Planejamento e operação elétrica devem seguir mudanças climáticas
13/jan/2022, Valor Econômico
O Brasil precisa atualizar a maneira como planeja e opera o setor elétrico para lidar com os novos riscos que surgem no mercado com as mudanças climáticas e a transição energética, aponta um estudo do Instituto Acende Brasil. O relatório indica que o setor precisará contar com uma análise de cenários mais sofisticada, que leve em conta novas ameaças, para garantir a segurança do suprimento.
Efeitos climáticos severos ou extremos, como secas, enchentes e ondas de calor, e o consequente incentivo à adoção de fontes renováveis para ajudar a combater as mudanças estão tornando a gestão do setor mais complexa. “Está mais difícil de planejar do que no passado, quando havia uma relação bem consistente entre o crescimento econômico e o consumo de energia. Não há mais essa convicção, especialmente por causa da geração distribuída [geração pelos estabelecimentos de consumo], que vem crescendo muito”, diz o diretor de assuntos econômicos e regulatórios do Acende Brasil, Richard Lee Hochstetler.
Eventos climáticos diferentes dos usuais afetam o setor. Em 2021, o Brasil viveu uma seca que reduziu o volume dos reservatórios das hidrelétricas e gerou incertezas sobre a capacidade de suprimento de energia em horários de pico de consumo. Desafios similares ocorrem em outras partes do mundo. Nesta semana, por exemplo, uma onda de calor na Argentina fez Buenos Aires ter apagões.
Ao mesmo tempo, o crescimento das fontes renováveis na matriz ajuda a diversificar o sistema elétrico, mas também traz novas incertezas ao setor já que a geração por essas usinas não é despachável. Significa que varia ao longo do dia e de acordo com as condições climáticas. “Transformações como o crescimento de fontes não despacháveis e mudanças no comportamento da carga estão acontecendo num ritmo mais acelerado do que a capacidade prática de adequar o planejamento”, diz o presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) têm buscado se ajustar ao novo momento. Analistas ressalvam, no entanto, que as mudanças precisam ser mais céleres, especialmente para evitar maiores pressões sobre os preços da energia. “Para o consumidor, o risco não é só um eventual blecaute, mas também o custo. Se os preços sobem muito repentinamente, isso também é risco”, lembra Hochstetler.
Um exemplo é a atualização em curso do sistema computacional que calcula as usinas a serem despachadas pelo ONS. Especialistas dizem que a conclusão das mudanças no modelo computacional precisa ser mais rápida, pois a modelagem é muito otimista nas estimativas de capacidade de geração das hidrelétricas ao não considerar que a produtividade das usinas diminui à medida em que os reservatórios são esvaziados.
O presidente da EPE, Thiago Barral, concorda que o aumento das incertezas tem trazido maior complexidade para a elaboração dos cenários. Para ele, o papel do planejamento se torna ainda mais importante nesse contexto. “Cenários não são projeções ou previsões, e sim formas de explorar futuros plausíveis no intuito de se preparar melhor para enfrentar essas incertezas e reduzir arrependimentos decorrentes das decisões de hoje que impactam nas nossas alternativas futuras”, diz.
Barral destaca que a EPE passou a usar cenários que testam mudanças em premissas ou variáveis do setor, além das tradicionais projeções econômicas de referência nono Plano Decenal de Energia, publicação anual que indica as perspectivas de expansão do setor de energia ao longo de uma década. Assim, questões como “e se o custo de uma determinada fonte cair mais rápido do que o estimado?” e “o que ocorre se a disponibilidade hídrica se reduzir de forma estrutural em determinada região?” têm sido incorporadas ao planejamento de longo prazo.
“Não podemos esquecer também que estamos todos sujeitos à ocorrência dos chamados ‘cisnes negros’, acontecimentos de elevado impacto ou eventos raros aparentemente inverossímeis, que driblam as expectativas normais históricas, científicas, financeiras ou tecnológicas”, diz Barral.
Para o ONS, nesse novo contexto vai ser preciso também antecipar algumas discussões regulatórias para a modernização do setor, como o uso de usinas híbridas, que combinam mais de uma fonte, e de recursos de armazenamento. Projetos desse tipo, segundo o operador, podem ajudar a otimizar o sistema de transmissão elétrica, que também passa por mudanças com o crescimento da geração renovável em novas regiões.
Outro tópico que merece destaque, de acordo com o ONS, é a geração distribuída, na qual os próprios consumidores geram energia via instalação de placas fotovoltaicas em residências, prédios e comércios, por exemplo. Hochstetler concorda que o crescimento dessa área será um desafio para a operação e planejamento uma vez que pode levar a uma queda no consumo no Sistema Interligado Nacional (SIN) ao mesmo tempo em que a demanda total por energia continua a crescer no país.