Ministério pode pedir fim de contrato da Enel? Critérios técnicos foram cumpridos? Especialistas respondem

Data da matéria: 02/04/2024

O ministro Alexandre Silveira determinou abertura de processo disciplinar na Aneel contra distribuidora de São Paulo que pode resultar em fim da concessão

Após o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira , ter dito que determinou à Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel a abertura de um processo disciplinar contra a distribuidora de eletricidade Enel São Paulo, que pode levar ao cancelamento do contrato de concessão, analistas ouvidos pelo GLOBO criticaram a iniciativa do próprio governo.

Para os especialistas, é preciso investir em melhorias no marco regulatório do setor de forma a aumentar os investimentos das companhias de distribuição no país. Ressaltaram ainda a necessidade de serem aperfeiçoados os índices de qualidade para o setor, como os que medem a frequência e a duração das interrupções (chamado de FEC e DEC, respectivamente).

Segundo Edvaldo Santana, doutor em engenharia de produção e professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o contrato de concessão define claramente o que pode levar ao pedido de caducidade de uma concessão, como os critérios de qualidade do serviço:

– A Aneel define metas anuais a serem cumpridas pelas concessões. A Enel em São Paulo, apesar das sucessivas falhas, tem cumprido essas metas, pelo menos até 2023. O problema é que o poder concedente se deu conta que a média em torno de 11 horas de interrupção por ano indica uma qualidade de serviço terrível.

Para o especialista, é preciso exigir melhorias profundas via contrato de concessão. No entanto, ele crítica a postura do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira.

– O meio utilizado agora pelo poder concedente para tratar da Enel enfraquece terrivelmente o processo. Expôs o fiscal, que é a Aneel. E a caducidade jamais deve começar com um pedido do poder concedente ao fiscal (Aneel). Isso pode contaminar o processo com variáveis e razões políticas, que estão claras em falas do MME.

Santana, no entanto, lembra ainda que um processo de questionamento da concessão leva, no mínimo, dois anos e não são simples.

–A Aneel, em 2007, recomendou ao MME a caducidade da CEA (Equatorial Energia, no Macapá). O governo federalizou. Teve o caso do Grupo Rede, mas foi uma intervenção por problemas financeiros, que a própria Aneel licitou novamente. No caso da Enel, a consequência poderá ser a estatização. Há três meses a Aneel enviou para o MME a caducidade da Amazonas Energia.

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Na opinião da professora da Escola de Química da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, as declarações do ministro representam uma “ameaça vazia”. Para ela, esse tipo de declaração desgasta o Executivo e não resolve o problema da distribuição.

-Já houve problema no Sul, no Norte e até no Rio. O setor precisa de reforma, e as redes estão sucateadas. O marco regulatório precisa ser aperfeiçoado. Há vários distribuidoras com problemas. Basta ver o que está acontecendo em Macapá. O problema é que os indicadores da Enel não são os piores do Brasil. E isso mostra que o próprio governo não está conversando entre si. É preciso melhorar os indicadores de avaliação, pois, apesar de as interrupções estarem dentro do esperado pela concessão, a percepção do consumidor é outra.

Clarice, no entanto, diz que a Enel, assim com outras empresas do setor, precisam se preparar para enfrentar os problemas climáticos com mais investimentos.

-As empresas não estão tratando o problema. O governo precisa olhar o consumidor e fazer mais investimentos para melhorar a segurança do abastecimento. Só se fala em soluções contábeis como a antecipação dos recursos da Eletrobras via uma MP . O setor precisa de uma reforma. E o consumidor precisa de soluções.

Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, afirma que a declaração do ministro tem um cunho politico e não ajuda em nada o setor. Ele afirma que retomar a concessão pode encarecer o custo de financiamento das empresas e atrapalhar os processo de renovação das concessões.

—E esse aumento de incertezas traz mais custos, que são repassados para o consumidor, via tarifa. Uma saída é que a Aneel faça uma reavaliação dos índices de qualidade. E esse é o trabalho permanente hoje do órgão regulador. E, ao pensar em novos investimentos, como o aterramento da fiação, é preciso pensar quem vai pagar a conta e se isso compensa.

Para Sales, as declarações do ministro não trazem resultado concreto para o setor.

-Isso não gera efeito positivo ao setor. E só aumenta o custo.

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