Inclusão de hidrelétricas em leilão é bem recebida, mas alocação de riscos preocupa

Data da matéria: 25/03/2024

São Paulo, 25/03/2024 – A inclusão de usinas hidrelétricas entre as possíveis participantes do leilão de reserva de capacidade foi bem recebida por agentes do setor elétrico, mas a falta de detalhamento sobre a alocação de riscos relacionados à hidrologia foi vista com um ponto de atenção nas diretrizes do certame.

O documento com essas informações foi publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) no último dia 08 e prevê produtos de potência termelétrica para 2027 e 2028 e potência hidrelétrica também para 2028. O tema está sendo submetido a consulta pública até a próxima quinta-feira, 28, e a previsão é que o certame seja realizado em 30 de agosto.

O objetivo é contratar usinas que podem ser acionadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para produzir energia adicional em momentos específicos, explica o diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, Richard Hochstetler.

“Os tradicionais leilões de energia visam a assegurar a adequação da oferta de energia. O problema é que a demanda por energia varia no tempo: queremos acender a luz quando está escuro, ligar o ar condicionado no dia quente, etc. […] Ocorre que uma parcela crescente do parque gerador é incapaz de modular a sua produção”, afirma em relação a fontes como a eólica e a solar.

No primeiro leilão do tipo, realizado em 2021, o governo optou por contratar apenas termelétricas. Agora, incluiu também as hidrelétricas, o que foi visto como um avanço pelo especialista: “as hidrelétricas são capazes de atender ao requisito de potência de forma mais ágil e mais barata do que muitas termelétricas”.

Para o gerente de assuntos regulatórios na PSR, Jairo Terra, o leilão é uma das “oportunidades da década” para os geradores que contam com hidrelétricas e termelétricas diante de um cenário de sobreoferta de energia ancorado basicamente na expansão das renováveis intermitentes (solar e eólica).

“Essa sobreoferta cria, na prática, uma redução muito acentuada dos preços. E isso acaba, por uma deficiência do nosso mercado, subvalorizando esses outros serviços que as térmicas e as hidrelétricas tradicionalmente prestam”, afirma. Para ele, com a expansão do mercado livre de energia, o mercado vem precificando apenas a energia, sem considerar, no caso das hidrelétricas, os serviços ancilares e a provisão de flexibilidade ao sistema.

“A gente acredita que é o começo de uma correção de algumas inadequações do modelo que era até então utilizado no setor e uma oportunidade da gente alocar
melhor os custos do sistema”, completa.

Ele pondera que o material divulgado pelo MME deixou uma série de questões em aberto. Não se sabe ao certo qual o critério de seleção das usinas. Falta também o detalhamento do produto a ser contratado ou ainda qual o tratamento dado por falta de potência por questões alheias ao gerenciador, como a própria hidrologia.

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Marisete Pereira, afirma que a consulta pública permitirá o endereçamento de todas as questões que ainda não têm clareza e celebrou a inclusão das hidrelétricas no certame. “Esta fase é uma das mais ricas que os agentes dispõem para encaminhar as melhorias ou esclarecimentos acerca de como o leilão vai ser realizado.” Para ela, o certame permitirá uma nova fase da fonte hídrica no sistema elétrico.

Ela admite que a alocação de riscos será um dos temas tratados neste ambiente pela própria associação: “vamos encaminhar contribuições de modo que haja uma repartição do risco de forma adequada e que viabilize o investimento. Se o formulador de política colocar uma diretriz que não tenha um risco adequado ou razoável, ele não vai ter o produto ofertado”.

Inclusão de baterias

Apesar do pleito de parte dos agentes, o Ministério de Minas e Energia não incluiu, até o momento, as baterias como possíveis participantes do certame. Em nota técnica sobre as diretrizes do leilão, a Pasta afirmou que ainda não há regulamentação “madura” para a aplicação da tecnologia em escala.

O governo pontuou também que estes equipamentos apresentam “ciclo de operação limitado em algumas horas, precisando ser recarregadas e, portanto, impossibilitando, por vezes, seu acionamento em períodos em que o recurso precisa estar disponível para atender as necessidades de potência do sistema”.

Na semana passada, porém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a tecnologia seria, sim, incorporada ao certame para “demonstrar mais uma vez a clareza com que o Brasil avança na transição energética”.

Para Hochstetler, do Acende Brasil, a iniciativa, se aplicada para este certame, seria precipitada. “A incorporação de sistemas de armazenamento ainda requer o estabelecimento de uma regulamentação. Não seria sensato tentar incorporar esta tecnologia no leilão a ser realizado em agosto, mas é importante acelerar esta regulamentação para viabilizar a participação destas tecnologias em leilões futuros”, afirma.

Já Pereira, da Abrage, afirma que o prazo deve ser relevante na decisão da Pasta. “É algo que o Ministério de Minas e Energia vai se debruçar e vai ter que avaliar: a viabilização dessa tecnologia do leilão versus o prazo que o Ministério tem para realizar o leilão”, disse ao Broadcast Energia. Para ela, toda nova tecnologia é bem-vinda, mas considerando todas as informações tanto do ponto de vista físico, de ganhos para o sistema, quanto de custos.

Para Terra, da PSR, o cronograma já está apertado. “Em 2021, o tempo que transcorreu entre o fim da consulta pública de diretrizes e o leilão foi de seis meses. Sendo que o processo já foi bem corrido. Na proposta atual, este tempo se daria em cinco meses, o que, na nossa visão, é um prazo muito curto para que todo o processo se dê de maneira adequada”, avalia.

Participação de agentes

A inclusão de baterias é pleiteada, por exemplo, pela transmissora Isa Cteep, que já usa a tecnologia em grande escala na Subestação Registro, localizada no litoral Sul de São Paulo, e espera viabilizar novos projetos. Com os produtos já incluídos – térmicas e hidrelétricas -, empresas como Auren, Copel, Eletrobras, CTG e Eneva já demonstraram apetite.

“Acreditamos que a Eneva teria como alvo do certame a unidade de Parnaíba (cujos contratos atuais que expiram em 2027) e tanto a Eletrobras quanto a Copel possuem unidades com espaço para adicionar capacidade, que ainda não possuem contratos de energia”, afirmaram analistas do banco Safra em relatório sobre o certame.

No início do mês, o diretor-presidente da Copel, Daniel Slaviero, disse ter boas expectativas de que o leilão de reserva de capacidade. Segundo ele, isso abrirá oportunidades para a participação com a hidrelétrica Foz do Areia.

Há dúvidas, porém, sobre quais hidrelétricas poderão participar, de fato, visto que as diretrizes trazem, por exemplo, restrições a usinas que atuam no regime de cotas. Este
ponto será um dos abordados pela Eletrobras na consulta pública. A empresa quer que o trecho fique mais claro e permita sua participação.

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