ARTIGO: Itaipu 2023: Hora de pensar no consumidor
Em 2023 serão passados 50 anos da assinatura do Tratado de Itaipu e, conforme estabelecido em seu “Anexo C”, deverão ser renegociadas questões fundamentais como a forma de contratação e precificação de energia e a política de investimentos da Itaipu Binacional.
A tarifa de Itaipu é definida como a necessária e suficiente para cobrir o custo do serviço de eletricidade. Os principais componentes desse custo são juros e amortização do financiamento, que respondem por 60% do custo total. O momento atual é importante porque, após 50 anos, esse componente de custo deixará de ser muito relevante.
Espera-se que a negociação se dê ao amparo das cláusulas pétreas do Tratado, segundo as quais a energia produzida será integralmente dividida, em partes iguais, entre ambos os países, reconhecido a cada um o direito de adquirir a energia não utilizada pelo outro país para seu próprio consumo. A negociação foi postergada para o segundo semestre de 2023 porque ambos os países terão novos governos, sendo que o do Paraguai será eleito apenas em abril.
Mas já nos preocupa que, a julgar pelas manchetes dos jornais paraguaios, nossos parceiros sejam influenciados por falácias típicas de campanhas eleitorais, sempre colocando o Paraguai como vítima.
O tratado foi uma belíssima obra de engenharia diplomática ao possibilitar que dois países, tão diferentes no tamanho de sua economia e de seu mercado consumidor, pudessem financiar 100% da obra e, ao final, serem proprietários equânimes da hidrelétrica de maior produção no mundo.
Em dois momentos mais recentes o Paraguai colheu benefícios adicionais gigantescos: (a) em 2007 o Brasil assumiu integralmente a correção monetária de toda a dívida de Itaipu; e (b) a partir de 2011, o Brasil triplicou o valor da contribuição ao Paraguai a título de cessão da energia.
As contas de Itaipu de 2021 (última publicação disponível) dão a dimensão de alguns dos benefícios auferidos pelo Paraguai: (i) 86% da receita total de Itaipu é proveniente do Brasil, mas o Brasil recebe apenas 76% da energia; (ii) os custos relativos ao rendimento do capital inicial, aos royalties, aos encargos de administração e à remuneração por cessão de energia totalizaram US$ 676 milhões (cerca de R$ 3,5 bilhões), mas 64% desse valor foram repassados para o Paraguai.
Os benefícios para o Paraguai ficam evidentes ao se examinar os pagamentos e recebimentos de cada país desde o início de Itaipu: o Brasil pagou US$ 83,2 bilhões e o Paraguai lucrou US$ 5,9 bilhões. É isso mesmo: a construção de Itaipu foi integralmente paga pelo Brasil, enquanto o Paraguai, além de receber toda a energia de que precisava sem contribuir com um centavo da construção, ainda obteve uma receita adicional.
Diante disso, esperamos que nossos governantes e diplomatas se lembrem dos números acima e tenham a firmeza para fazer valer alguns princípios: 1) a tarifa de Itaipu deve continuar sendo definida pelo custo; 2) a potência deve continuar sendo contratada com antecedência para viabilizar o planejamento energético de cada país; e 3) toda a energia proveniente de Itaipu para o Brasil deve ser comercializada pela ENBPar, estatal que substituiu a Eletrobras nesse papel.
Além disso, no âmbito da regulamentação interna no Brasil, recomenda-se que: 4) as cotas das distribuidoras expirem gradualmente e passem a ser leiloadas pela ENBPar para agentes dos mercados regulado e livre; e 5) a diferença entre a tarifa de compra (pelo custo) e o preço de venda (nos leilões) da ENBPar seja direcionada à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para reduzir os encargos cobrados dos consumidores livres e regulados.
Com a palavra os nossos negociadores, que devem começar seus trabalhos relembrando ao Paraguai que Itaipu foi uma dádiva para ambos os países, mas gerou benefícios muito maiores do outro lado de nossa fronteira.
Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são diretores do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)