O consumidor venceu: governo barra jabutis que tornariam conta de luz mais cara

Data da publicação: 18/01/2025

Mas, como o projeto de lei volta para a análise do Congresso, é previsível que os donos dos jabutis voltem à carga, tentando reverter a situação

No último dia 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma importante decisão para os consumidores brasileiros. A lei que regulamenta a geração de energia elétrica aproveitando ventos em mar aberto, com as usinas eólicas chamadas de offshore, foi sancionada, mas veio acompanhada de vetos aos artigos 22, 23 e 24 do texto. Lula retirou dali jabutis que estabeleciam a contratação compulsória de usinas termelétricas a gás, além da prorrogação de contratos com termelétricas a carvão e pequenas centrais hidrelétricas. Ao barrar essas propostas, impediu que incentivos ruins repetissem um histórico de ineficiência no setor energético do país. “Foi uma decisão consensual do governo”, disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, um defensor dos vetos. A vitória não é definitiva, o que requer ainda atenção. Como o projeto de lei volta para a análise do Congresso, é previsível que os donos dos jabutis voltem à carga, tentando reverter a situação — claro, sempre imbuídos do maior espírito republicano, sem qualquer motivação de lobbies empresariais.

Em carta aberta divulgada no início deste mês, doze entidades do ramo de energia alertaram que a aprovação dos jabutis resultaria em custos de 22 bilhões de reais por ano e aumento de 9% no preço da energia elétrica. Até 2050, os custos extras somariam 545 bilhões de reais. Isso porque a imposição de contratos obrigatórios contraria a lógica de competitividade dos leilões de energia, em que vence a oferta mais barata. “Com as benesses embutidas, o consumidor custeia segmentos que não precisam mais de subsídio”, diz Mariana Amim, diretora de assuntos regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia. Uma parte considerável da conta de luz dos brasileiros já é destinada ao financiamento de subsídios, resultando numa das tarifas de energia mais altas do mundo. Em 2023, 15% do valor pago pelos consumidores foi destinado a encargos setoriais, que custearam os 40 bilhões de reais em subsídios existentes no setor, segundo levantamento feito pelo Instituto Acende Brasil.

Se não bastasse, os jabutis do PL das eólicas offshore aumentariam em 25% as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico. O movimento iria contra a tendência mundial de transição energética — premiando o carvão, por exemplo — e desperdiçaria uma grande vantagem do Brasil: ter 88% da matriz elétrica composta por fontes limpas. O país se prepara para adotar novas fontes verdes no futuro, diante da perspectiva de aumento da demanda de energia para comportar tecnologias emergentes, como data centers, carros elétricos e usinas de hidrogênio verde. “O Brasil tem uma visão mais diversificada para as possibilidades de sua matriz energética”, diz Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.

A energia eólica offshore surge como uma dessas oportunidades. No mundo, a tecnologia é utilizada em especial por China, Reino Unido e Alemanha, que concentram 75% da capacidade global instalada. No Brasil, que conta com uma forte incidência de ventos na Região Nordeste, a opção tem sido priorizar as fazendas eólicas em terra. Segundo estudo do Banco Mundial, contudo, as turbinas no mar poderão oferecer uma complementação importante para a matriz, já que a capacidade de geração hidrelétrica — que atualmente atende a 72% da demanda brasileira de eletricidade — não deverá se expandir significativamente nos próximos 25 anos. Além disso, a energia eólica offshore conseguiria equilibrar a oferta das hidrelétricas ao longo do ano, pois sua produção seria maior justamente nos meses em que os níveis hídricos estão mais baixos.

O avanço dessa tecnologia exige investimentos altos e um longo período para a maturação dos projetos. “O marco regulatório é importante para que tenhamos projetos saindo do papel na década de 2030”, diz Mateus Cavaliere, líder de planejamento de energia da consultoria PSR. “Até lá, os avanços tecnológicos podem trazer alguma redução nos custos.” O Banco Mundial projeta dois cenários para o futuro: em caso de um investimento acumulado de 40 bilhões de dólares, considerado modesto, as offshore seriam responsáveis por 3% da geração elétrica do país. Se houver aportes robustos, na casa dos 240 bilhões de dólares, a tecnologia responderia por um quinto da geração daqui a 25 anos — um cenário para lá de otimista, mirando uma taxa de crescimento anual superior à de qualquer outro país, exceto a China.

Adotando o rumo mais ambicioso ou não, o Brasil levará tempo para desenvolver essa tecnologia, daí a importância da regulação aprovada. “Precisamos de uma visão de Estado, de longo prazo”, diz Leonardo Euler de Morais, vice-presidente de assuntos públicos da fabricante de turbinas eólicas Vestas. A lei foi o primeiro passo nessa direção e merece também aplausos pela oportuna depuração feita pelo governo, que retirou dela os jabutis, protegendo os interesses dos consumidores ao evitar uma conta de luz mais alta.

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