PDL 365 tenta barrar novo cálculo da Tust e expõe conflito entre Poderes
Ainda está em andamento a tentativa de se manter a metodologia atual de cálculo das tarifas de transmissão (Tust e Tusd-g), que foi modificada neste ano por resoluções da Aneel para incluir o chamado sinal locacional nos cálculos.
O “ringue” atual é o PDL (projeto de decreto legislativo) 365, aprovado na Câmara dos Deputados e desde o dia 11 de novembro no sistema do Senado, mas com perspectiva baixa de ainda ser apreciado neste ano.
A proposta do PDL, de autoria do deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE), presidente da frente parlamentar em defesa das energias renováveis, é sustar as resoluções normativas da Aneel que estabeleceram a nova metodologia (1024/2022, 1041/2022).
Trata-se aí de um segundo capítulo da mesma tentativa de impedir a mudança regulatória. A primeira não foi bem-sucedida, a MP 1118, que aprovada pela Câmara caducou em 27 de setembro por não ter sido apreciada pelo Senado no prazo regimental.
Uma emenda incluída nessa MP que tratava de créditos tributários para combustíveis mantinha as regras atuais de fixar as tarifas da Tust e Tusd-g ao longo do contrato, como estabelecido no ato das outorgas, apenas com correção pelo IAT. Essa decisão anularia a metodologia por sinal locacional da Aneel.
Geradores X Consumidores
A celeuma do cálculo opõe principalmente geradores de renováveis (eólicas e solares), com usinas no Nordeste, e associações e representantes dos consumidores de energia (além da própria Aneel e o MME).
Os primeiros veem como problema principal da nova metodologia o projetado aumento entre 30% e 50% nas tarifas de transmissão de seus projetos no Nordeste. Isso porque, distantes da carga principal do país, o Sudeste, os projetos pagarão mais pelo uso do sistema de transmissão com a nova metodologia.
Já representantes de consumidores (Abrace, Anace e Instituto Acende Brasil) apoiam as mudanças da agência reguladora como uma forma de, segundo eles, fazer justiça aos consumidores do Norte e Nordeste, que seriam beneficiados com tarifas menores em razão da metodologia locacional. A projeção é de redução média de 2,4% nas tarifas do Nordeste e de 0,8% no Norte, o que se traduz em R$ 1,23 bilhão a menos por ano para essas regiões.
Com as resoluções da Aneel, em suma, a base dos cálculos para as tarifas deixa de ter o componente estritamente regional, como hoje, por submercados, e passa a incluir o componente nacional na metodologia, de forma gradual, ao longo dos próximos cinco anos. A partir de 2023 o componente regional passa a representar 90% no cálculo, contra 10% o nacional, sendo reduzido ano após ano até chegar ao critério 50/50 em 2027.
Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o mérito da nova metodologia, além de reduzir as tarifas de energia para os consumidores do Nordeste, é atender a dois princípios que ele considera fundamentais.
“O primeiro é que quem onera mais o sistema de transmissão, agente, gerador ou consumidor, deve pagar mais do que quem onera menos. O outro princípio é que deve ser estimulado o uso racional do sistema interligado, porque toda vez que se pensa em novas usinas é preciso se pensar na repartição dos custos”, afirmou ao EnergiaHoje. “O sinal locacional dá a sinalização adequada para se levar em conta os novos projetos”, completa.
Sales não vê problema apenas de conteúdo nas tentativas de derrubar as mudanças da regulação, mas de forma. “É um absurdo que, primeiro, congressistas incluam de modo sorrateiro emendas em projetos que não têm nada a ver com o tema, como foi na MP 1118, e depois, também de forma sorrateira, criem um PDL exclusivo simplesmente suspendendo uma decisão da Aneel que foi construída depois de quatro anos com consultas públicas”, critica.
Já pelo lado dos geradores a visão é muito diferente. Para a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, a metodologia do sinal locacional não faz o menor sentido para o Brasil.
“É um conceito muito antigo, do final dos anos 1990, feito para a época em que no Brasil só tinha hidrelétrica e termoelétrica e quando a expansão estava voltada para as térmicas. E agora a Aneel de forma atrasada resolveu regulamentar”, disse. A executiva se refere à lei 9.427/1996, que cria a Aneel e que, entre outros pontos, estabelecia a competência da agência de usar o conceito do sinal locacional para cálculo das tarifas.
Na sua análise, na época a ideia do sinal locacional era estimular a construção de térmicas no Sudeste, perto da carga. “Naquele momento fazia sentido dizer qual era o ponto de conexão mais favorável para instalar uma termoelétrica, agora não, depois que houve toda essa expansão de renováveis no Nordeste do país”, explicou ao EnergiaHoje.
Para a dirigente, a nova metodologia tem potencial para desestimular projetos eólicos e solares no Nordeste, já que a previsão é de um aumento entre 30% e 50% no custo de transmissão para essas usinas com a metodologia de sinal locacional. E isso em contraponto ao estímulo de possíveis novos investimentos em usinas termoelétricas no Sudeste, que ganham competitividade por poderem ser construídas em qualquer local, o que seria aproveitado por investidores com projetos próximos da carga, com tarifas menores.
Gannoum também não concorda com a argumentação de que a mudança no cálculo beneficiaria os consumidores do Nordeste, por estarem próximos dos geradores de renováveis, incluindo as grandes UHEs. “Quem paga a conta sempre vai ser o consumidor. Se o gerador tiver que pagar mais caro pela tarifa dele lá no Nordeste ele vai repassar isso aí para o consumidor, é óbvio”, disse.
Aliás, Gannoum espera que o PDL 365 seja aprovado, dentro do tempo hábil para evitar a implantação da nova metodologia, ou seja, junho de 2023.
Legislativo X Executivo
Por trás do mérito em discussão, o PDL 365 reflete como pano de fundo a crescente animosidade entre os Poderes Legislativo e Executivo, na opinião do diretor da Dominium Consultoria, Leandro Gabiati.
“É a primeira vez em muitos anos que a Câmara aprova um projeto de decreto legislativo sustando uma resolução da Aneel. Sempre houve ameaças, contestações de reajustes de tarifa, por exemplo, mas essa foi uma aprovação em plenário que contraria decisão do órgão regulador. Independentemente se está certo ou errado o sinal locacional, a questão é que isso traz insegurança jurídica”, disse Gabiati.
Para ele, a própria aprovação de um projeto de decreto legislativo tem que ser lida como uma derrota do poder Executivo. “Isso mostra que o Executivo não conseguiu valer sua autoridade dentro do Legislativo, ou seja, falhou na sua articulação”, diz.
Já no Senado Federal, Gabiati acredita que a tramitação não será tão fácil, já que seu perfil é mais conservador, com tendência a não dar espaço a iniciativas de confronto entre os Poderes.
“No entanto, há negociações entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir pautas de consenso entre as duas Casas. Esse diálogo pode contemplar o PDL 365”, explica o consultor, cuja consultoria acompanha de perto as movimentações político-regulatórias em Brasília.
Mesmo assim, a expectativa é que a discussão seja alongada, tendo em vista que nesta semana já houve apresentação de requerimentos de senadores para incluir na análise de mérito do PDL mais comissões, como foi o caso de pedidos do Senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e do Senador Lasier Martins (Podemos-RS).
O cenário leva o consultor a crer que a discussão não deve ir ao Plenário, como ocorreu na Câmara dos Deputados, e se prolongar para 2023 com as discussões nas comissões.
Além disso, com a entrada do novo governo federal, continua Gabiati, a tendência é de articulação de uma base governista maior, com mais de 40 senadores, o que diminuiria as chances de aprovação do PDL 365, já que o Poder Executivo ficaria fortalecido e buscaria contrariar a iniciativa de confronto por parte do Legislativo e assim preservar a autonomia da Aneel.