Quase 40% da energia prevista para entrar em operação até 2026 depende de obras atrasadas

Data da matéria: 21/05/2021

21/mai/2021, O Globo Online

No momento em que o país precisa acionar termelétricas caras e poluentes para garantir o suprimento de eletricidade diante de uma forte seca nos reservatórios de algumas das principais hidrelétricas, parte das obras para ampliar a capacidade instalada do Brasil nos próximos anos está atrasada. Quase 40% da eletricidade prevista para entrar em operação até 2026 depende de obras com execução fora do cronograma.

De toda a capacidade esperada para entrar em operação entre 2021 e 2026, 38% da energia prevista serão gerados por obras cujo cronograma está fora do prazo previsto nos contratos. Os dados são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável por fiscalizar e acompanhar o andamento das obras.

São usinas de biomassa, eólicas, solares e termelétricas, além de algumas pequenas hidrelétricas. A previsão é que entre este ano e 2026 um total de 38,1 mil megawatts (MW) de energia entrem em operação no Brasil. Desse montante, usinas responsáveis por gerar 14,5 mil MW de eletricidade têm o cronograma de entrega fora dos prazos. A maior parte são usinas solares, seguidas por termelétricas, eólicas e hídricas.

Licenciamento e recursos
Outros 18 mil MW estão dentro das expectativas da Aneel e mais 5,2 mil MW estão adiantados, de acordo com dados da agência reguladora.

Para efeito de comparação, o país tem hoje capacidade instalada no sistema nacional de energia da ordem de 171 mil MW. Não significa, porém, que toda essa energia pode ser acionada, porque depende da disponibilidade dos recursos, como água, vento, sol, gás e óleo.

Com isso, as obras que constam nos cronogramas da Aneel são necessárias para ampliar a capacidade de geração em 22% num período de seis anos.

O Brasil precisa ampliar sua capacidade de geração de energia para afastar o risco de qualquer desabastecimento durante períodos de crescimento econômico, na avaliação de integrantes do governo. Entre 2021 e 2025, por exemplo, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) trabalha com uma média de crescimento anual de 2,8% do PIB.

Historicamente, o consumo de energia cresce um ponto percentual acima do crescimento do PIB. Ou seja, a expectativa é que o consumo de energia suba anualmente em média 3,8% entre este ano e 2025.

Cumprir o cronograma que vai aumentar o volume de energia disponível para operação, cuja maioria são fontes renováveis, evita também saltos nas contas de luz ao longo dos próximos anos. Como ocorre com qualquer produto, a falta da oferta de energia em um cenário de crescimento da demanda tende a elevar preços.

Apesar de os dados da Aneel mostrarem atrasos nas obras, especialistas minimizam os problemas para este ano e dizem que não há risco de faltar energia elétrica. A Aneel informou que os motivos do atraso são problemas no processo de licenciamento ambiental, atraso das obras, dificuldade de viabilizar financeiramente o projeto e também os impactos da pandemia.

A agência reguladora disse que acompanha o andamento das outorgas de geração do setor elétrico e existe previsão de penalidade por atraso no âmbito administrativo e também de acordo com o respectivo edital, a depender da usina.

João Teles, pesquisador sênior da FGV Energia, afirma que as obras apontadas como cronograma atrasado tem alta viabilidade de conclusão.

— Já em 2022, aparecem algumas usinas com características de média viabilidade de conclusão. Esse atraso que se coloca é mais importante a partir do segundo semestre de 2022 — disse ele, acrescentando: — O empreendedor quer colocar em dia a obra, porque ele quer se apropriar dos preços. Ele tem um contrato para seguir.

Claúdio Sales, do Instituto Acende Brasil, afirma que não há maiores preocupações em relação ao que vai entrar em operação em 2021, sendo o risco maior em 2022. Ele lembra que a matriz energética do Brasil é diversificada, e hoje o país tem mais capacidade de gerar energia do que carga para consumi-la.

Pior período seco
O problema é que atravessamos o pior período seco da História, e os reservatórios das hidrelétricas não estão conseguindo se recuperar.

Outro ponto levantado por Sales é a concorrência pelo uso de água das hidrelétricas. Ela também é usada para abastecimento, irrigação, navegação e lazer.

— Uma coisa é conjuntural, como atraso. Este ano não tem problema, ano que vem é preciso prestar mais atenção. O grande problema é estrutural — afirma ele. — Temos um estresse causado pela seca extrema e prolongada, pelo crescente uso múltiplo das águas, fazendo que nossos reservatórios fiquem menos eficientes e boa parte dessa energia passe a vir de fontes flexíveis — explicou.

Procurado, o Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS) disse que as obras de geração e de transmissão são acompanhadas de perto pela equipe técnica e que mensalmente são realizadas reuniões de monitoramento. O órgão informou que não identifica riscos para a segurança decorrentes de atrasos.

O Ministério de Minas e Energia informou que avalia permanentemente as condições do atendimento eletroenergético, que monitora a expansão do sistema elétrico, considerando em especial os segmentos de geração e transmissão, analisa os balanços entre oferta e demanda de energia e acompanha as atividades de comercialização do mercado.

“No desenvolvimento dessas atividades, são realizados trabalhos, como a realização de leilões de energia, os estudos de planejamento setorial e a criação de instrumentos de estímulo ao setor, os quais permitem concluir pela garantia do suprimento de energia elétrica aos consumidores brasileiros”, diz a pasta

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