Seca no país eleva risco de apagões e pressiona preços

Data da publicação: 16/09/2024

Na semana em que o corredor de fumaça dos incêndios no Centro, Norte e Nordeste se alastrou de maneira mais intensa pelo território nacional, tingindo de cinza o céu e reduzindo a qualidade do ar respirado pelos brasileiros, o governo federal passou a considerar as queimadas oficialmente no escopo da crise climática. O atual cenário é provocado pela maior estiagem da série histórica, a campanhada pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden).

E, mesmo que os focos estejam concentrados em Estados como Amazonas, Acre, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, São Paulo e Tocantins, vale lembrar: o que acontece em uma região , a exemplo do que ocorreu no Rio Grande do Sul, em maio, não se limita às fronteiras geográficas, e tem potencial para desequilibrar aspectos macroeconômicos em todo o país.

Nesse caso, além de um pacote de medidas emergência is, prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita ao Amazonas na quarta-feira e que envolve ações contra a seca ea criação de uma autoridade climática nacional, o sinal de alerta está apontado para dois setores que, juntos, respondem por um quarto da atual composição da inflação oficial do país, medida pelo IPCA.

Trata-se da energia elétrica e dos alimentos. No primeiro, cálculos do Instituto Acende Brasil já indicam que o impacto tem potencial para elevar a inflação em cerca de 0,75 ponto percentual até o final deste ano (confira no texto ao lado). No segundo aspecto, o economista da Farsul, Antônio da Luz, explica que, do ponto de vista da produção agrícola, as queimadas combinadas com a falta de umidade podem atrasar o plantio de grãos, o que é sempre uma condição “muito ruim”.

– Até porque o Centro-Oeste brasileiro já vem de uma safra prejudicada por estiagem. Então, um eventual atraso das variedades mais preçoces (sobretudo de soja) seria danosa para o setor, do ponto de vista econômico resume, ao lembrar que, por enquanto, isso não está no radar.

Carne mais cara

Por outro lado, na pecuária, já há implicações, e o valor da carne bovina é a preocupação. Primeiro, porque está em queda livre (no Estado caiu 12%, em umano) e para subir, acrescenta Da Luz, não é nada difícil.

O segundo aspecto ocorre porque parte da retração recente dos custos encontra correlação com a maior quantidade de abates de matrizes. Isso acontece porque aseca afeta a disponibilidade e a qualidade das pastagens e rações, antecipando o período de cortes, em consequência da falta de alimentos para o gado. O excesso de oferta, hoje, explica o economista da Farsul, será a escassez de produtos amanhà, o que prenuncia a elevação dos preços em 2025.

Da mesma forma, frutas, hortaliças, açúcar e café, em razão de queimadas verificadas em plantações de cana e cafézais, já pesam mais no bolso dos consumidores, diz o economista.

Pressão na conta de luz

Outro setor exposto aos efeitos da estiagem, o elétrico, tem o sistema responsável pela transmissão no pais abastecido por barragens e reservatórios de água.

Segundo Claudio Sales, presidente do observatório do setor energético Acende Brasil, no caso das chamadas vazões afluentes, ou seja, a água que entra nos reservatórios para acionar as hidrelétricas egerar energia, asituação ainda é confortável em razão da sobra de chuva do ano passado, mas pode preocupar no futuro.

Ele explica: para evitar a redução dos atuais níveis, tendo em vista que os modelos meteorológicos indicam o prolongamento da seca, o Comité de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) acionou a geração por termelétricas, mais poluentes e onerosas, pois ao invés de água, utilizam combustiveis fósseis a preço mercado para gerar energia.

– E diferente de você esperar para um momento de agravamento, em que os reservatórios não tenham vazão. Não sabemos o futuro e se será necessário acionar toda e qualquer termelétricô, mesmo as muitissimo mais caras – resume.

ENERGIA ELÉTRICA Na sexta-feira, os reservatórios de água do Sistema Integrado Nacional (SIN) acumulavam Só, é 9% da capacidade, segundo os dados em tempo real do Operador Nacional do Sistema. No ano passado, em igual período, estavam acima de 70%. Em 2021, no pior momento da crise hídrica naquela ocasião, estavam abaixo de 30%. No atual patamar, não há alertas de desabastecimento, mas como a geração de energia funciona com base em demanda, há riscos não descartados e monitorados de apações.

BANDEIRA VERMELHA Cálculos do Instituto Acende Brasil indicam que o impacto da bandeira vermelha tem potencial para elevar a inflação em cerca de 0,75 ponto percentual até o final deste ano. Isso acontece porque a energia elétrica corresponde a 3,96% da inflação oficial medida pelo IPCA.

AGRONEGÓCIO E ATIVIDADE ECONÔMICA Se por um lado o agronegócio não demanda tanta energia, por outro necessita de muita água, sobretudo nos períodos de estiagem para ativar sistemas de irrigação. Os efeitos de eventual redução de safra, ainda fora do radar, também carregam na esteira a elevação dos custos na lavoura.

STF estabelece regime de emergência climática

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STE), autorizou a emissão de créditos extraordinários, fora da meta fiscal pelo governo federal, para o combate aos incêndios que afetam 60% do território brasileiro. A decisão, assinada ontem, determina que a medida não afetará os balanços do governo até o fim do ano. O arranjo é parecido com o chamado Orçamento de Guerra, em vigor durante a pandemia de covid-19.

Segundo o Gl, Dino também flexibilizou a regra para contratação e manutenção de brigadistas, derrubando o prazo de três meses, em vigor atualmente, para a recontratação de efetivo que já prestou serviço na mesma área. O documento aponta a necessidade da participação da Polícia Federal nas investigações sobre ação humana nas queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Impacto

O ministro opinou que as consequências negativas para o orçamento da União serão maiores com o impacto nas atividades produtivas em áreas afetadas pelos incêndios do que pela flexibilização da medida nos últimos meses do ano fiscal.

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