no país.

O Brasil tem grande potencial hidrelétrico, sobretudo na região Norte, que pode ser aproveitado de maneira ambientalmente responsável. E com vantagem da complementaridade de bacias, quando em tempos de seca no Sul/Sudeste, a demanda pode ser atendida pelo Norte, onde o regime pluvial é distinto. Além disso, todo potencial afetaria menos de 1% do bioma amazônico e todo desmatamento causado seria compensado em conservação.

Nesse sentido, o Instituto Acende Brasil elaborou um estudo sobre implantação de hidrelétricas em 215 municípios por cinco anos, abrangendo 168 usinas. Foram comparados indicadores socioambientais entre municípios que receberam hidrelétricas e os que não, sendo os resultados favoráveis aos primeiros. Em números, o emprego formal cresceu 30%, a arrecadação de impostos cresceu mais de 60%, doenças reduzidas em 20%, mortes caíram 7% e o desmatamento não guardou relação com a implantação das usinas. Ou seja, a implantação das hidrelétricas não afetou níveis de desmatamento, teve seus impactos ambientais mitigados e impactou positivamente a qualidade de vida da população dos municípios em que as usinas foram construídas.

Além disso, os reservatórios regularizam vazões dos rios, aumentam a capacidade de uso múltiplo da água, seja para impulsionar a agricultura e a produção de alimentos, seja no abastecimento de água.

Um recente relatório da Agência Internacional de Energia, de 2021, defendeu que os países invistam em hidrelétricas para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. A agência informou no relatório esperar que a capacidade de geração hídrica aumente 17% até 2030. O diretor-executivo Fatih Birol afirmou: “A energia hidrelétrica é o gigante esquecido da eletricidade limpa e precisa ser colocada de volta na agenda energética e climática se os países levarem a sério o cumprimento de suas metas líquidas de zero”.

Assim, pode ser oportuna uma reavaliação do planejamento de implantação de hidrelétricas, aliado ao atual e necessário plano de diversificação da matriz via térmicas a gás natural. A engenharia brasileira tem capacidade comprovada de soluções eficientes de implantação das usinas de maneira ambientalmente responsável, respeitando particularidades de cada localidade. Além de ser uma energia renovável, hidrelétricas são eficientes complementos para fontes eólica, solar e biomassa, garantindo as metas da agenda ambiental e o crescimento econômico sustentável do país.

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