Prorrogação de subsídios divide setor elétrico

Data da matéria: 02/09/2022

02/set/2022, Valor Econômico

A decisão da Câmara dos Deputados de estender, por 24 meses, o prazo para entrada em operação de projetos de fontes renováveis com descontos nas tarifas de transmissão (Tust) e distribuição (Tusd) colocou em campos opostos agentes do setor elétrico.

Os que são contra argumentam que a MP tramita há meses no Congresso e trata de questões relativas a impostos sobre combustíveis, mas, em menos de 24 horas, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) incluiu pontos para alterar regras do setor elétrico. Por se tratar de um item estranho ao texto original da Medida Provisória nº 1.118, a manobra foi classificada pelos agentes como “jabuti”.

Nos cálculos da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), os subsídios podem custar cerca de R$ 8 bilhões a serem pagos pelo consumidor brasileiro na conta de luz.

“Aumentaram em dois anos o prazo que o gerador tem para concluir sua obra. Estimamos que eles conseguirão trazer mais 10 mil megawatts (MW) de projetos subsidiados para o sistema e o custo adicional ao sistema será de R$ 8 bilhões por ano, o que dobra o subsídio que já existe hoje (…). Os consumidores brasileiros também passaram por uma crise global enorme. E não devem pagar pela proteção de setores econômicos sujeitos ao risco do mercado”, disse o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, avalia que o Congresso perde credibilidade ao assumir medidas de cunho não técnico e sem discussão. Segundo ele, apresentar, propor e aprovar artigos de lei em cerca de 24 horas significa abandonar de vez o princípio da boa governança legislativa

“Fica demonstrada a leviandade de como o tema é tratado. A boa governança das questões legislativas está de lado. Em uma canetada de um PL passa a ser definido como lei (…). O Congresso se torna palco de favorecimento de grupos de pressão”, diz Sales.

Já os defensores da extensão dos prazos avaliam que o recente contexto de pandemia, guerra e volatilidade dos preços atrapalhou os empreendimentos em andamento, por isso seria razoável uma readequação dos prazos.

No entendimento da Abeeólica e Absolar, associações que representam os setores de energia eólica e solar, respectivamente, a medida equilibra o desarranjo conjuntural.

“Pegamos uma crise global enorme, com a retomada pós-pandemia com pressão de preços e custos das principais commodities subindo. Isso trouxe um problema sério na entrega da cadeia produtiva. Muitos projetos já faziam jus ao desconto e só estão postergando o prazo para a entrega porque já têm a outorga e a garantia paga”, afirma a presidente-executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum.

O presidente-executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, discorda dos números da Abrace. Segundo ele, não se deve banalizar a palavra “jabuti”, pois o legislativo está “arrumando a casa” e é algo diferente do que aconteceu com a MP da Eletrobras. Ele acrescenta ainda que quanto mais eólicas e solares entrarem na matriz, mais os reservatórios das hidrelétricas serão poupados e menor será a necessidade de despacho termelétrico.

“É difícil dizer que isso vai encarecer a conta de luz do consumidor quando a gente não tem a visibilidade de um outro modelo que será implementado para valorar o atributo ambiental e que vai representar um valor financeiro a ser arcado no âmbito do setor”, diz. “A expansão de quais fontes ajudariam o Brasil a reduzir custos, se não a solar e eólica, que são as mais baratas”, indaga Sauaia.

A Abradee, associação que representa as distribuidoras de energia elétrica, disse ter sido surpreendida pela inclusão na MP de temas relacionados ao setor elétrico sem que tenha existido uma discussão com todos os interessados e classificou como “retrocesso”.

“A maior parte desses temas estão inseridos no PL 414 que já tramita há algum tempo no Congresso, sem, no entanto, ser pautada sua votação, e este instrumento sim tem sido objeto de discussões e consensos entre os diversos segmentos impactados”, informou em nota a entidade.

O presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, diz temer por mudanças significativas no teor do texto original da Medida Provisória 1.118/22. Para ele, a interferência política em temas regulatórios pode gerar considerável insegurança jurídica e elevar o risco do setor elétrico.

“Apesar de alguns ‘jabutis’ terem caído antes da votação, os que permaneceram têm relevante impacto, criando ainda mais subsídios e nova ingerência no setor elétrico. O texto aprovado altera o racional das tarifas de transmissão, rasgando a lógica econômica e de uso do sistema – definidos há décadas. Como efeito do artigo terceiro, teremos uma conta ainda mais alta para o consumidor de energia. Além disso, alonga subsídios por mais alguns anos em detrimento da competitividade da indústria e dos consumidores”, analisa.

Outro ponto foi a mudança na metodologia de aplicação do sinal locacional. O tema compete à agência reguladora do setor, a Aneel, e está em processo de terceira fase de consulta pública nº 39/2021. O entendimento de fontes ouvidas pela reportagem é que a medida atropela um rito técnico do órgão competente.

O Valor noticiou que a Abeeólica entrou na Justiça com uma liminar para barrar a mudança de metodologia do cálculo por discordar da decisão da Aneel que pede a nulidade do item que trata da estabilização para algumas usinas, já que isso afeta diretamente a geração eólica no Nordeste, que terá de pagar mais para servir o consumo no Sudeste caso a regra mude.

Após o aval dos deputados, a MP segue para apreciação do Senado, o que deve ocorrer no fim do mês de setembro.

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