PLD horário em 2021 tem desafios, mas adoção é ‘caminho sem volta’, diz Acende Brasil

Data da publicação: 22/07/2020

22/Jul/2020, Agência Estado – A adoção do modelo de precificação horária (PLD horário) na comercialização e liquidação da energia, marcada para janeiro de 2021, ainda enfrenta desafios. De um lado, agentes de mercado admitem que ainda não se prepararam adequadamente para essa mudança. De outro, o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ainda vem evoluindo na divulgação dos preços horários dentro dos parâmetros definidos. Ainda assim, para o Instituto Acende Brasil, a mudança deve ocorrer conforme o cronograma anunciado.

“É caminho sem volta e está sendo implementado de maneira cuidadosa”, avalia o presidente da instituição, Claudio Sales. Ele salienta que o modelo de precificação horária é uma evolução para o setor elétrico brasileiro e propiciará mais eficiência. Por esse modelo, o valor da energia é definido para cada hora do dia, visando a dar um sinal econômico mais aderente às necessidades operativas do sistema elétrico e propiciando uma melhor precificação das fontes com variabilidade da produção ao longo do dia, como eólica e solar.

Sales defende que a implementação seja feita ainda que o modelo não esteja perfeitamente ajustado até o fim do ano. Para ele, eventuais falhas apontariam apenas que o modelo ainda está “distante da eficiência almejada”, que poderia ser atingida por meio de correções e aperfeiçoamentos já com o modelo em completo funcionamento. Atualmente, o chamado Modelo de Despacho Hidrotérmico de Curtíssimo Prazo (Dessem) está sendo adotado apenas na programação da operação, pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), enquanto a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) prepara a adoção para o ano que vem.

“O nosso sistema tem muita flexibilidade devido às hidrelétricas, com as quais se consegue modular a energia facilmente. Enquanto a participação de hidrelétricas na matriz for predominante, a variação do preço horário não deve ser tão grande. Porém, à medida que a participação de fontes não controláveis na matriz cresça, a variação do preço ao longo do dia se tornará mais relevante, e, portanto, quanto mais cedo forem adotados preços horários, mais suave e fácil será essa transição”, reforça o diretor de Assuntos Regulatórios, Richard Hochstetler. Para ele, esse é um bom motivo para as autoridades agilizarem a implementação. “Vai facilitar, o choque será menor do que se postergar isso por mais alguns anos”, completa.

No estudo “Programa Energia Transparente (PET) 2019/2020”, obtido com exclusividade pelo Broadcast Energia, o Acende Brasil destaca como um ponto de alerta o fato de que desde o início do ano o Dessem tem falhado com frequência relativamente alta em divulgar os valores válidos hora a hora até às 16 horas do dia anterior, conforme previsto nos procedimentos de rede (Proret). Em janeiro, o atraso na divulgação ocorreu em mais de 50% do mês, recuando para 15% em maio, levando a uma média, no período de cinco meses, de 31%. Em meio a essas dificuldades, agentes de mercado chegaram a sugerir o adiamento da implantação, mas as autoridades do setor elétrico e representantes do ONS e da CCEE têm afirmado que o cronograma está mantido.

“O modelo ainda tem problemas de convergência, de chegar a uma solução em muitas situações. É um modelo cheio de restrições e, portanto, não é uma otimização simples; isso é uma questão que realmente preocupa e razão pela qual existe esse ano de adaptação. É algo que tem que ser aprimorado ao longo do ano”, afirma Hochstetler, considerando que é essencial uma melhora até o fim do ano.

Embora na impossibilidade da emissão dos valores a tempo haja a previsão de utilização de um plano de contingência, com simplificações que levam a resultados equivalentes ao que ocorre hoje, Hochstetler avalia que é essencial que se tenha efetivamente o “pré-despacho” conforme o previsto, já que por esse plano de contingência não ocorre a efetiva otimização horária. “Temos acompanhado desde o ano passado e é possível observar que já melhorou muito em relação ao início, quando havia uma preocupação muito grande e até questionamentos sobre se seria viável; hoje já está bem melhor, e há coerência com os custos efetivamente incorridos. O modelo está mais aderente, e há condições de se chegar ao ponto que precisamos”, afirmou, citando que ainda restam cerca de seis meses para buscar os aperfeiçoamentos.

Em outra frente, uma pesquisa feita pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) constatou que os agentes ainda não tinham avaliado adequadamente os impactos do preço-horário sobre suas relações comerciais. Mas, neste caso, a avaliação do Acende Brasil é que isso não é limitador para a efetiva implementação do novo modelo, uma vez que a falta de preparo é ruim para as próprias empresas e gerará consequência para entes privados – que deverão arcar com as consequências –, mas não interfere na operação.

“As entidades governamentais estão sendo protagonistas e têm cumprido a pauta, apesar da resistência. E, olhando no longo prazo, há um período de aprendizado, que pode gerar dificuldades e problemas na aplicação, mas este é o caminho a ser seguido. O preço horário está embutindo riscos que agentes terão que assumir, mas estes não são riscos novos: são riscos que já existiram. A precificação correta e explícita permite que os agentes gerenciem melhor esses riscos e levará a melhorias no longo prazo”, concluiu Hochstetler.

Expansão da capacidade

O especialista do Acende Brasil também destaca que a correta precificação da energia – e da remuneração dos ativos – no atendimento às necessidades do sistema, em meio a um cenário de ampliação da presença das fontes com produção de energia “não controlável”, vem provocando alterações no planejamento da expansão e na realização dos leilões de contratação de energia nova. “Tudo vai na direção de dar os incentivos corretos e ensejar uma expansão mais apropriada e mais em linha com as necessidades do sistema”, explica.

Hochstetler cita, como reflexo dessa preocupação, a incorporação de novos critérios na avaliação das necessidades do sistema – incorporando novos fatores na lista de restrições –, que demonstram a preocupação com a potência frente eventual restrição elétrica. “O plano decenal já falava na contratação de potência enquanto não há leilões de lastro estabelecidos, e já há no PNE a discussão para se contratar repotenciação de hidrelétricas para atender a essa demanda – ou resposta de demanda, que seria outra alternativa “, disse.

Diante da adoção desses novos critérios de garantia de suprimento que levam em consideração questões mais voltadas à segurança elétrica, bem como as restrições colocadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) visando ao atendimento das demandas elétricas, o Acende Brasil vislumbra que a contratação de energia para fins energéticos (em volume de MW médios) deve ficar diminuída. Esse prognóstico leva em conta, também, o atual cenário de queda da demanda por causa da pandemia da covid-19. “Apostaríamos que deve haver uma necessidade de contratação pensando mais na dimensão de restrições elétricas; e possivelmente a sistemática de leilões seja construída para atender a essas necessidades”, sugere.

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