Hora de revisar o orçamento

Data da matéria: 30/04/2020

30/abr/2020, Revista Setorial Energia – Valor Econômico

As distribuidoras de energia já admitem a revisão dos planos de investimentos programados para este ano em decorrência da proliferação do novo coronavírus. O momento é de avaliação do impacto das medidas adotadas na tentativa de conter a pandemia. Mas existe o temor de retração da atividade econômica, com consequente queda do consumo e aumento da inadimplência – fatores que podem levar a um desequilíbrio econômico-financeiro da cadeia de suprimento do setor elétrico.

Ações que permitem a injeção emergencial de liquidez ao caixa das distribuidoras foram comemoradas pelo setor, como a antecipação, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), de R$ 2 bilhões reservados para alívio de futuros encargos para as distribuidoras. Além disso, foi editada a Medida Provisória 950, que autoriza o aporte de R$ 900 milhões, pela União, na Conta de Desenvolvimento Energético(CDE) para cobrir a de pe as de energia elétrica dos consumidores de baixa renda que fazem parte da Tarifa SociaL Estima-se que nove milhões de famílias serão beneficiadas e em R$ 1,2 bilhão o custo decorrente da operação no período de sua vigência- entre abril e junho. A MP 950 trata, ainda, da possibilidade de realização de operações financeiras para atender as distribuidoras, o que vai permitir a continuidade do fluxo de pagamentos na cadeia de energia elétrica. Entretanto, a conta será paga pelos consumidores, via cobrança nas tarifas de energia, inclusive dos consumidores que, a partir de abril, migrarem para o mercado livre. De acordo com João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, ainda não é possível e timar o impacto que o empréstimo terá nas tarifa . “Para esse cálculo, será necessária a definição do valor total do auxílio e do tempo de carência para o pagamento.”

A receita das concessionárias pode ser afetada tanto pelo risco de inadimplência- a Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel) suspendeu por 90 dias o corte de energia por falta de pagamento- , como pela desoneração do consumidor. Propostas de isenção da conta de luz estão sendo discutidas. Parte significativa da conta de luz paga pelos consumidores das classes residencial e industrial é destinada para cob1i1· os custos relativos à compra de energia (geração), transmissão, encargos setoriais e tributos estaduais e federais.lsso corresponde a 80,2% do valor cobrado, que as distribuidoras transferem para os demais agentes da cadeia de suprimentos. Somente os 18,8% restantes correspondem aos serviços de distribuição, abrangendo os investimentos em operação, manutenção, expansão e modernização da rede para o fornecimento de energia com qualidade ao consumidor fmal. Por isso, a preocupação com os efeitos do cenário atual sobre o equilíbrio econômico- financeiro do setor elétrico.

A associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) defende que o fluxo de recebimentos das faturas compostas não pode ser interrompido. Sobre a desoneração ao consumidor, a entidade ressalta que medidas com e te objetivo só podem ser praticadas se precedidas de um arranjo legal e em comum acordo com o poder concedente e regulador, inclusive por questões constitucionais. Em relação ao consumo, a Thymos Energia fez uma projeção alarmante: recuo de até 14% na demanda no ano de 2020, a depender da intensidade do impacto do novo coronavírus sobre a economia. Para tanto, leva em consideração um crescimento de 10% da demanda residencial – estimulada pelos trabalhos home office e pelo isolamento social- e queda de 30% no consumo comercial e industrial com a parali ação parcial desses setores.

A projeção é de que o período mais crítico de baixo consumo seria entre março e maio. A retomada da demanda aos níveis anteriores da pandemia tende a acontecer a partir do mês de setembro. Antes da chegada do novo coronav1rus ao Brasil, a consultoria previa um aumento entre 3% e 4% na demanda por eletricidade no ano. De acordo com Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil, a carga ele energia apresentou queda de 16% na primeira semana da quarentena. Como o impacto médio consolidado no ano dependerá, principalmente, da duração do isolamento social e da velocidade da recuperação da economia após o auge da epidemia, ele ressalta que o momento requer uma ação coordenada entre o setor e as autoridades. “Seria prudente que o governo proporcionasse uma linha de crédito para que as empresas possam assegurar a cobertura dos custos de todos os elos da cadeia de suprimento até a crise ser superada.” Algumas concessionárias já informaram suas principais contrapartes de que estão realizando análises de contratos e que pretendem negociar a respeito.

É o caso da Enel Brasil, que possui concessionárias de distribuição em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará, e do gmpo Equatorial, dono das distribuidoras Celpa (PA), Cemar(MA), Cepisa(Pl)eCeal(AL). O ri co para as distribuidoras é de queda de receita de forma desproporcional às despesas, que são em grande parte fixas. Além disso, Salles chama a atenção para o impacto da desmobilização dos trabalhadores de campo com o isolamento social, o que pode comprometer a qualidade do serviço de fornecimento de energia. Diante de um cenário de incertezas, as distribuidoras estão revendo os planos. A EDP, por exemplo, previa investir mais R$ 600 milhões na modernização e expansão de sua rede neste ano. Entretanto, em virtude elas barreiras sanitárias e ela limitação das atividades profissional , talvez não seja poss1vel cump1ir o cronograma, admite João Brito Martins, vice-presidente de redes. “Estamos recalculando prazos.”

A prioridade, no momento, “é assegmar a continuidade elo fornecimento de energia elétriica, um serviço essencial aos nossos clientes”. O executivo conta que os projetos abrangem a construção de novas subestações, ampliação e modernização da subestações existentes e recapacitação de linhas de distribuição de alta-tensão. Ações voltada para combater as perdas comerciais também estão no radar da concessionária. Na área de tecnologia, as prioridades são a digitalização de processos internos e a melhoria do atendimento aos clientes. Martins cita o início dos testes com chatbot de terceira geração no call center da empresa e com sistema de videoatendimento. Outro destaque é o uso de uma plataforma integrada para inspeção aérea, por meio de inteligência artificial, capaz de fazer o diagnóstico de eventuais pontos vulnerávei a defeitos no sistema. A EDP tem uma rede de média-ten à o de 67 mil quilômetros, que abastece 3,5 milhões de clientes em sua área de concessão, formada por 28 municípios paulistas e 70 capixabas. Em São Paulo, os investimentos deste ano serão direcionados às regiões do Alto Tietê, Vale do Paraíba e Litoral Nmte, com destaque para a cidade de uzano e adjacências.

No Espú·ito Santo, estão previstos aportes na Grande Vitória e em outros sete municípios No ano passado, a EDP investiu R$ 647 milhões em sua rede de distribuição, que permitiram melhorar os indicadores de qualidade de serviço. A Duração Equivalente de Interrupção (DEC)- que indica o número de horas em média que o consumidor fica sem energia elétrica durante um período – em São Paulo foi de 6,98 e no Espírito Santo, de 8,18.Já a Frequência Equivalente de Interrupção (FEC) foi ele 4,52 vezes e 4,48 vezes, respectivamente. A Energisa, que tem na dist:J.·ibuição a sua principal atividade no setor de energia, também fará revisão dos números relacionados aos investimentos. Antes da epidemia, o plano era aplicar R$ 3 bilhões, dos quais R$ 2,5 bilhões nas suas distribuidoras. O restante seria destinado para outras unidades de negócios, como u·ansmis ão, comercialização de energia, geração distribuída e soluções.

O aporte no exercício passado foi de R$ 3,167 bilhões. No planejamento elaborado inicialmente, as duas mais recentes conces ões da distribuidora, uma no Acre e outra em Rondônia, receberiam a maior parte elos recurso , algo em torno de R$ 890 milhões, para o desenvolvimento de projeto até 2022 que visam recuperar a capacidade de entrega de serviços de distribuição com qualidade aos consumidores dessas regiões. “Estamos fazendo wna grande mudança de patamar dessas duas empresas, que tinham carência de investimentos”, afirma Ricardo BoteU1o, CEO da Energisa. No Leilão de Desestatização da Elerobras, realizado em agosto ele 2018, a Energisa assumiu a responsabilidade pela operação ela Eletroacre. No me mo certame, adquiriu o controle da Ceron, para atender mais de 630 milhões de clientes de 52 municípios, com uma cobertura de 238 quilômetros quadrados no Estado ele Rondônia. Com as duas incorporações, a Energisa passou a fornecer energia elétrica para 7,8 milhões de clientes no país. Um dos projetos consiste em melhorar a infraestrutura de distribuição das novas concessõe .

Isso significa aumentar a capacidade de subestações, substituir equipamento de rede, conectar comunidades isoladas ao Sistema Elétrico Nacional (SIN) e desativar a operação de geradores a diesel que abastecem a região-o que reduz significativamente o custo de contratação de energia, já que o diesel é mLúto mais caro que outras fontes de energia, e a emissão de C02.

A substituição do gerador a diesel já aconteceu na Vila Restauração, no Acre, próximo ã fronteira com o Peru. Na comunidade foi implantada uma microrrede com geração solar fotovoltaica e armazenamento de energia em baterias, operada de maneira otimizada, que garante o fornecimento de energia renovável durante 24 horas por dia. Antes, os consumidores dare gião recebiam energia elét:lica durante apenas quatro horas por dia de um gerador a diesel. O plano é replicar a metodologia em comunidades remotas da região. A Energisa fez também investimentos na estrutura operacional das novas concessionárias, com ampliação da frota e do pessoal (administrativo e equipe de campo) e na adoção ele sistemas ele informática, para melhorar os processos de gestão. Outras medidas dizem respeito à expan ão das telemedições, regularização de ligações clandestinas, substituição de medidores obsoletos, ampliação e intensificação das inspeções.

As ações de combate às perdas, por meio de um centro de inteligência, serão prioridade nos próximos três anos. Os investimentos da Neoenergia em distribuição aumentam a cada ano. No exercício passado, foram aplicados R$ 3,3 bilhões em projetos ele expansão e aprimoramento ela rede, renovação de ativos e ações de combate a perdas ele energia. Até 2022, a companhia pretende fazer um aporte entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões, elos quais R$ 16 bilhões serão de tinado ao desenvolvimento de projetos em sua quatro distribuidoras. O restante será aplicado na área de transmissão. Entre as ações, Mario Ruiz Tagle, CEO ela eoenergia, destaca o projeto Conexão Digital, que vai modernizar e integrar novos canais de atendimento. Lançado em março, terá investimento de R$127 milhões. O resultado é a agilidade nos serviços e no atendimento.

“Acreditamos que o elemento fundamental para oferecer um bom serviço e manter o diferencial no setor é focar na qualidade e na capacidade ele reação, o que envolve infraestrutura e equipes para atender os clientes nos momentos mais críticos.” Através de suas concessionárias, a Neoenergia atende cerca de 34 milhões de clientes de São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Mato Grosso do Sul. A companhia fechou o exercício de 2019 com um volume distribuído ele 58.918 GWh de energia, superando em 3,9% a carga total distribuída no ano anterior. A Coelba atende seis milhões de clientes ele 415 municípios. Em Pernambuco, área ele concessão da Celpe, foram distribuídos no ano passado 17 GWh ele energia para os 3,6 milhões de clien tes elo Estado, representando um incremento ele 3,5% em relação ao exercício ele 2018. As concessionárias Elektro, que cobre municípios de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, e Cosem, que opera no Rio Grande do arte, distribuíram 19.150 GWh, alta de 2,6%, e 6.424 GWh de energia, indice 1,5% superior, respectivamente.

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