Subsídio à energia solar vira queda de braço
16/mai/2021, O Globo
A discussão na Câmara do novo marco regulatório da geração distribuída de energia elétrica, modelo em que consumidores instalam painéis solares em suas casas ou empresas integrados à rede local, tem levado a uma guerra de pressões setoriais sobre deputados a respeito de como devem ser tratados os subsídios que beneficiam hoje esse segmento de fonte renovável.
O tema vem ganhando relevância com o rápido crescimento da geração solar no país, que contribui para a predominância das fontes renováveis na matriz energética brasileira. A potência instalada saltou de 1.160 MW em 2017 para 8.813 MW este ano, sendo que 62% da marca atual são de geração distribuída.
As regras atuais desse tipo de geração, elaboradas em 2012, preveem uma espécie de subsídio cruzado. A proposta de marco regulatório prevê uma transição para acabar com esse subsídio em um prazo que varia entre um e oito anos, mas estipula que os projetos que entrem em vigor até um ano depois da aprovação da legislação se beneficiem da regra atual.
Atualmente, quem decide aderir ao modelo da geração distribuída conecta seus painéis solares ao sistema de uma distribuidora de energia elétrica. Utiliza toda a infraestrutura da distribuidora, que também contabiliza o trânsito da energia. Uma residência com teto solar, por exemplo, alimenta a rede e acumula créditos por essa energia por até 60 meses. A distribuidora fornece energia quando não há geração, como durante anoite.
A polêmica está no fato de as grandes distribuidoras não serem remuneradas pelos geradores de energia solar conectados às suas redes pelo modelo de geração distribuída. Os custos fixos e até mesmo os encargos e impostos dessa prestação do serviço são rateados entre todos os consumidores do mercado cativo, cuja maioria não tem geração própria de energia.
Na visão de entidades como Abrade e (das distribuidoras de energia), Abrace (dos grandes consumidores industriais e do mercado livre) e Idec (dos consumidores), isso provoca distorções no mercado e prejudica a maior par tedos consumidores. Esse grupo não está satisfeito coma proposta do novo marco, alegando que mantém distorções.
PRESSÃO PARA VOTAR LOGO
No campo oposto, empresários e investidores do setor de geração distribuída e equipamentos que são favoráveis ao projeto —aglutinados nas entidades Absolar (associação de energia solar), ABGD (de geração distribuída) e Inel (Instituto Nacional de Energia Limpa) — pressionam para o texto ser votado nos próximos dias.
O texto tramita em regime de urgência, não foi analisado por nenhuma comissão e já entrou e saiu da pauta do plenário sucessivas vezes na última semana. Se for aprovado na Câmara, vai ao Senado.
A discussão sobre o fim desse benefício chegou a ser iniciada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2019. À época, o órgão regulador propôs uma série de cenários para reduzir os benefícios, que a própria agência estimou serem de R$ 55 bilhões entre 2020 e 2035.
Atendendo a empresários de geração distribuída, o presidente Jair Bolsonaro paralisou as discussões em 2020. O projeto do novo marco teve ao menos cinco substitutivos apresentados pelo relator, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), visto no setor elétrico como próximo ao segmento da geração distribuída. Gera incômodo nos opositores do projeto o fato de que um investidor do setor, Ricardo Costa, seja assessor técnico de Andrada no projeto.
— Ele é um dos assessores. Eu escuto o mercado todo, os favoráveis e contrários ao projeto também — diz o deputado. — O texto já propõe corrigir distorções e fazer com que os consumidores remunerem as distribuidoras. Os opositores reclamam que seja mantida a regra atual para quem já usa o modelo, mas issoé necessário par adar segurança jurídica aos investidores.
Para Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, esse argumento não faz mais sentido. Ele diz que os deputados deveriam ouvir técnicos da Aneel e dos ministérios de Minas e Energia e da Economia antes de votar:
— A energia solar é eficiente e competitiva. O benefício vigoroso pode ter tido sentido no passado, mas não agora. Nos últimos dez anos, o custo das placas caiu 70%, e a eficiência dos equipamentos aumentou em média 30%.
INVESTIDORES LUCRAM
Além disso, Sales questiona o benefício dado também a investidores nas chamadas fazendas solares, que geram até 5 MW de energia e vendem cotas para consumidores residenciais poderem ter desconto na conta de luz.
—Quando isso foi concebido, pensava-se no sujeito que colocava placa solar em casa, mas foi flexibilizado e ampliado para criar condomínios. Hoje há grandes empresas que investem nisso —diz.
Marcos Aurélio Madureira, da Abradee, concorda:
— Os investidores de geração distribuída têm retorno do investimento em quatro anos, não usual em infraestrutura, porque não pagam custos das distribuidoras. Estimamos que o projeto como está gere um custo de R$ 130 bilhões em subsídios até 2050. A distribuidora não fica com o prejuízo, repassa ao consumidor.
Também crítico do projeto, Clauber Leite, do Idec, diz que o texto mantém a contradição de estimular a adesão à geração distribuída de consumidores de maior poder aquisitivo onerando os mais pobres, que ficam no mercado cativo:
—O benefício foi uma política pública importante para expandir a geração distribuída, mas hoje quem tem condição de investir em placas solares é financiado por quem não tem.
BENEFÍCIOS INDIRETOS
Do outro lado, a Absolar argumenta que o benefício dado não é um subsídio direto, e que o setor fez concessões para aprovar a matéria.
— A geração distribuída traz benefícios elétricos, sociais e ambientais suficientes para cobrir quaisquer custos que gera ao sistema elétrico — diz Bárbara Rubim, vice-presidente da entidade, citando o cálculo de uma economia de R$ 150 bilhões até 2050 com redução da demanda de termelétricas com mais geração solar.
— O marco prevê o pagamento de forma gradual, de acordo com o porte e a modalidade do projeto. Nas melhores práticas no mundo, a geração distribuída paga pelo uso da rede cerca de 10% da tarifa. A proposta varia de 25% a 38%. O setor já aceitou pagar maisque a prática internacional.