Para especialistas, proposta de decreto precisa ser aperfeiçoada

Data da publicação: 07/06/2024

Distribuidoras avaliam que regras claras sobre prorrogação permitirão ampliar investimentos e aprimorar a qualidade do serviço

Depois de um longo debate público, o Ministério de Minas e Energia (MME) enviou à Casa Civil, no último dia 23 de maio, a minuta do decreto com diretrizes para a prorrogação por mais 30 anos dos contratos de concessão de 19 distribuidoras, cujas outorgas vencem entre 2025 e 2031. As empresas são responsáveis pelo suprimento de 64% do mercado de distribuição do país. A proposta é fundamental para dar garantia jurídica e estabilidade regulatória ao segmento, mas especialistas avaliam que algumas das novas regras contidas na minuta merecem ser aperfeiçoadas.

Uma delas é a exclusão dos eventos climáticos extremos dos critérios de medição dos índices de qualidade dos serviços prestados pelas empresas, bem como o estabelecimento de um prazo máximo de retorno da operação após esses eventos. —É crucial que a avaliação da qualidade do serviço prestado pelas distribuidoras considere o expurgo de situações anômalas que fogem da capacidade de atuação das distribuidoras — afirma Claudio Sales, presidente do Acende Brasil.

AMBIENTE SEGURO

A diretora técnica da consultoria PSR, Angela Gomes, avalia que a medida poderia elevar excessivamente os riscos envolvidos no contrato, uma vez que eventos extremos são variáveis não controláveis pelas concessionárias. — Nesse contexto, sugerimos que esse dispositivo se atenha especificamente às metas de eficiência na recomposição do serviço após esses eventos climáticos, levando em consideração sua severidade — completa.

Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, é fundamental que o decreto tenha regras claras, para garantir um ambiente seguro de investimentos, uma vez que o segmento é intensivo em capital. Recentemente, as empresas anunciaram investimentos de R$ 130 bilhões nos próximos quatro anos.

— A minuta do decreto incorporou algumas contribuições da sociedade apresentadas em consultas públicas e ideias trazidas de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, mas avaliamos que alguns trechos precisam ser revistos — afirma Madureira.

— O enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas tem se mostrado um grande desafio em todo o mundo, e o sistema elétrico é um dos mais afetados — acrescenta.

Essa nova realidade, em que os desastres naturais acontecem com cada vez mais frequência, exige adaptação. Nos últimos anos, a incidência de eventos climáticos extremos atingiu patamares nunca observados. No Brasil, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) registrou uma média de três eventos climáticos por dia em 2023, um número recorde. — Vivemos num país de dimensões continentais, com problemas de chuvas e secas extremas, por isso esse tema precisa ser enfrentado em parceria com governos — afirma Madureira.

AÇÃO CONJUNTA

O presidente da Abradee cita, como exemplo, a ação conjunta que as distribuidoras de todo o país vêm realizando para ajudar no restabelecimento mais rápido da energia no Rio Grande do Sul.

— Esse tipo de ação é muito comum entre as distribuidoras dos Estados Unidos durante calamidades provocadas por furacões, tornados ou fortes nevascas, mas, no Brasil, foi a primeira vez que isso ocorreu — afirma.

Mais de 300 profissionais e centenas de equipamentos, como veículos, geradores, subestações móveis e helicópteros, foram enviados para o estado. Por enquanto, oito distribuidoras estão envolvidas na ação — Celesc, Copel, Cemig, Enel, CPFL Piratininga, CPFL Paulista, Light — ou disponibilizaram recursos e estão a postos para atuar na região, como é o caso da Neoenergia. A RGE e a Equatorial, principais distribuidoras que atuam no estado, seguem com um efetivo de cerca de 14 mil colaboradores trabalhando para reduzir o impacto da falta de luz.

EVENTOS CLIMÁTICOS

A Força Aérea Brasileira (FAB) cedeu um avião para levar do Rio de Janeiro 50 profissionais eletricistas especializados em redes subterrâneas, enviados pela Light e pela Enel, num exemplo de trabalho feito em parceria com o governo federal, a Aneel e as concessionárias.

Antes da tragédia no Rio Grande do Sul, as distribuidoras já vinham trabalhando em conjunto com a Aneel no enfrentamento dos eventos climáticos extremos, que inclui o melhoramento da detecção desses fenômenos a partir do cruzamento de bases de dados com alertas meteorológicos e na comunicação direta com defesas civis estaduais e municipais.

REGULAMENTAÇÃO TÉCNICA

A minuta do decreto para prorrogação das concessões prevê ainda a criação de um “critério comercial” para limitar a distribuição de dividendos ao mínimo previsto em lei no caso de descumprimento de índices de qualidade. Os contratos atuais já estabelecem essa limitação caso haja descumprimento de metas de qualidade técnica por dois anos consecutivos ou por três vezes ao longo de cinco anos ou ainda de sustentabilidade econômico-financeira por um ano.

— A limitação de distribuição de dividendos atrelada a índices de qualidade que incluem o atendimento comercial pode, a depender dos indicadores, gerar insegurança pelo risco de subjetividade e conflito de interesses — afirma Sales. Para a diretora técnica da PSR, o tema merece uma discussão “mais detalhada”. — A nosso ver, essa questão específica referente à qualidade comercial poderia ser tratada adequadamente no âmbito da regulação — afirma Angela Gomes.

Marcos Madureira afirma que as concessionárias estão comprometidas com o aperfeiçoamento de seus serviços, mas a transição para novas regras precisa passar por regulamentação que considere um prazo de adaptação, respeitando as especificidades de cada área de concessão. — Nos últimos 30 anos, as regras contratuais vêm sendo cumpridas, e os investimentos do setor levaram à universalização do acesso à energia elétrica no país, com 99,8% dos lares brasileiros atendidos — conclui.

Criação de ‘posteiro’ pode impactar na gestão de custos de energia
O novo regramento traz a figura do “posteiro”, que não existe nas regras dos atuais contratos e não foi discutida nos debates públicos sobre a prorrogação das concessões. As distribuidoras deverão ceder de forma compulsória espaço nos postes para exploração comercial da gestão e compartilhamento dos pontos para fixação da infraestrutura de telecomunicação. Hoje, a cessão dessa infraestrutura é facultativa à concessionária.

A diretora técnica da PSR, Angela Gomes, avalia que a discussão ainda é “incipiente e pouco aprofundada”. A especialista levanta dúvidas sobre a possibilidade de o dispositivo trazer ganhos efetivos à gestão desses equipamentos.

—Pelo contrário, considerando a complexidade técnica e institucional da matéria, entendemos não ser desprezível o risco de essa mudança trazer ainda mais desordem ao processo de compartilhamento de postes — afirma Angela.

Segundo Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, a cessão obrigatória da exploração comercial dos postes para terceiros adiciona custos e complexidade operacional. — Portanto, não deveria fazer parte desse decreto para não criar um problema desnecessário e que foge do escopo principal desse importante decreto — diz.

O presidente da Abradee, Marcos Madureira, ressalta que o tema impacta também na segurança operacional. — Estamos falando de redes elétricas,e as concessionárias devem ter a livre escolha de como conduzir essa questão da melhor maneira possível, sempre olhando pelo aspecto da segurança — diz. O dirigente defende que o assunto não deveria estar presente no decreto e ser tratado na regulação que está em discussão entre a Aneel e a Anatel.

Madureira acredita ainda que a proposta pode impactar nos custos das distribuidoras, que têm como responsabilidade legal manter a tarifa reduzida.

— O posteiro não será capaz de resolver a gestão do compartilhamento dos postes e vai prejudicar o consumidor, porque vai reduzir os recursos hoje direcionados à modicidade tarifária, impactando na elevação dos preços da conta de luz — conclui

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