Sem reduzir conta de luz, acordo de Itaipu financia obras até em MS

Data da matéria: 12/05/2024

O acordo celebrado entre Brasil e Paraguai envolvendo as operações da usina de Itaipu tem sido alvo de fortes críticas de entidades do setor elétrico. Em vez de baratear a conta de energia elétrica para os consumidores brasileiros, o governo optou por destinar recursos da hidrelétrica para obras e projetos que fogem do escopo da usina, como a construção de pontes, estradas e o financiamento de uma universidade, que não passam pela fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) nem do Congresso brasileiro.

 

Depois de 50 anos, os empréstimos contratados pelo Brasil para a construção da usina foram totalmente quitados, em fevereiro de 2023. Para o setor elétrico, a redução dessa despesa deveria ter sido repassada totalmente para a conta de luz, o que faria a tarifa da usina para o consumidor cair cerca de 30% – de US$ 16,71 o megawatt-hora (MWh) para menos de US$ 12.

 

Segundo o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia Elétrica, Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o fim dos empréstimos vai representar uma redução de custos de R$ 2 bilhões por ano entre 2024 e 2026. No total, esses R$ 6 bilhões poderiam tornar a conta mais barata, mas esses recursos serão usados para os mais variados projetos nos Estados de Mato Grosso do Sul e Paraná e até para o financiamento da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será realizada em novembro do ano que vem, em Belém do Pará.

 

“Não é função do consumidor de energia bancar gastos socioambientais. A nossa proposta,

 

Claudio Salles Presidente do Instituto Acende Brasil que foi encaminhada ao Ministério de Minas e Energia, era ter essa economia de R$ 2 bilhões por ano até 2026 reduzindo a conta de luz. Mas essa ideia parece que nem foi aventada”, afirmou Barata.

 

‘INDECÊNCIA’. A especialista em energia e colunista do Estadão Elena Landau chamou a atenção para o problema na última sexta-feira. Em seu artigo, ela classificou como uma derrota e “indecência” o acordo para os consumidores brasileiros.

 

“A usina sempre fez gastos em projetos sociais, mas em torno da sua área de influência. Agora, estamos vendo gastos em todo o Paraná, Mato Grosso do Sul e até na COP30, em Belém, no Pará. Se a noção de gasto socioambiental for ampliada, Itaipu vai ter de cuidar do Brasil todo”, afirmou Elena.

 

Até 2022, os gastos socioambientais de Itaipu contemplavam 54 municípios no Paraná e apenas um município em Mato Grosso do Sul. Já em 2023, com o término do pagamento dos empréstimos sem a redução da tarifa, o número saltou para todos os 399 municípios do Paraná e para 35 em Mato Grosso do Sul. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda anunciou que mais R$ 1,3 bilhão será destinado a projetos de infraestrutura em Belém, para a conferência climática.

 

“O presidente Lula manifestou recentemente a preocupação com o elevado custo da energia para os brasileiros. Pois, esse convênio segue no caminho inverso dessa preocupação, ao fazer com que os consumidores de energia paguem na conta R$ 1,3 bilhão que não deveriam pagar”, disse o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Salles.

 

“O presidente Lula manifestou recentemente a preocupação com o custo da energia para os brasileiros. Pois, esse convênio segue no caminho inverso dessa preocupação”

 

COMPONENTE POLÍTICO. Há ainda o receio de que um componente político esteja por trás desse aumento de gastos. O diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, é ex-deputado federal pelo PT. Ele abriu mão do cargo para assumir a usina. Como Paraná e Mato Grosso do Sul são governados por políticos que fazem oposição ao governo Lula, esses recursos poderiam ser usados para melhorar a imagem do governo federal na região.

 

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, é também deputada federal pelo Paraná, e a primeira-dama, Janja da Silva, trabalhou na Itaipu Binacional. Parte desses recursos para gastos socioambientais, por exemplo, foi usada para a construção de abrigos para emas no Palácio do Alvorada.

 

Procurada, Itaipu afirmou em nota que a decisão pelo acordo foi tomada pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O diretor-geral da Itaipu, Enio Verri, disse que abriu mão do mandato para dirigir a empresa e não tem pretensões políticas no cargo.

 

Em nota, o Ministério de Minas e Energia informa que, “sobre a tarifa, o referido termo tratou do valor referente a estes primeiros anos, além de apresentar uma perspectiva para depois de 2026. Ou seja, o termo mantém o (valor) fixado em US$ 19,28 até 2026, mantendo o preço para o consumidor brasileiro, para depois reduzir na faixa de US$ 10 e US$ 12”. Ainda segundo o MME, “essa premissa será incorporada nas tratativas do Anexo C, que vai ser negociado até 31 de dezembro, para que não sejam adicionados gastos discricionários após 2026”.

 

O Ministério de Minas e Energia também acrescentou que, dentro da tarifa aprovada na resolução da Aneel, os gastos socioambientais estão mantidos. “É importante destacar que o governo brasileiro não optou por aumentar gastos sociais. Dentro das negociações com o Paraguai, ficou acertado que haveria aumento do lado paraguaio, mantendo no lado brasileiro a mesma tarifa do ano passado”, conclui a nota.

 

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