‘Isso não pode ser feito por meio de uma canetada’
06/mai/2022, Valor Econômico
Empresas e especialistas do setor elétrico reagiram ontem com críticas e preocupação à possibilidade que o Congresso Nacional venha aprovar uma medida que adie para 2023 reajustes na conta de luz aprovados para vigorar este ano. Eles chamaram atenção para os riscos ao setor de uma alteração desse tipo e para o dano à segurança jurídica.
“Isso não pode ser feito por meio de uma canetada, muito menos com a intromissão do Congresso no trabalho de uma agência reguladora”, disse Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), que representa 27 associações do setor, enviou uma carta ao presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (Progressistas-AL) em que afirma ser incompreensível e temerária qualquer medida que vise a sustar os efeitos dos reajustes, e pediu que a Câmara promova uma “adequada discussão” que envolva eliminação de custos desnecessários, bem como a redução de tributos e encargos.
“Realmente, é assustador o risco institucional a que o país está exposto diante de iniciativas desse tipo. O projeto interfere frontalmente, e corrói no seu alicerce, o processo regulatório do setor elétrico”, reagiu o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales.
“Em um setor fortemente regulado, que requer investimento multibilionários todo ano para atender a necessidades de expansão e qualidade da prestação do serviço, tem que no mínimo zelar pela estabilidade regulatória”, afirmou ele. “E evitar ao máximo uma insegurança institucional levada ao extremo, como no caso deste projeto.”
Os reajustes tarifários homologados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) são aprovados anualmente para cada distribuidora. A maioria neste ano está ficando com índice entre R$ 15% e 20%.
O presidente da Abradee, associação ligada às distribuidoras de energia elétrica, Marcos Madureira, apontou que os reajustes são elementos previstos nos regulamentos do setor elétrico, legais e constitucionais e, se forem revogados, podem trazer um desequilíbrio financeiro para as distribuidoras semelhante ao que foi no período da crise hídrica, em que as concessionárias assumiram os custos não cobertos pelas bandeiras tarifárias.
“Isso traz um dano grande para atração de investimentos. É importante que exista segurança [jurídica e regulatória] que sempre foi dada e que sempre foi ponto de orgulho do setor elétrico brasileiro a questão relacionada ao respeito aos contratos”, comentou ele. “E ao trazermos uma redução de faturamento para as empresas, isso causa um problema para toda na cadeia do setor elétrico, já que é a distribuidora arrecada os recursos para o pagamento de todos os elos da cadeia”, afirmou.
Sócia da área de Energia e Recursos Naturais do escritório de advocacia Demarest, de São Paulo, Rosi Costa Barros, classificou como eleitoreira a intenção de mudança nas regras tarifas como eleitoreira.
“Ano de eleição sempre é palco para medidas políticas nitidamente eleitoreiras, sem qualquer análise sobre suas consequências, levando a medidas temerárias como o Decreto do Congresso, que suspendeu os efeitos do reajuste tarifário da Enel Distribuição Ceará – Enel CE”, apontou Rosi.
“No afã de angariar a simpatia dos consumidores de energia em ano de eleição, com a justificativa de defesa da modicidade tarifária, o Congresso Nacional esquece que, além de o reajuste tarifário ser um direito das distribuidoras já garantido em contrato de concessão, ele é um dos mecanismos que garante que a Distribuidora terá condições de manter seus investimentos para a manutenção da qualidade do serviço”.