Sistemas isolados: mais renováveis e menos diesel
Definidos como sistemas de distribuição de energia que não estão conectados ao Sistema Interligado Nacional por motivo técnico ou econômico, os sistemas isolados estão presentes na sua maioria na região Norte do país. Em 2023, são 176 localidades nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.
A figura do isolado pode trazer em um primeiro momento a região remota, mas grandes cidades, como Cruzeiro do Sul, a segunda maior do Acre, e Boa Vista, em Roraima, estão nessa modalidade. O município roraimense é a única capital que ainda não está conectada ao SIN. Ao longo da segunda metade deste século, a transmissão avançou no país, na esteira das hidrelétricas que foram implantadas no Norte. Rondônia, Amapá e Amazonas foram estados conectados à rede. O Mato Grosso, que tinha sistemas, deixou de fazer parte dos isolados em 2022.
Em 2023, os sistemas isolados devem representar cerca de 0,6% da carga no SIN, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico. A geração dos sistemas é subsidiada pela Conta de Consumo de Combustíveis e apesar do valor ínfimo de carga, o montante previsto para esse ano é de R$ 12 bilhões. O valor está inserido na conta de Desenvolvimento Energético, que esse ano será de R$ 34,9 bilhões e o valor será rateado pelos consumidores de energia.
No último dia 3 de maio, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e os sistemas isolados estiveram na apresentação feita aos parlamentares. Ao falar sobre a expansão da transmissão e a descarbonização no Norte, o secretário de Energia do MME Gentil Nogueira citou a conexão ao SIN da região de Parintins (AM), que é o segundo maior isolado do país, com 300 mil habitantes. A interligação, prevista para o fim de maio, vai trazer uma economia de R$ 500 milhões ao ano.
A outra interligação que Nogueira mostrou aos deputados federais é a de Boa Vista, através da LT 500 kV Lechuga-Equador-Boa Vista. O empreendimento de 715 quilômetros terá investimento de R$ 1,1 bilhão mas as obras não saíram do papel. Leiloado em 2011, o empreendimento até hoje não iniciou as obras por problemas na emissão de licenças. O linhão tem 123 quilômetros em terras indígenas, o que vinha impedindo a sua construção. A licença de instalação foi emitida em 2021 e as obras nas terras indígenas devem começar em julho deste ano. A previsão é que a linha entre em operação em setembro de 2025.
“Não existe solução estrutural para garantir ao sistema de Roraima a mesma qualidade do fornecimento de energia que não pela interligação”, avisou Nogueira aos eputados. A participação de Roraima na CCC supera R$ 1 bilhão por ano. Parintins e Cruzeiro do Sul também deverão trazer um alivio significativo à conta.
De acordo com Nogueira, a obra é vista como uma das mais importantes tanto pela ótica da melhoria da qualidade do atendimento de Boa Vista quanto pela redução dos custos da CCC. O sistema roraimense é o de custo mais alto do encargo. O secretário afasta eventuais chances de novos entraves por licenciamento interromperem as atividades no canteiro.
Com a eleição do presidente Lula e a retomada do diálogo com a Venezuela, Nogueira revelou à Agência CanalEnergia que existe a expectativa da hidrelétrica de Guri (10.200 MW) voltar a fornecer energia para Roraima enquanto o linhão não fica pronto. Essa retomada também acarretaria redução na CCC. Até 2019, essa UHE era supridora de Roraima e após uma série de apagões no lado vizinho, o fornecimento foi suspenso e as térmicas a diesel foram acionadas desde então. A disponibilidade de energia venezuelana e transmissão ainda precisariam ser verificadas.
“Se essa energia chega com preço mais barato que as termelétricas que hoje atendem Boa Vista, consigo uma redução da CCC antes mesmo de fazer a interligação, que também trará redução da conta”, aponta. Com o linhão pronto, a energia de Guri também poderia ser negociada no Brasil e o diálogo na área de energia entre as nações voltaria. A LT que liga os dois países foi inaugurada em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, o secretário de Planejamento e Transição Energética do MME, Thiago Barral, detalhou as estratégias do Governo Federal para os isolados. Ele conta que há uma predominância forte do diesel e que a intenção é reduzir essa presença e descarbonizar a região amazônica. O MME vem fazendo um levantamento de regiões elegíveis de interligação pela distribuição ou transmissão. A agregação ao SIN muda a matriz energética, passando a ter predominância renovável. Outro instrumento são os leilões de sistemas isolados. O ministério tem buscado aprimorar o mecanismo, dando mais força para as soluções de suprimento que tenham uma pegada menor de geração a diesel. “Isso a gente já experimentou em leilões anteriores, mas queremos aprofundar e ser mais assertivos em relação ao que já foi feito, ou seja, não descartamos metas de renovibilidade”, avisa.
Barral também coloca a sub-rogação da CCC como um dos instrumentos para a mitigação da geração a diesel. O mecanismo consiste em um incentivo financeiro concedido para estimular a substituição da geração térmica com combustíveis derivados de petróleo por outras fontes. A adoção de uma geração renovável, projeto de eficiência energética, interligação com rede ou armazenamento pode trazer uma redução estrutural na conta a longo prazo. Mas ele alerta que a sub-rogação deve ser dosada de forma a não impactar a conta no curto prazo. “É um instrumento importante porque pode acelerar, alavancar os investimentos na descarbonização e com isso o próprio custo estrutural da CCC”, comenta.
Além dessas alternativas, o governo também conta com o 70% do fundo criado com recursos da privatização da Eletrobras, que deve reunir R$ 3 bilhões em dez anos. Um dos objetivos do fundo é a redução estrutural de custos da CCC na região Norte. O fundo já tem comitê gestor, regimento interno e está na fase de elaboração do plano de investimento para que sejam definidos quais tipos de projetos estarão elegíveis ao fundo.
O leilão de isolados previsto para esse ano ainda carece de confirmação e pode ser adiado para o ano que vem. O secretário frisa que o processo pela busca gradativa na redução da participação do diesel demandará cautela para que o custo dos investimentos não suba de modo exponencial. “Temos que encontrar esse ponto de equilíbrio das metas de descarbonização frente aos recursos dos investimentos necessários para entregar esse resultado, assim como também a economia na CCC”, pondera.
A Brasil Bio Fuels, que atua na produção de biodiesel a partir do óleo de palma, tem se destacado nos leilões de sistemas isolados. Criada em 2008, ela venceu seu primeiro em 2015 e hoje fornece 174 MW e deve chegar a 238 MW, colocando esse ano dez UTEs em operação. O CEO da companhia, Milton Steagall, comemora a chance de poder usar o potencial da biomassa da região para geração de energia, além do impacto econômico com a geração de empregos. ao fim do ao, serão sete mil vagas. “A gente tem uma certeza que o nosso modelo é o melhor para substituir o diesel.”, aponta. A BBF deve investir esse ano R$ 430 milhões e também estuda participar de certames de capacidade.
O executivo vê o governo atual ávido por aplicar essas soluções sustentáveis à realidade, ao passo que o governo anterior tinha um foco maior no preço. Mas ele alerta que é preciso cuidado no processo de descarbonização dos sistemas isolados da Amazônia. De acordo com ele, nem toda fonte renovável pode ser aplicada em todos os estados. Steagall dá como exemplo a fonte solar, que poderia enfrentar dificuldades nas áreas de floresta por conta da biodiversidade, clima e manutenção nas placas.
Mas o MME está atento a essa sintonia com a solução renovável. Barral reconhece que as localidades são diversas e que se em alguma região o biodiesel é a solução, em outra pode ser o biogás, a solar, baterias ou mesmo o uso de gás natural. Tudo deve estar dentro de um conceito de sustentabilidade inserido no planejamento. “Temos que ter a flexibilidade para entender as características locais de cada sistema isolado”, observa. Projetos que aliam a fonte solar com baterias estão sendo apresentados e podem tomar força. O secretário Gentil Nogueira também abriu as portas para todos os tipos de solução.
Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, destaca o alto valor da CCC nos últimos anos. Ele considera a construção do linhão fundamental para o sistema e a redução nos gastos com o diesel. Sales vê espaço para mudança nos modelos atuais de suprimento, aposentando os geradores a diesel e adotando aplicações que combinem baterias com fontes limpas. “Faz todo sentido e também traz economia significativa, além do aspecto ambiental”, explica.
Com 94 isolados, o Amazonas é o estado com mais sistemas isolados. Um dos destaque é Guajará, que será atendida pela localidade de Cruzeiro do Sul, no Acre. O mercado consumidor dos sistemas isolados da Amazonas Energia é na sua maioria residencial, com 56% de participação total no consumo, sendo seguido pelo setor comercial, com 15%. Apesar do alto número de sistemas, nos próximos anos está prevista a conexão de apenas seis localidades além de Guajará: Humaitá, Itacoatiara, Itapiranga, Parintins, Rio Preto da Eva e Silves.
Radyr Gomes, diretor de Relações Institucionais da Amazonas Energia, conta que atuar nos sistemas do estado não é simples, se transformando em um grande desafio. Com muitos rios, períodos de cheias e secas influenciam na logística e transporte, trazendo dificuldades. Para ele, levar a energia para a população ribeirinha e as comunidades isoladas do estado é uma missão, por conta de todas as dificuldades.
O diretor comemora as novas conexões ao SIN no estado. Apesar da geração térmica isolada ser confiável, a conexão trará mais capacidade a essas cidades, o que pode fomentar a sua economia. Em algumas regiões, o diesel chega pelas estradas mas em Parintins vai por meio de balsas. Segundo Gomes, na cidade de Embira o abastecimento tem que ser feito a cada seis meses, pela impossibilidade do acesso em determinados períodos do ano.
Gomes também elogiou a disposição do MME em tornar os sistemas isolados mais limpos. “Zerar o diesel é impossível, mas pode amenizar muito o consumo para geração de energia no interior do Amazonas. O Programa ‘Mais Luz na Amazônia’ leva energia para regiões remotas, mas nesse caso, para locais em que ainda não há eletrificação”, observa.
Na Equatorial Pará, o desafio dos isolados da área de concessão da distribuidora está nas condições de comunicação e infraestrutura logística, como o a acesso a estradas, portos, aeroportos, transporte, hospedagem e alimentação, além de menor disponibilidade de serviços e materiais básicos para execução de obras. De acordo com Giorgiana Pinheiro, Gerente de Geração da Equatorial Pará, hoje são 17 sistemas isolados, que atendem aproximadamente 72 mil unidades consumidoras.
Segundo ela, a Equatorial tem uma equipe dedicada para atuar no mercado isolado. A concessionária é responsável pela operação e manutenção dos sistemas isolados. Segundo o ONS, o consumo nos isolados da Equatorial Pará tem predominância da classe residencial, responsável por 62% do consumo, seguido da classe comercial, com 12% de representatividade. O estado tem ainda uma peculiaridade, que a presença da Vibra Energia como distribuidora de energia para o isolado que supre o cliente industrial Alcoa.
Em abril, o MME divulgou o ranking dos sistemas isolados aptos a fazerem parte do Programa Pró-Amazônia Legal. São 111 localidades que somam 1,43 milhão de habitantes nos estados Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia e Roraima. Desse grupo, 15% das localidades aptas apresentam nível de perdas máximas acima de 60%. O Amazonas concentrou 89% dos Custos Totais de Geração e 79% da Geração Total Anual em 2022.
A Empresa de Pesquisa Energética estima que em 2024, com a entrada em operação das usinas contratadas nos leilões de 2019 e de 2021, cerca de 58% da geração ainda ocorra a partir de usinas a óleo diesel. A expectativa do ONS é que esse ano os estados do Acre, Amazonas, Roraima e Pará recebam novas usinas geradoras.
Concentrados na região Norte, o arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, é o único sistema isolado que está fora dessa região. Pela sua natureza, a conexão ao SIN torna-se inviabilizada. A UTE Tubarão, de 5 MW é movida a diesel, supre o paradisíaco conjunto de ilhas, que apesar das 1.100 unidades e 3 mil habitantes, chegou a receber 150 mil turistas em 2022. Há ainda uma subestação para elevar a tensão. A Neoenergia é a distribuidora, que tem a maioria dos clientes na baixa tensão, mas também há consumidores como o hospital, a Base local da Aeronáutica e a concessionária de água e esgoto. “Ela é dotada de complexidades semelhantes às cidades de uma forma geral”,
De acordo com André Luiz dos Santos, superintendente técnico da Neoenergia Pernambuco, um dos grandes desafios na logística da geração é o transporte do combustível. O óleo sai de Recife através de navios tanque com capacidade de 180 mil litros em média de uma viagem por semana. Em terra, ele é transportado por caminhões até os tanques da usina, suportam até 240 mil litros e permite autonomia de dez dias para Fernando de Noronha.
A Neoenergia tem uma série de iniciativas em prol da energia renovável nesse sistema isolado. Usinas solares, veículos elétricos e iluminação pública são alguns deles. Há em andamento o projeto de mais uma usina solar flutuante, no açude do Xaréu.
Segundo Santos, a Neoenergia tem avaliado constantemente alternativas ao diesel. Está em avaliação um projeto de Pesquisa & Desenvolvimento um protótipo de bateria ao lado da UTE que injetaria energia no horário de carga leve, contribuindo para redução de geração e queima de óleo. “Isso é possível no mundo tem experiências de baterias maiores e é fruto constante e análise e estados da nossa parte”, observa. Ele conta que a necessidade da chamada energia firme no sistema – uma vez que as renováveis são intermitentes – faz com que a térmica não seja abandonada.