Subsídio à geração distribuída poderia ser pago pelo Tesouro, sugere Ramos

Data da publicação: 13/04/2021

13/abri/2021, Poder 360

O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, sugeriu nesta 3ª feira (13.abr.2021) que o subsídio concedido a concedidos a beneficiários da geração distribuída de energia solar fotovoltaica seja bancado pelo Tesouro Nacional.

“O Estado brasileiro pode tomar uma decisão de subsidiar com recursos do Orçamento a energia para o agronegócio. O que não pode é o usuário que não tomou a decisão de pagar pela energia do agronegócio pagar pela energia do condomínio de luxo que contrata GD [geração distribuída], afirmou.

A declaração foi feita durante o seminário virtual “Energia solar distribuída: os caminhos para o equilíbrio”, realizado pelo Poder360 em parceria com o movimento “Energia só é limpa se for justa”, que reúne associações e empresas do setor elétrico.

O congressista se referia ao projeto de lei 5.829/2019, que trata da regulamentação desse tipo de sistema e está em tramitação na Câmara dos Deputados. O texto estende a isenção de tarifas de transmissão e distribuição de energia elétrica para microgeradores (quem têm potência instalada menor ou igual a 75 quilowatts) e os minigeradores (com potência instalada de 75 quilowatts a 3.000 quilowatts) até 2040.

Ele afirmou que não é contra medidas de incentivo à energia limpa, mas que isso não deve ser pago por consumidores que não têm a opção de aderir a esse sistema (entenda mais abaixo). “Ninguém é contra a GD [geração distribuída], ninguém é contra a energia solar, pelo contrário. […] O que nós somos contra é que o usuário que não tem acesso a essa modalidade de oferta de energia pague parte da conta daquele que consegue”, disse.

Também participaram do debate Manoel Neto, coordenador-geral de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica do TCU (Tribunal de Contas da União); e Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Assista à íntegra (1h17min07s):

COMO FUNCIONA HOJE

Quem gera energia por esse sistema pode vender o excedente para a rede de distribuição tradicional, recebendo crédito das empresas de energia. O custo de manutenção e uso desse sistema, porém, é repassado aos demais consumidores.

Dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) obtidos pelo TCU indicam que o montante que deixou de ser pago pelos produtores de energia solar e foi repartido entre os demais consumidores foi de cerca de R$ 205 milhões em 2018, e de R$ 315 milhões em 2019. Pode chegar a R$ 55 bilhões de 2020 a 2035.

Eis um infográfico sobre o subsídio atualmente:

Para o deputado Marcelo Ramos, além de transferir o custo do subsídio para quem tem menor renda, essa opção tem outros 2 problemas:

  • impacto da contratação da demanda“As distribuidoras contratam demanda para atender a todos. E descontam de todos. Quando parte começa a migrar pra GD, essa demanda começa a ser distribuída para menos consumidores”, afirmou.
  • encarecimento da universalização do fornecimento de energia“A GD só vai para áreas que são economicamente viáveis. O efeito disso, na prática, é que você vai pegando o ‘filé’ do mercado: as empresas, os médios e os grandes consumidores. E vai deixando na rede ordinária apenas os consumidores de baixa renda. Obviamente, quando você faz essa segregação, entre melhores consumidores para o GD e consumidores de renda mais baixa, maior inadimplência para as distribuidoras, você vai aumentar o preço. O problema disso é que a ‘carne de pescoço’ vai começar a ter um preço de ‘filé’. Portanto, esse não é um sistema justo”, disse.

O deputado afirmou ainda que o colega Lafayette Andrada (Republicanos-MG) ouviu apenas “um lado” ao preparar seu parecer sobre o projeto em discussão na Câmara. “Nós concordamos que não dá para acabar de uma hora para outra [com os subsídios], mas essa transição precisa ser mais curta, rápida, para diminuir essa absurda injustiça tarifária. Do pobre pagar parte da conta de uma empresa que gera energia para vender”, afirmou Ramos.

A visão é referendada por Sales, que questiona ainda a pressa para tramitação do texto. “Estão querendo lavrar em pedra a manutenção desses privilégios por muitos e muitos anos. Eu não tenho dúvida que, com o passar do tempo, como está acontecendo na Europa, como está acontecendo nos Estados Unidos, e mais destacadamente o que está acontecendo na Califórnia, a verdade vem à tona. Esse crescimento descontrolado da geração distribuída fomentado por esse subsídio gigantesco que está sendo pago pelos outros consumidores, ele é insustentável”, avalia.

A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) estima que o custo dos subsídios –se mantidos como estão no projeto de lei– chegarão a R$ 120 bilhões até 2030.

ENTENDA A DISCUSSÃO

Atualmente, esse pagamento é definido pela resolução 482 de 2012 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, lembra que, quando a resolução foi instituída, a intenção era fomentar a energia solar no país, que era “extremamente deficiente”.

“Na prática foi em 2015 que a agência reguladora estabeleceu as normas que nós temos hoje. […] Também na época, quando se estabeleceu esse conjunto de normas, foi definido que deveria ter sido feita uma avaliação dos resultados disso 5 anos após”, lembrou. A ideia era avaliar se o incentivo havia sido insuficiente ou, se, “dado um crescimento vertiginoso, estaria ficando custoso”.

Em 2019, a agência abriu consulta pública para discutir o tema e revisar a norma. Houve resistência, inclusive, por parte do presidente Jair Bolsonaro. O mandatário ameaçou demitir os servidores que tratassem do assunto. Claudio Sales classificou a resistência à revisão sob o mote da “taxação do sol” como “absolutamente falaciosa” por não considerar os custos dos benefícios promovidos pela medida. Ele afirma que o crescimento da energia solar está relacionado também à queda dos preços das placas solares.

“Em cerca de 10 anos, os custos das placas solares decresceu cerca de 70%. A geração solar hoje no Brasil já é uma realidade que se ilumina com luz própria. A prova disso é que nos leilões, a geração solar tem se situado entre os melhores vencedores”, afirmou.

Depois da interrupção da discussão, em novembro de 2020, o TCU determinou que a Aneel fizesse uma nova proposta para regulamentação em 90 dias. A Corte entendeu que a cobrança é uma forma de subsídio cruzado, quando consumidores pagam um valor mais alto para subsidiar outro grupo específico.

A agência, por sua vez, afirmou que encaminharia o texto ao TCU até o fim de fevereiro. Agora, compromete-se a deliberar o tema até 30 de junho. O Tribunal de Contas recomendou ainda que o tema fosse definido via projeto de lei. A ideia é que não fique por conta da agência reguladora a formulação de política pública do setor, o que não é de sua competência.

Para Manoel Neto, coordenador-geral de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica da Corte, o projeto discutido deveria levar em conta, inclusive, a tramitação de outro, o PLS 232/2016, da modernização do setor elétrico, que é defendido pelo governo. Ele lembra que o tema está sendo rediscutido no Tribunal de Contas, que apesar de não atuar na construção de políticas públicas, contribui com uma “visão técnica e isenta sobre o assunto”, afirma.

“A aprovação do PL sem essa discussão traz riscos de a gente pagar muito caro no futuro. E o histórico mostra, se a gente olhar para traz no setor elétrico, a gente vê que desconstituir decisões no setor elétrico é muito caro. E, geralmente, isso gera encargos, isso gera novos subsídios que serão arcados justamente pelo consumidor”, disse.

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