Perdas de Energia: O Desafio durante a pandemia

Data da matéria: 26/03/2021

30/mar/2021, Canal Energia – Com mais de 300 mil mortos contabilizados desde março do 2020, a pandemia de covid-19 trouxe impactos e alterações nas rotinas e planejamentos de vários setores da economia e da sociedade. A distribuição de energia não ficou imune a esses efeitos. Suspensão de corte de energia, das bandeiras tarifárias e a criação da conta-covid foram alguns dos expedientes adotados para mitigar eventuais riscos e prejuízos para clientes e empresas do setor.

O combate às perdas de energia, atividade fundamental para recuperação de receita e melhoria dos índices de qualidade das distribuidoras de energia, também precisou se adaptar ao inesperado e inédito. As equipes de campo das distribuidoras não pararam e se adequaram para o momento, que assim como a realização de todas as atividades que exigiram mudanças, foram consideradas desafiadoras para todas as empresas envolvidas.

Em março do ano passado, com o aumento da pandemia, a Cemig (MG) relatou dificuldades de equipes técnicas para entrar em algumas cidades do estado e fazer a manutenção, em virtude de restrições adotadas por prefeitos, que ordenaram o fechamento das divisas municipais. A distribuidora negociou com as autoridades a liberação da entrada das distribuidoras.

No primeiro momento, o cenário da pandemia levou a crer que a temática da perda recrudesceria, impulsionado pela piora das condições econômicas e dificuldades nas inspeções. Levantamento da Confederação Nacional de Comércio aponta que mais de 75 mil lojas fecharam as portas em 2020. A retração no ano foi a maior desde 2016, fase mais aguda da recessão. O auxílio emergencial, benefício criado pelo governo para mitigar a perda de renda dos trabalhadores, contemplou mais de 65 milhões de brasileiros com parcelas de R$ 600 e R$ 300. Para 2021, com um valor menor, a expectativa é que esse benefício atinja apenas a metade dos contemplados no ano passado.

No Rio de Janeiro, estado que historicamente lida com altas perdas não técnicas, as distribuidoras do estado enfrentaram o desafio na pandemia. Na Enel Rio, que atua na região metropolitana e no interior, foi preciso uma readaptação ao ‘novo normal’. O cronograma não pôde ser cumprido como originalmente planejado, devido às restrições de movimentação e leis criadas. Porém, de acordo com o presidente Artur Tavares, mesmo assim o programa de combate às perdas comerciais foi intensificado em 30%, o que tornou possível interromper uma tendência de aumento no índice dos últimos sete anos. “Realizamos 248 mil inspeções de combate à fraude e a avarias nos sistemas de medição, sendo corrigidas 131 mil irregularidades”, explica.

Ainda de acordo com ele, também foram realizadas mais de 1.500 medições remotas nos grandes clientes da baixa tensão e a regularização de 12 mil instalações clandestinas, com destaque para regularização de aproximadamente1.200 unidades na região de Prainha de Mambucaba, em Paraty. O programa Energia Legal, que existe desde 2019 e envolve inspeções, normalização e palestras de sustentabilidade, conseguiu normalizar 4.237 furtos e recuperar8.257 MWh de energia, o equivalente ao consumo mensal de aproximadamente 46 mil residências.

Na Light, a outra grande distribuidora do estado, clientes se recusaram a receber a inspeção da distribuidora por receio de contaminação do coronavírus. Com isso, as ações de inspeção foram direcionadas em maior número para os clientes com o medidor no limite da propriedade, sem que fosse preciso a entrada nas residências. Ao longo da pandemia, houve uma grande redução no valor absoluto das perdas, de 9.736 GWh para 8.992 GWh. Entretanto, o indicador percentual de perdas totais sobre a Carga Fio recuou de 26,04% para 25,92%, já que devido ao fechamento de comércios e a redução da produção industrial no período, houve queda do consumo nos grandes clientes, causando um efeito matemático no indicador.

Em teleconferência realizada na última sexta-feira 19 de março, o presidente da distribuidora, Raimundo Nonato Castro prometeu um plano estratégico para o combate às perdas. Segundo ele, esse plano vai envolver a vinda de profissionais com experiência no tema, além de treinamentos específicos e uma aproximação com a Defensoria Pública, Prefeitura e governo do Rio e Ministério Público. A fundação Falcone vai auxiliar a estruturação do plano. “Temos a possibilidade de fazer uma transformação no Rio de Janeiro”, disse Castro durante a teleconferência.

Tendo investido mais de R$ 380 milhões no combate ao furto de energia em 2020, a concessionária ainda vê os efeitos da pandemia em 2021, mas promete intensificar as estratégias que deram certo em 2020, como inspeções periódicas para detectar furto de energia e a utilização de inteligência de dados para resultados assertivos. “Dessa forma, esperamos que em 2021 continuemos com uma trajetória de redução e controle das perdas”, disse a empresa em resposta à Agência Canal Energia.

Em 2020 a empresa também fez programas pilotos de blindagem e troca de medidores antigos. No ano passado, houve um aumento nas chamadas áreas de tratamento especial, o que vai demandar uma nova forma de atuar, em conjunto com lideranças locais e poder público. Segundo Castro, a distribuidora detectou uma característica em perdas de energia em hotéis, residências de áreas nobres e restaurantes: o desvio ‘embutido’, por dentro da construção, internalizados na parede. A crença é que há um grande potencial de redução de perdas a ser reduzido nas áreas em que a distribuidora consegue fazer as inspeções.

Em algumas distribuidoras, foi detectado uma mudança no perfil da perda puxado pelas restrições da pandemia. A Energisa, que reúne onze concessionárias em todas as cinco regiões do país, viu a criação de um cenário econômico desfavorável que alimentou um ambiente mais propício ao surgimento de novas fraudes. Já a Neoenergia, que tem distribuidoras nas regiões Nordeste e Sudeste, observou um maior registro de perdas associadas aos consumidores de baixa tensão.

Segundo Manoel Messias, gerente de proteção à receita da Energisa, em 2020 foi observado um crescimento de 0,26ponto percentual das perdas totais de energia em relação a 2019. O executivo ressalta que embora tenha registrado o aumento, as distribuidoras do grupo possuem um bom histórico de ações de combate.

A volta de um número maior de atividades econômicas no segundo semestre trouxe mudanças nos índices. No último trimestre de 2020, a Energisa conseguiu recuperar 42,7 GWh na comparação com o trimestre anterior. “O resultado está diretamente ligado a retomada com maior intensidade no combate às perdas”, conta Messias.

Na Enel RJ, ainda é cedo para concluir se houve mudança no perfil da perda com a pandemia, devido à metodologia usada para contagem, que abrange período de 12 meses. O que foi possível perceber é que nas áreas em que a distribuidora não consegue atuar – definidas como de risco operativo – e nas adjacências, a participação percentual dentro do total de perdas aumentou. “Isso pode significar que esse público foi o mais afetado pela crise econômica e passou a fraudar mais a sua medição, devido a impossibilidade de pagamento”, observa o presidente da concessionária.

Ainda na Enel RJ, a expectativa é que com a volta das atividades na economia desde o segundo semestre de 2020, o perfil de consumo dos clientes como grandes empresas e comércios volte aos níveis normais, o que acabaria por refletir de forma positiva nas perdas de energia, pelo fato desses grandes consumidores serem bons pagadores.

De acordo com Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, as distribuidoras vêm conseguindo ao longo dos últimos anos resultados no combate às perdas de energia. Ele lembra que o aumento dos investimentos em tecnologia e a modernização do setor, que aumentarão a digitalização para o consumidor, não serão suficientes para eliminar o problema, que demandará ações de entes governamentais. “O estado tem que se fazer presente. Não é um problema originado pela empresa nem que ela tenha todos os elementos para mitigar”, avisa, lembrando que as distribuidoras não possuem poder de polícia para impedir o furto de energia, que é um crime tipificado em lei.

Para 2021, o combate às perdas não sai do radar da distribuição brasileira. Além da Light, que prepara o novo plano, a Neoenergia promete intensificar ainda mais as ações de combate a perdas, a modernização da rede e investimento em tecnologias com foco em ações que melhorem a qualidade do fornecimento e mantenham o índice de perdas em
trajetória de queda. “Em 2021, seguimos focados no desenvolvimento e aplicação de sensores inteligentes na rede, monitoramento inteligente de alarmes e utilização de imagens de satélite com algoritmos de inteligência artificial para detecção e combate às perdas”, diz Marcelo Fernandez, Superintendente de Gestão da Receita do grupo.

O aspecto tecnológico, um dos aliados e que vem permitindo blindar a rede e coibir as perdas, continuará a ter relevância. A Energisa quer usar satélites para ampliar a telemetria nos grandes consumidores. A empresa promete a implantação de uma ferramenta para localização de consumidores clandestinos nas áreas rurais usando imagens de satélites, além de um sistema de redes neurais que vai selecionar potenciais fraudadores. Outra aposta da Energisa é o desenvolvimento de um projeto de Pesquisa & Desenvolvimento para um dispositivo de baixo custo que sinaliza remotamente intervenções nos medidores ou na caixa de medição.

Em terras fluminenses, a Enel RJ quer o monitoramento inteligente das equipes de campo, que vai alertar em tempo real o centro de controle, avisando se há algum desvio de rota ou improdutividade na execução do serviço das equipes. A implantação do quadro de medição blindado para medições agrupadas visa reduzir as perdas nos conjuntos habitacionais. A vertente da digitalização, característica do grupo, segue nas ações em campo, com o Termo de Ocorrência e Inspeção Digital. O TOI Digital vai permitir ganhos na produtividade e sustentabilidade, já que vai eliminar o uso de formulário de papel.

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