Retrocesso
06/jun/2021, Folha de S. Paulo
Política setorial é obra de longa duração e de alto risco. Mesmo que as medidas fracassem, pode ser bastante difícil revertê-las.
Angra 3, por exemplo, foi iniciada em 1981 e ainda não está pronta. Estima-se que serão necessários mais de R$ 14 bilhões para terminá-la ou R$ 12 bilhões para desmontá-la.
Outro caso são os benefícios tributários, distribuídos com impressionante facilidade no Brasil. Recentemente, o Estado de São Paulo tentou reduzir em 20% a desoneração de produtos que pagam menos ICMS do que os demais. Manifestações duras, incluindo tratoraços, constrangeram o governo.
Usualmente, argumenta-se a necessidade de uma proteção temporária para que um setor se torne competitivo. Na prática, por vezes isso não acontece, e as empresas passam a defender que sua sobrevivência depende da manutenção do auxílio oficial.
A proteção à indústria automobilística, Inovar-Auto, converteu-se no Rota 2030. Empresários do setor químico não aceitam o fim do Reiq, o regime especial que os beneficiam. O Pronampe tornou-se permanente.
“Persistência de política” é o termo utilizado por Stephen Coate e Stephen Morris para denominar esse fenômeno. Uma vez criada a proteção setorial, o governo fortalece grupos que dependem do favor oficial e que se organizam em associações para acessar os gabinetes e influenciar o Legislativo.
São muitos os casos em que remover os privilégios de poucos seria benéfico para a grande maioria. Os lobbies, contudo, barram as reformas. Mancur Olson estudou esse problema em um livro clássico, “A Lógica da Ação Coletiva”. Como os benefícios da revogação são difusos, o restante da sociedade não se mobiliza, ao contrário dos grupos de interesse.
Isentar motos de pagar pedágio vai onerar o de carros em pouco centavos. Há também propostas para beneficiar caminhões. De pouco em pouco, vai se construindo uma rede de grupos que usufruem as estradas pagando menos, onerando o restante com pedágio mais caro.
Um caso importante é o setor de energia. Existe uma teia impressionante de subsídios cruzados. Diferentes consumidores pagam preços diferentes. Alguns pagam para usar a linha de transmissão, outros, não.
A lei que privatiza a Eletrobras vai agravar esse quadro. Claudio Sales, Eduardo Monteiro e Richard Hochstetler estimam, no Valor Econômico de 4 de junho, que somente três das novas proteções custarão R$ 8,8 bilhões.
Esse é apenas um exemplo das distorções que têm sido discutidas recentemente pelo Congresso e pelo Executivo. Tem mais na fila, como o subsídio para financiar caminhoneiros e a expansão do conteúdo nacional para o setor de óleo e gás. Estamos nos ancorando no retrocesso.