Fronteiras do Setor (Parte 4): Viabilizando a inserção tecnológica no setor elétrico

Data da publicação: 02/12/2021

02/dez/2021, Canal Energia

Esta série de quatro artigos apresenta um sumário executivo dos quatro painéis da conferência Brazil Energy Frontiers 2021, evento internacional que foi organizado pelo Instituto Acende Brasil nos dias 20 e 21 de outubro.

Os três primeiros artigos desta série de quatro textos, publicados na semana passada e ontem, resumiram os três primeiros painéis da conferência: (1) “Aprimorando o Mercado de Energia Elétrica”; (2) “Coordenando a Abertura do Mercado”; e (3) “Integrando os Setores de Gás e Elétrico”.

Este quarto artigo sintetiza o 4º e último painel do Brazil Energy Frontiers 2021: “Viabilizando a inserção tecnológica no setor”, que discute como as diversas tecnologias em desenvolvimento podem ajudar a solucionar os desafios atuais e futuros do setor elétrico brasileiro.

Painel 4 – Viabilizando a inserção tecnológica no setor elétrico

Alexandre Uhlig, Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil, fez a apresentação do último painel do Brazil Energy Frontiers 2021 e relembrou que o setor de energia tem absorvido e se beneficiado, cada vez mais rapidamente, de tecnologias responsáveis por profundas alterações provocadas por um mundo que assumiu o compromisso de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050.

Esse compromisso tem levado a mais uma transição energética que busca reduzir o uso de combustíveis fósseis e intensificar o de fontes de geração de eletricidade com baixa intensidade de carbono. Além da geração de eletricidade, a transição energética envolve aspectos relacionados à eficiência energética, ao armazenamento de energia e à eletrificação dos usos finais.

Apesar de às vezes ser caracterizado como novidade, globalmente o processo de transição energética teve início há algum tempo. “Quando analisamos a capacidade instalada de eletricidade no mundo nos últimos 20 anos, observamos que, em 2015, a potência instalada de fontes renováveis foi maior, pela primeira vez, que a de fontes não renováveis. Desde então, as fontes renováveis não perderam o protagonismo, alcançando quase 90% da capacidade instalada em 2020”, explicou Alexandre.

Ele ressaltou que, adotando-se uma perspectiva de observação mais internacional, as fontes renováveis – com protagonismo de eólicas e solares – podem ser consideradas como fontes não controláveis, uma vez que as demais fontes renováveis – como usinas a biomassa e hidrelétricas com reservatórios – não são predominantes fora do Brasil e não desempenham, lá fora, o mesmo papel que em nosso país.

Feita essa ressalva quanto às diferenças entre Brasil e demais países, o significativo crescimento das fontes renováveis no mundo está ligado ao compromisso dos países desenvolvidos com a redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Porém, a redução dos preços das tecnologias que passaram a ser utilizadas para gerar eletricidade é o fator que, de fato, explica a acentuada expansão das renováveis. “Os preços para gerar eletricidade a partir de fontes eólica e solar caíram, respectivamente, 50% e 85% nos últimos 10 anos”, ressaltou Uhlig.

No Brasil, a participação de fontes renováveis na matriz elétrica teve o mesmo comportamento que no restante do planeta, mas com algumas diferenças importantes. De acordo com análise do Instituto Acende Brasil, a primeira é a diferenciação feita entre fontes controláveis e não controláveis. No Brasil, a participação de fontes renováveis controláveis é significativa. Entre elas, estão as termelétricas a biomassa, em especial as que queimam bagaço de cana, e as hidrelétricas com reservatórios. A segunda diferença é que o aumento da participação das fontes não controláveis não foi uniforme como ocorreu no restante do mundo. A expansão brasileira dessas fontes começou em 2003, ou 12 anos antes do restante do planeta.

De acordo com análise da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a expectativa para o futuro é de um crescimento da capacidade instalada da fonte solar em torno de 350%. Para as eólicas, a previsão é de expansão de 100%. No horizonte, também, o crescimento de 70% da energia nuclear, com a conclusão de Angra 3, e o aumento de 55% de termelétricas. Para as hidrelétricas, a previsão de crescimento é bastante reduzida.

Alexandre explicou que essa quantidade crescente de fontes renováveis não controláveis reduz a flexibilidade operacional, tão necessária para quem opera o sistema. Esta falta de flexibilidade, portanto, traz desafios para quem tem a responsabilidade de manter o sistema seguro e previsível. “À medida que os sistemas de energia evoluem para incorporar mais energia renovável e demanda responsiva, eles passam a conviver com fenômenos de operação mais intensos, como picos mais curtos, rampas de geração mais íngremes e reduções mais profundas da demanda líquida”, ressaltou. “Se o sistema não estiver devidamente dimensionado, ele passará a dar sinais de inflexibilidade, que incluem dificuldades para reequilibrar oferta e demanda, reduções significativas de energia renovável (curtailment), preços negativos e volatilidade de preços.

Há ainda desafios outros no horizonte do setor elétrico, que durante muito tempo foi linear e relativamente simples. O setor tinha fluxo de energia unidirecional, com elétrons saindo das usinas e chegando aos centros de carga, e a arrecadação tarifária ocorria no sentido contrário, mas também era unidirecional, com consumidores remunerando toda a cadeia de valor (distribuição, transmissão e geração). Com o advento da descentralização da geração, da digitalização e da descarbonização, o setor ficou mais complexo. Podem ser citadas novidades como a geração distribuída, a eletrificação dos usos finais, a inserção de carros elétricos, o papel dos agregadores de energia, novas fontes como hidrogênio, entre outras. “Os desafios serão crescentes, tanto na geração como nos centros de carga, e a inserção tecnológica poderá nos ajudar”, diz Uhlig.

O economista Ricardo Gorini, keynote speaker do 4º painel do Brazil Energy Frontiers 2021, apresentou uma visão geral sobre o tema da inovação no setor energético e compartilhou estudos desenvolvidos em nível global pela Agência Internacional de Energia para as Energias Renováveis (Irena), onde ele responde pelos estudos de cenários energéticos e roadmaps de energia renovável. A Irena é um fórum que reúne mais de 160 países em discussões e análises no campo da sustentabilidade.

Ricardo ressaltou que, no campo da inovação e da tecnologia em renováveis, um dos aspectos mais evidentes da revolução que vem acontecendo na última década é a queda de custos. “A transformação que ocorre no setor trouxe um acréscimo, em 2020, de 260 gigawatts de renováveis na matriz energética global”, informou.

Outro ponto para reflexão apresentado por Gorini é o papel do consumidor. “A crise sanitária e humanitária provocada pela pandemia de covid-19 levou a mudanças no comportamento da sociedade, como mostram pesquisas desenvolvidas a esse respeito. E o tema da sustentabilidade entrou mais fortemente na agenda do consumidor.” A sustentabilidade está presente, também, em soluções competitivas apresentadas nos últimos anos. Como exemplo, ele citou o uso de renováveis em edificações e na indústria. “As cadeias de produção também entraram na agenda da sustentabilidade, com capacidade de fonte solar, de eólicas e de outras tecnologias, o que se reflete no aumento das ofertas de empregos nesse segmento.”

Gorini ainda ressaltou a confluência de fatores que têm impulsionado a onda das energias renováveis. O papel de governos mostrou-se decisivo em relação às discussões sobre clima e gases de efeito estufa, como se vê nos anúncios de cortes de emissões de carbono divulgados no âmbito da Conferência das Organizações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia.

O setor industrial é outro ator de peso nesse cenário: renováveis e eletrificação estão entre os interesses estratégicos das corporações. Além disso, não é de hoje que a agenda das soluções renováveis entrou no radar do mercado financeiro por causa da atratividade desses produtos. “De fato, há uma mudança no mercado global e nenhum país é uma ilha, embora a penetração e a influência ocorram de maneira diversa”, enfatizou Gorini.

A dimensão associada à competitividade faz parte dessa reviravolta global em torno da sustentabilidade e dos renováveis. No entanto, a agenda de transição energética engloba outros objetivos e dimensões. Entre eles, segurança energética, universalização dos serviços energéticos, capacidade de pagamento e mudança ambiental, incluindo neste último as questões atreladas a mudanças climáticas, redução de gases de efeito estufa e controle da poluição local.

Para atingir as metas climáticas do Acordo de Paris e da neutralização das emissões de carbono até 2050, a Irena enxerga que a inovação terá um papel decisivo, e será necessário mudar o perfil da matriz energética para renovável: de 15% de participação das fontes renováveis verificada hoje, para 75% em 2050, com o incremento das eólicas, solares, hidrelétricas, biomassa e o que mais houver como opção.

Outro ponto de destaque para o futuro é a redução, ao longo do tempo, dos combustíveis fósseis, inclusive o gás. “Esse é um contexto global, mas também relevante para o Brasil”, afirmou Gorini. “A integração de inovações é uma necessidade para melhorar o aproveitamento dos recursos energéticos.”

Ricardo apresentou ainda um resumo das 30 iniciativas para construir o setor elétrico do futuro, organizadas ao redor de quatro dimensões que se conectam: tecnologias habilitadoras, modelos de negócios, desenho de mercados e operação de sistemas.

O debate do 4º e último painel do Brazil Energy Frontiers 2021 foi moderado por Eduardo Müller Monteiro, Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil, que fez a curadoria das questões enviadas pelo público, via chat, e as submeteu aos debatedores André Clark (Siemens Energy), Christopher Vlavianos (Comerc), Giovani Machado (EPE) e Guilherme Lencastre (ENEL).

Todos os painéis do Brazil Energy Frontiers 2021 foram integralmente gravados e as apresentações e os vídeos estão disponíveis em nosso website (acendebrasil.com.br).

Nem tudo está consolidado, mas os sinais de que o futuro já chegou são nítidos e o momento exige identificar o que precisa – e pode – ser aprimorado. Como o próprio nome sugere, este é o espírito do Brazil Energy Frontiers: reconhecer e discutir as fronteiras que definirão o futuro do setor elétrico.

Claudio J. D. Sales e Alexandre Uhlig são, respectivamente, Presidente e Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil