Processo contra Enel SP
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou ontem ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em que pede a abertura de processo disciplinar para investigar o que ele chama de “transgressões reiteradas” da distribuidora de energia Enel em São Paulo. Ele cita a possibilidade de cancelamento do contrato por falhas na prestação do serviço de distribuição de energia, menciona o apagão de novembro de 2023 e as recentes quedas de energia no Centro de São Paulo. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o prefeito da capital, Ricardo Nunes, elogiaram a iniciativa. Especialistas criticaram a medida e apontam necessidade de rever exigências contratuais a distribuidoras, além de apontarem cunho político na declaração.
A Aneel disse que já há dois processos para avaliar se a distribuidora tem capacidade de honrar a concessão e se está corrigindo as falhas no serviço.
A caducidade, nome técnico dado para a cassação de um contrato de concessão, pode ser recomendada pela Aneel, depois de verificar que a empresa vem descumprindo obrigações contratuais e não tem condições de manter a prestação de serviços à população. Contudo, a decisão sobre cancelar ou não o contrato é do Ministério de Minas e Energia. A Enel SP atende aproximadamente 7,7 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica em 24 municípios da região metropolitana do estado, incluindo a capital.
Para especialistas, é preciso investir em melhorias no marco regulatório do setor de forma a aumentar os investimentos das companhias de distribuição no país. Ressaltaram ainda a necessidade de serem aperfeiçoados os índices de qualidade para o setor, como os que medem a frequência e a duração das interrupções (chamados de FEC e DEC, respectivamente).
21ª em ranking da Aneel
De acordo com Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, o contrato de concessão define claramente o que pode levar ao pedido de caducidade de uma concessão, como os critérios de qualidade do serviço:
— A Aneel define metas anuais a serem cumpridas pelas concessões. A Enel em São Paulo, apesar das sucessivas falhas, tem cumprido essas metas, pelo menos até 2023. O problema é que o poder concedente se deu conta de que a média em torno de 11 horas de interrupção por ano indica uma qualidade de serviço terrível.
Para ele, é preciso exigir melhorias profundas no contrato de concessão.
— O meio utilizado agora pelo poder concedente para tratar da Enel enfraquece terrivelmente o processo. Expôs o fiscal, que é a Aneel. E a caducidade jamais deve começar com um pedido do poder concedente ao fiscal (Aneel). Isso pode contaminar o processo com variáveis e razões políticas, que estão claras em falas do MME.
Ao determinar a abertura do processo, o ministro pede para ser avaliado se a prestação dos serviços ocorre de forma inadequada ou deficiente; se há descumprimento das cláusulas contratuais ou disposições legais; se a concessionária perdeu as condições técnicas ou operacionais para manter a prestação dos serviços; e se a concessionária deixou de atender intimação da Aneel para regularização dos serviços.
Enel diz cumprir obrigação
Em ranking da Aneel com 29 empresas com mais de 400 mil unidades consumidoras no ano passado, a Enel SP ficou na 21º posição, empatada com a Enel RJ. O indicador considera valores de duração e frequência de desligamentos comparado aos limites definidos pela Aneel.
O ministro alegou “notória insatisfação da população” e “baixo desempenho” como motivos no ofício.
“Os apagões na área de concessão da Enel SP têm levado a uma insatisfação generalizada dos consumidores de energia elétrica, tanto pela frequência como pela duração destes eventos, provocando grande impacto na vida das pessoas e na dimensão financeira decorrente das interrupções das atividades produtivas e comerciais. A classe política, em representação aos interesses da população, também tem se manifestado e cobrado a atuação tempestiva do Poder Público”, afirma o ministro à Aneel.
À GloboNews, Silveira chamou os problemas de “transgressões reiteradas”:
— A Enel tem reiteradamente prestado serviço de qualidade muito aquém do que determina inclusive a regulação.
Mais tarde, Silveira disse que os problemas podem afetar a renovação do contrato de concessão da Enel no Rio, que termina em dezembro de 2026 e pode ser prorrogado por decisão do governo. A Enel RJ atende Niterói, Região dos Lagos e o Norte Fluminense.
Na opinião da professora da Escola de Química da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, as declarações do ministro representam uma “ameaça vazia”. Para ela, esse tipo de declaração desgasta o Executivo e não resolve o problema da distribuição.
— Já houve problema no Sul, no Norte e até no Rio. O setor precisa de reforma, e as redes estão sucateadas. O marco regulatório precisa ser aperfeiçoado. Há várias distribuidoras com problemas.
Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, afirma que a declaração do ministro tem cunho político e não ajuda o setor. Ele diz que retomar a concessão pode encarecer o custo de financiamento das empresas e atrapalhar o processo de renovação das concessões.
— E esse aumento de incertezas traz mais custos, que são repassados para o consumidor, via tarifa. Uma saída é que a Aneel faça a reavaliação dos índices de qualidade. E esse é o trabalho permanente hoje do órgão regulador.
Em nota, a Enel disse que cumpre com “todas suas obrigações contratuais e regulatórias” e que está implementando um plano de investimentos e modernização dos serviços, que inclui aumento do quadro de funcionários próprios. Segundo a distribuidora, até o fim de 2026 serão investidos R$ 18 bilhões no Brasil — sendo que cerca de 80% serão investidos em distribuição de energia.
“Em São Paulo, desde 2018, quando assumiu a concessão, a Enel já investiu R$ 8,36 bilhões, com média de cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, quase o dobro da média anual de R$ 800 milhões realizada pelo controlador anterior. Com isso, os indicadores operacionais DEC (que mede o tempo médio durante o qual cada unidade consumidora fica sem energia elétrica) e FEC (que contabiliza o número de interrupções ocorridas) registraram melhora de quase 50% desde 2017, e estão melhores que as metas estabelecidas pela Aneel”, diz a empresa.
O prefeito de São Paulo afirmou que a abertura do processo é “acertada, porém demorada”:
— Chegou o momento de o governo federal entender toda a problemática e todo sofrimento das pessoas que são clientes da Enel na cidade de São Paulo. É perceptível que a Enel não tem condições para tocar esse processo, falta investimento.
Petróleo para baixar conta
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que é favorável ao término da concessão da Enel. Ele disse à CNN Brasil, que sugeriu o início do processo de caducidade ao ministro semana passada.
Em outra frente, Silveira sugeriu ao presidente Lula e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sejam usados recursos do Orçamento, ou seja, da verba disponível do Tesouro, para baratear a conta de luz. Ele voltou a criticar subsídios a grandes consumidores e disse que uma opção é usar recursos dos leilões da PPSA para minimizar impacto ao consumidor.