Sem mais hidrelétricas

Data da publicação: 18/01/2021

18/jan/2021, O Globo – O Brasil terá este ano o menor aumento de capacidade de geração de energia elétrica registrado desde 2012, enquanto convive com uma das maiores secas nas regiões das principais hidrelétricas nos últimos 90 anos, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME). Essa situação, aliada à possibilidade de crescimento econômico nos próximos anos, despertou no governo a necessidade de reformular o planejamento para diversificar a expansão das formas de geração de eletricidade, com maior ênfase em termelétricas.

A falta de chuvas gerou até campanha do governo federal em TV aberta sobre o uso consciente de água neste início de ano. Na próxima década, o governo aposta na construção de oito vezes mais usinas termelétricas e de fontes renováveis, como eólica e solar, em comparação ao crescimento previsto da geração hidrelétrica.

Nas térmicas a gás, o governo planeja a instalação de 16.751 megawatts (MW) de energia — acima da capacidade atual de geração, de 15.199MW. Para energias renováveis, a previsão é instalar 16.363MW de usinas eólicas e 5.332MW de solares.

Para efeito de comparação, o sistema elétrico nacional conta hoje com 3.710MW de energia solar e 18.240MW de geração eólica, que vem batendo recordes, especialmente no Nordeste. Para as hidrelétricas, a previsão é instalar apenas 4.537MW.

Esse cenário vai reduzir a fatia da geração de hidrelétricas na matriz energética do país de 58% em 2021 para 49% em 2030, enquanto as eólicas pularão de 9% para 13%. O planejamento também prevê a expansão da chamada geração distribuída, quando a energia é gerada no local de consumo ou próximo a ele, como placas solares em telhados de residência — a modalidade sairá de 7% para 14% da capacidade instalada do país.

Apesar dessas previsões, o ano de 2020 foi marcado pela não realização de leilões de energia nova, adiados por conta da pandemia e da retração da economia, que reduziu o consumo. É por isso que, neste ano, o Ministério de Minas e Energia prevê nove leilões de geração e dois de transmissão.

— O ano de 2021 será de muito trabalho no planejamento e execução desses leilões — diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral.

Custo de transmissão

A previsão, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é que entrem em operação neste ano 4,7 mil MW de eletricidade a partir de termelétricas, usinas eólicas, solares, de biomassa e pequenas hidrelétricas. Como base de comparação, 4,9 mil MW correspondem a uma potência suficiente para atender a 6,1 milhões de pessoas, pouco menos que a população da cidade do Rio, de 6,7 milhões.

O cenário é visto com atenção por especialistas do setor elétrico, já que há uma perspectiva de recuperação da economia nos próximos anos, com o início da vacinação contra a Covid-19. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê um crescimento médio anual da demanda de 3,6% até 2025.

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ (Gesel), Nivalde de Castro, descarta risco de faltar energia a curto prazo, mas ressalta que os leilões são necessários para equilibrar o setor:

— É tudo uma questão de planejamento. Além disso, o desafio é continuar tendo chuva para manter as hidrelétricas cheias.

Para o futuro, Luiz Augusto Barroso, ex-presidente da EPE e atual presidente da consultoria PSR, afirma que as fontes renováveis serão protagonistas da expansão da geração no Brasil. Segundo ele, essas fontes hoje são mais baratas que outras alternativas. Esse cenário, por outro lado, irá exigir do setor elétrico alternativas que complementem a matriz, já que essas fontes são intermitentes, pois dependem de sol e vento.

— Historicamente, as hidrelétricas sempre prestaram esse serviço, e isso permitiu ao Brasil ter uma matriz de geração muito renovável. Mas, olhando para frente, não teremos mais hidrelétricas, por razões não só ambientais, mas de competitividade econômica — afirma.

O Brasil ainda tem capacidade disponível para construir hidrelétricas. Mas 77% do potencial pesquisado pelo governo estão em áreas protegidas, como terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação. Além disso, são áreas distantes dos grandes centros consumidores, o que encarece o custo da transmissão.

Mudanças climáticas

Barroso diz ainda que o país precisará incluir no planejamento setorial as restrições causadas pelas disputas por usos múltiplos das barragens das hidrelétricas, além das mudanças climáticas:

— O setor elétrico vai precisar fazer um estudo sério sobre a verdadeira disponibilidade hídrica para a geração de energia e entender melhor os efeitos das mudanças climáticas nessa disponibilidade hídrica. Esses fatores podem ser condicionantes para mudar a forma como o sistema brasileiro é gerenciado.

O diretor do Instituto Ilumina, Renato Queiroz, ressalta também a importância da fiscalização das obras. Dados da Aneel apontam que 391 dos 991 projetos de energia previstos para entrar em operação entre 2021 e 2028 estão em atraso. Dos 38.938MW previstos, 15.100MW estão com o cronograma original.

— O governo precisa fiscalizar mais e saber o que de fato vai sair do papel. Os projetos precisam ser monitorados. Há uma demanda reprimida grande no Brasil e, a depender do crescimento econômico, haverá alta no consumo, mas esse cenário é muito incerto, já que não há um ambiente confortável para investimento — lembra Queiroz.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, destaca ainda a necessidade de investir em transmissão de energia e subestações de eletricidade:

— São 37 mil quilômetros, até 2030, de expansão de linhas de transmissão. Atualmente são 157 mil quilômetros, além disso, tem que modernizar o parque atual. O sistema de transmissão tem que se antecipar à geração, mas há um alto grau de incerteza.

Procurado, o MME disse que a expansão da oferta de energia elétrica considera várias fontes e recursos energéticos disponíveis, de forma a contribuir para a segurança energética, a competitividade e a sustentabilidade.

A pasta acrescentou que, nos próximos dez anos, sete novas usinas hidrelétricas podem, eventualmente, entrar em operação. E outras 15 têm condições de se viabilizar após 2030. O órgão reconhece haver dificuldades por conta de processos e prazos envolvidos na obtenção de licenças ambientais.

O MME cita ainda a necessidade de garantir segurança ao sistema, o que virá das termelétricas a gás. Estas, ressalta, ajudarão a enfrentar períodos de estiagem (que prejudicam as hidrelétricas) e a instabilidade inerente às usinas eólicas e solares.

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