Uso de recursos de Itaipu para COP20: ‘Custos devem ser do orçamento da União’, diz Instituto Acende

Data da publicação: 28/05/2024

Instituto Millenium entrevista Claudio Sales

O Instituto Millenium entrevistou Claudio Sales, Presidente do Instituto Acende Brasil, para discutir a recente renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu entre Brasil e Paraguai. Essa renegociação redefine as condições de comercialização da energia gerada pela hidrelétrica de Itaipu, com importantes implicações tarifárias e operacionais a partir de 2027.

Claudio Sales, com vasta experiência no setor elétrico, destacou as principais mudanças trazidas pelo novo acordo. O especialista enfatizou que a redução da dívida de Itaipu deveria ter resultado em tarifas mais baixas para os consumidores brasileiros, criticando o aumento dos custos operacionais e o desvio de recursos para projetos socioambientais que não estão diretamente relacionados à usina.

O Instituto Acende Brasil é um think tank especializado em aumentar a transparência e a sustentabilidade do setor elétrico brasileiro, analisando dados e tendências de longo prazo. Na entrevista, Sales também discutiu a necessidade de reformar a administração da usina para torná-la mais eficiente e defendeu a posição de que a energia de Itaipu deveria ser comercializada de forma a beneficiar diretamente os consumidores brasileiros, reduzindo os encargos nas contas de luz.

Instituto Millenium: Qual é a principal divergência entre Brasil e Paraguai na renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu, e como isso pode impactar o preço da energia para ambos os países?

Claudio Sales: A energia de Itaipu é dividida meio a meio, mas o Paraguai não dá conta de absorver tudo a que tem direito. O Brasil adquire o saldo da capacidade não consumida pelo Paraguai, a cada mês, pelo custo de serviço de eletricidade (CUSE) de US$ 16,71 por kilowatt (kW), ao qual se soma a chamada remuneração pela “cessão de energia”.

Apesar desses benefícios, o Paraguai pleiteia a elevação do CUSE acima dos US$ 20 por kilowatt sob justificativa de os valores estarem defasados e de que o Paraguai precisa desses recursos para ampliar seus investimentos.

Os pleitos paraguaios chocam-se com os interesses dos consumidores brasileiros. Afinal, como depois de 50 anos os empréstimos – contratados com garantias 100% assumidas pelo Brasil – para a construção da usina foram totalmente quitados em fevereiro de 2023, se a redução dessa despesa fosse totalmente repassada para a conta de luz a tarifa da usina para o consumidor poderia cair cerca de 30%, de US$ 16,71 o MWh para valor próximo de US$ 12/kW.

IM: Dada a recente quitação da dívida da construção de Itaipu, por que o custo da energia continua sendo um ponto de discordância? Considerando que Itaipu é um empreendimento conjunto, o Brasil deveria ser mais assertivo em exigir condições mais favoráveis nas negociações, visto que o Paraguai depende economicamente dessa parceria?

CS: O ministro de Minas e Energia anunciou uma nova tarifa de Itaipu no valor de US$ 19,28/kW, que seria um equivocado “meio termo” entre o valor atual de US$ 16,71/kW e o valor que era cobrado até 2021 de US$ 22,60/kW.

Está tudo errado. A tarifa de Itaipu é definida pelo custo e seu componente maior era o custo do financiamento. O financiamento original foi integralmente quitado em 2023 e essa parcela do custo deixou de existir. A amortização e juros da dívida representavam 63% da tarifa em 2021. Logo, a tarifa deveria ter caído proporcionalmente para US$ 11,61/kW. Isso não foi o que se observou devido ao aumento da “despesa de exploração”, que subiu 93% nos últimos dois anos.

Esta inflação da despesa de exploração beneficia o Paraguai, cujo resultado líquido (o que o Paraguai recebeu de Itaipu a título de royalties, “cessão de energia” e outras remunerações menos o que pagou pela energia que consumiu) aumentou 810% em 2023: de USD 15 milhões em 2022 para USD 136 milhões em 2023.

Se a defesa dos consumidores brasileiros fosse a prioridade do governo brasileiro na interlocução com o Paraguai, uma tarifa de no máximo US$ 12/kW deveria ser o posicionamento claro e imediato do Ministro de Minas e Energia. Não está sendo assim, mas esse fato não surpreende, uma vez que essa conduta está “coerente” com outros momentos em que o Presidente Lula, em mandatos anteriores, concedeu enormes benesses ao Paraguai às custas dos consumidores brasileiros.

Foi assim em 2005, quando a “Nota Reversal 228” abriu as portas para inchar o componente “custo de exploração” da usina, possibilitando aberrações como destinar R$ 1,3 bilhão para a infraestrutura de Belém do Pará. Foi assim também em 2009, quando os presidentes dos dois países, Lula e o Bispo Lugo, assinaram um acordo que triplicou o valor que o Brasil pagava ao Paraguai pela “cessão de energia”, uma penada que custou US$ 240 milhões adicionais para o consumidor brasileiro.

IM: A estrutura organizacional e os custos administrativos de Itaipu são frequentemente criticados por serem excessivamente altos. Os custos operacionais duplicados da Itaipu Binacional são comuns em outras usinas hidrelétricas binacionais no mundo? Existem planos para reformar a administração da usina para torná-la mais eficiente?

CS: Usinas binacionais são raras. O Paraguai também tem uma usina binacional com a Argentina, mas a gestão não tem sido muito harmoniosa. Desconhecemos planos para alterar a forma de administração da usina. A administração duplicada eleva custos, mas o que mais impacta o orçamento da Itaipu Binacional tem sido a ampliação dos dispêndios com “projetos socioambientais” não relacionados à usina. São projetos que deveriam ser arcados pelos respectivos governos, passando pelo crivo do processo orçamentário de cada país, pois são políticas públicas.

IM: Por que, em meio a questões cruciais de infraestrutura e energia, Itaipu está financiando eventos como a COP20 em Belém? Não seria um desvio de finalidade, considerando que Belém está muito longe da região impactada pela existência da hidrelétrica?

CS: O Presidente Lula manifestou recentemente a preocupação com o elevado custo da energia para os brasileiros. Financiar obras de infraestrutura de Belém para hospedar a COP20 segue no caminho inverso dessa preocupação, ao fazer com que os consumidores de energia paguem na conta R$ 1,3 bilhão que não deveriam pagar. Custos decorrentes de políticas públicas devem ser tratados no orçamento da União. É isso, inclusive, o que diz o TCU (Tribunal de Contas da União) em um acórdão de 31 páginas publicado em novembro de 2023.

IM: A estrutura tarifária de Itaipu, após a quitação da dívida, deveria contribuir para reduzir o custo Brasil, e não aumentá-lo. Quais são as propostas do Instituto Acende Brasil para tornar a energia mais acessível para os consumidores brasileiros?

CS: As recomendações do Instituto Acende Brasil são:

Toda energia proveniente da Itaipu Binacional deve ser comercializada no Brasil via ENBPar, estatal brasileira.
A tarifa da Itaipu Binacional deve permanecer sendo definida pelo seu custo e esse custo não deve ser inflado como tem sido ultimamente
A ENBPar deve comercializar as cotas de Itaipu para todos os agentes/consumidores do ambiente regulado (ACR) e livres (ACL) do Brasil por meio de leilões; e
A diferença entre a tarifa de compra da energia de Itaipu pela ENBPar e o preço de venda nos leilões da ENBPar deve ser direcionada para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) a fim de reduzir os encargos cobrados dos consumidores livres e regulados.
Os recursos de Itaipu deveriam ser utilizados para diminuir a tarifa de energia do consumidor brasileiro e não para financiar “gastos socioambientais”.

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil