Ativismo precipitado e os riscos para a infraestrutura

Data da publicação: 09/12/2020

09/Dez/2020, Valor Econômico – O ativismo precipitado e sem bases técnicas do Ministério Público – sucedido pela acolhida em tribunal local – acaba de criar mais um episódio que evidencia como essa combinação pode ser nefasta para projetos de infraestrutura que vêm respeitando toda a legislação e todos os ritos regulatórios. O episódio revela também a imperfeição de um sistema que ainda permite que o simples arroubo de um indivíduo destrua o trabalho sério realizado durante anos por dezenas de instituições e autoridades nacionais e estaduais.

Bastou uma iniciativa individual de um procurador ser acolhida liminarmente nos tribunais do estado do Paraná para que fosse paralisada uma obra de linha de transmissão de eletricidade que já está 60% concluída e que agora depende de recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ser retomada.

Deste episódio emanam duas consequências graves. A primeira é o risco de falhas no suprimento de energia na região Centro-Sul do Paraná, a partir de 2021, quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) contará com a operação da linha de transmissão “Gralha Azul”, agora ameaçada. A segunda é a grave insegurança jurídica que se estabelece, ameaçando todo e qualquer projeto de infraestrutura no país.

A construção de uma linha de transmissão envolve um longo processo que tem início no planejamento da expansão do chamado “Sistema Interligado Nacional” (SIN), planejamento esse conduzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME). Do trabalho da EPE, com o concurso do ONS, surge a diretriz do traçado da linha de transmissão, que já leva em conta restrições sociais, ambientais e fundiárias.

A partir desses estudos a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promove um leilão para a seleção da empresa que construirá e operará a linha de transmissão. A partir da minuta do edital do leilão – que é submetida a consulta pública – a data do leilão é marcada e o edital definitivo publicado, com todas as especificações técnicas e restrições a serem atendidas pela empresa vencedora no leilão.

No caso da linha de transmissão LT Gralha Azul, o traçado foi definido de forma a não cruzar unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas, áreas de patrimônio arqueológico, reservas legais, zonas de proteção de aeroportos, rodovias, ferrovias, zonas urbanas etc.

Foram necessários quase dois anos – desde o leilão, feito em dezembro de 2017, até agosto de 2019 – para que a concessionária concluísse o detalhamento do projeto e percorresse todas as etapas do licenciamento ambiental até obter a Licença de Instalação (LI) que autorizou o início da obra. Este prazo demonstra a complexidade das etapas que precisaram ser cumpridas, passo a passo, documento a documento, para que o projeto possa avançar.

Por se tratar de uma linha de transmissão integralmente localizada nos limites territoriais do estado do Paraná, coube ao Instituto Água e Terra (IAT), com a ciência do Ibama, conduzir o processo do licenciamento. Outros órgãos – como a Fundação Palmares, a Funai, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e seu equivalente estadual (a Cepha) – e 27 municípios interceptados pela linha também participaram do processo e deram a autorização e anuência para a construção do empreendimento.

O rigor de nosso licenciamento ambiental deve ser motivo de orgulho para os brasileiros, assim como a existência de empresas que, valendo-se da melhor tecnologia, processos e profissionais, são capazes de dar as respostas requeridas para as exigências decorrentes do licenciamento ambiental e do contrato de concessão da linha de transmissão.

Todo esse périplo, que envolveu dezenas de órgãos especializados que se aprofundaram no projeto para emitir sua anuência ou autorização, foi jogado por terra pela iniciativa de um procurador que sequer participou das inúmeras audiências públicas antes de optar por uma liminar que logrou interromper a obra.

A manutenção dessa liminar significa admitir que de nada valem todos os aparelhos de Estado voltados a assegurar que os indispensáveis investimentos em infraestrutura ocorram de forma social e ambientalmente sustentável. E não deixa de ser um imenso desrespeito com os impostos dos cidadãos que sustentam o trabalho de todas as instituições envolvidas no processo.

É impossível imaginar que o país dará conta da necessária expansão de sua infraestrutura se esse tipo de ativismo não for minimamente disciplinado. Os investimentos requeridos são bilionários, como no caso dos dois bilhões de reais da linha de transmissão Gralha Azul, feitos com perspectiva de retorno no longo prazo dos contratos de concessão, com tarifas comprimidas pela competição que se dá nos leilões, nos quais a vitória é dada ao empreendedor que oferecer a menor tarifa – ou menor Receita Anual Permitida (RAP) – para construir e operar o ativo.

É inconcebível admitir a interrupção intempestiva de uma obra que já está 60% concluída. As perdas são gigantescas para o empreendedor, para os mais de 5.000 trabalhadores envolvidos na construção, e especialmente para a população do Paraná, que poderá não ter uma linha de transmissão indispensável para garantir a segurança do seu abastecimento de eletricidade.

O estrago pode ser parcialmente contornado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que poderá reverter a liminar das instâncias inferiores e dar um sinal claro de que esse é um país sério e que suas instituições – engajadas no processo de planejamento, leilão, licenciamento ambiental, regulação e fiscalização – são capazes de assegurar o rigor e a acurácia do processo.

Somente com esse resultado os empreendedores em infraestrutura poderão ter a confiança para investir no ritmo e na intensidade de que o país precisa para alavancar nosso crescimento econômico e promover a prosperidade de nossos cidadãos ávidos por qualquer alento no meio dessa dura pandemia.

Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil

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