Artigo: Tarifa de eletricidade: percepções e fatos
Nos últimos anos tem havido um compreensível clamor dos consumidores pela redução da tarifa de energia elétrica. Este clamor pode ser explicado em grande parte pelo aumento do comprometimento do orçamento familiar com o pagamento da conta de energia elétrica, que subiu de 2,1% em 2012 para 4,4% em 2022. Quem observa este resultado tende a não olhar para o comportamento da renda e do consumo, concluindo precipitadamente que a tarifa de energia deve ter aumentado muito. A realidade dos números, no entanto, desmente essa conclusão.
Conforme detalhado na Seção 3 de nosso estudo “White Paper 28 – Propostas do Setor Elétrico para o Mandato Presidencial 2023-2026”, a tarifa residencial de energia elétrica aumentou 75% nestes dez anos: de R$ 356/kWh para R$ 623/kWh, elevação inferior à inflação do período. Isso quer dizer que o aumento da tarifa residencial média de energia elétrica não diverge dos aumentos de preços observados nos demais bens e serviços na economia.
Comparando-se a tarifa residencial vigente em cada ano com a tarifa de 2012 corrigida pelo IPCA, nota-se que ambos permanecem muito próximos. Na verdade, a tarifa residencial média no Brasil cobrada em 2022 foi de R$ 623/kWh – valor inferior à tarifa de 2012 corrigida pelo IPCA, que corresponde a R$ 653/kWh. Em outras palavras, a tarifa de energia, antes dos tributos, caiu 5% em termos reais.
Como a tarifa ficou abaixo da inflação, permanece a dúvida: se a crescente participação dos gastos em energia elétrica no orçamento familiar não decorre de uma elevação real das tarifas, o que explicaria o fenômeno? A resposta envolve dois fatores frequentemente ignorados neste tipo de comparação “tarifa x renda”: o consumo médio dos consumidores residenciais e a renda média das famílias brasileiras.
Entre 2012 e 2022, a conta média mensal do consumidor residencial de energia elétrica no Brasil aumentou 105% (de R$ 54/mês a R$ 111/mês). No entanto, o que explica este aumento da conta média acima da taxa de inflação não é a elevação da tarifa (que aumentou menos que a inflação), mas o aumento de 17% do consumo médio de eletricidade das famílias brasileiras. Comparando-se o consumo de 2012 com o de 2022, verifica-se que o consumo residencial médio saltou de 153 kWh/mês para 179 kWh/mês: um aumento de 17%.
Além do aumento de consumo, foi ainda mais relevante para o comprometimento do orçamento a evolução da renda média do consumidor no período. A renda média, que era de R$ 2.581/mês em 2012, caiu para R$ 2.548/mês em 2022: uma queda de 1% em termos absolutos, e de 46% em termos reais, quando se corrige o valor nominal pelo IPCA. Ou seja, o principal fator que explica o aumento da participação da conta de energia elétrica no orçamento familiar foi o encolhimento da renda da família. Como os números da análise acima se referem a valores médios, o peso orçamentário da tarifa de energia elétrica aumentou de forma relevante para muitas famílias brasileiras.
Uma reflexão paralela crucial para os que genuinamente querem trabalhar para diminuir o peso da eletricidade sobre o orçamento envolve colocar uma lupa sobre a carga de tributos e encargos que oneram a conta de luz. Vinte anos atrás, a carga tributária sobre energia elétrica era inferior a 30% e desde então aumentou, estabilizando-se nos últimos anos entre 36 e 37% – cerca de 2 a 3 pontos percentuais a mais que a carga tributária média sobre todos os bens e serviços na economia.
Os números acima sobre tarifa de eletricidade, consumo de eletricidade, renda familiar e tributação deveriam ser o ponto de partida para qualquer política pública que afete o setor elétrico e, como consequência, a tarifa final ao consumidor. Em tempos de aceleração da discussão sobre Reforma Tributária, é sempre bom lembrar que a carga tributária sobre o setor elétrico já é alta e que qualquer aumento de tributação aumentará a conta de luz para os consumidores.
Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)