Itaipu troca redução de contas por gasto com obras de universidade
A usina hidrelétrica de Itaipu vai bancar obras orçadas em R$ 752 milhões na Universidade Federal Latino-americana (Unila), projetada por Oscar Niemeyer em Foz do Iguaçu, no Paraná. A verba, de acordo com especialistas, poderia ser usada para cortar a tarifa de luz. Isso porque esses gastos da usina, chamados de “outras despe sas de exploração”, incluem despesas “socioambientais”, que não têm relação com a geração de energia, mas contribuem para deixar a conta mais cara. Esse tipo de repasse foi turbinado por Itaipu nos últimos anos, passando de R$ 124,8 milhões, em 2018, para R$ 893,7 milhões em 2023. Especialistas também criticam a falta de transparência desse tipo de despesa. Ministério de Minas e Energia diz que a redução da tarifa é prioridade da usina. MEC e Itaipu afirmam que o valor inclui “custos de revisão dos mais de 3 mil projetos de Niemeyer”.
A usina hidrelétrica binacional de Itaipu se prepara para financiar uma obra orçada em R$ 752 milhões no câmpus da Universidade Federal Latino-americana (Unila), em Foz do Iguaçu, no Paraná. O projeto, idealizado pelo governo Lula no segundo mandato, teve as obras paralisadas em 2014 e deve ser retomado em abril, com a construção de um restaurante universitário, um edifício administrativo e um bloco de salas de aula.
Esses gastos de Itaipu, chamados de “outras despesas de exploração”, incluem despesas “socioambientais” que não têm relação com a geração de energia, mas acabam deixando a conta de luz mais cara.
Entidades do setor elétrico defendem o fim desses desembolsos para que haja redução da conta cobrada dos consumidores brasileiros. Conforme essas organizações, hoje a tarifa de Itaipu não está caindo, mas apenas deixando de subir, após acordo feito entre Brasil e Paraguai.
“Os custos de Itaipu foram crescendo, mas não para a compra de equipamentos, linhas de transmissão ou unidades geradoras de energia – e sim para gastos socioambientais. Somos contra o consumidor brasileiro ser suporte financeiro de obras”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.
Especialistas em contas públicas também criticam essas despesas por correrem por fora do Orçamento federal, com menos transparência. “Trata-se de um gasto tipicamente orçamentário, mas que não está no Orçamento”, diz o economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes.
Nos últimos anos, esse tipo de gasto socioambiental foi turbinado por Itaipu, à medida que a usina foi terminando de pagar os financiamentos externos. Em 2018, foram R$ 124,8 milhões. Em 2023, o volume chegou a R$ 893,7 milhões.
Depois de 50 anos, os empréstimos contratados pelo Brasil para a construção da usina foram quitados, em fevereiro de 2023. Para o setor elétrico, a redução dessa despesa deveria ser repassada para a conta de luz, o que faria a tarifa da usina para o consumidor cair cerca de 30%, de US$ 16,71 o MWh para a casa de US$ 12.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) disse que a redução da tarifa tem sido prioridade da usina, após determinação do ministro Alexandre Silveira, e que são previstos aportes de R$ 2 bilhões para reduzir a conta em 2025.
Já o Ministério da Educação e a Itaipu responderam que o valor da obra na universidade inclui “custos de revisão dos mais de 3 mil projetos executivos da obra de Oscar Niemeyer”. O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops), que conduz o projeto, afirmou que o valor é uma estimativa e que a obra está em fase de licitação.
MESMO COM OBRAS PARADAS DESDE 2014, FACULDADE TEM 4 MIL ALUNOS.
A Universidade Federal Latino-americana (Unila) é um projeto idealizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, e que tinha como foco promover a integração de estudantes da América Latina. O câmpus, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, nunca foi finalizado, apesar de a universidade funcionar desde 2010 e contar hoje com mais de 4 mil alunos.
Em 2014, as obras para a construção das edificações foram paralisadas após a desistência do consórcio Mendes Junior-Schahin, que alegou desequilíbrio econômico-financeiro do projeto.
“O consórcio Mendes Júnior-Schahin abandonou a construção, alegando desequilíbrio econômico-financeiro em razão do aumento de custos originados por divergências e incompatibilidades no projeto e a necessidade de alteração nas fundações do prédio de aulas e restaurante, após a descoberta de falhas geológicas”, diz a Unila em seu site.
Em 2023, com a presença de Lula, foi firmado um convênio entre a Unila e a usina de Itaipu, que se comprometeu a financiar a obra. “Essa universidade aqui é a revolução que eu quero para a América Latina. Uma América Latina politizada, uma América Latina com milhões de engenheiros”, disse Lula no evento.
O projeto é conduzido em parceria com o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops) e supervisionado pelo Ministério da Educação (MEC). Procurada, o Unops explicou que o valor de R$ 752 milhões firmado com Itaipu é uma estimativa e que a obra está em fase de licitação – quando os consórcios apresentam propostas sobre o quanto gastariam para executar o projeto.
Além do restaurante, do edifício-sede e das salas de aula do novo câmpus, o consórcio vencedor terá de construir também marquises, uma passarela e as vias de acesso.
CONTA DE LUZ. Richard Lee Hochstetler, diretor de assuntos econômicos e regulatórios do Instituto Acende Brasil, explica que a tarifa de energia de Itaipu está na casa de US$ 16 o quilowatt-hora (kWh). Com o fim do pagamento das amortizações dos empréstimos, a tarifa poderia ter sido reduzida para US$ 12 o kWh.
Após negociações entre Brasil e Paraguai, e o aumento dos gastos socioambientais, a tarifa subiu para US$ 19 por kWh. O ministro Alexandre Silveira negociou com Itaipu para que a usina pague uma espécie de “cashback” para o consumidor brasileiro – o que, na prática, manteve a tarifa em US$ 16.
Diretor do Instituto Acende Brasil afirma que verba não é fiscalizada por ser de empresa binacional
“Ainda assim, é um custo maior do que poderia ser, se o fim do gasto com o financiamento da obra ( de Itaipu) fosse integralmente repassado para a tarifa”, explica Hochstetler. Ele afirma que Itaipu é um projeto binacional, com gestão dos governos de Brasil e Paraguai – por isso a usina não está sujeita aos órgãos de fiscalização tradicionais do Brasil, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e o próprio Congresso.
“Essas despesas socioambientais são um orçamento paralelo, não estão sujeitas aos procedimentos regulatórios. O TCU não atua, e também não passa pelo escrutínio do processo orçamentário do Congresso. Dá muita liberdade para os países ( Brasil e Paraguai) fazerem o que quiserem”, afirmou.