O armazenamento de energia como viabilizador das fontes renováveis
A redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) tem sido um tema amplamente debatido, impulsionando mudanças no uso de fontes de energia para geração de eletricidade. Nesse contexto, busca-se reduzir a queima de combustíveis fósseis e ampliar a participação de fontes renováveis.
Diferentemente de muitos países, o Brasil conta com uma matriz elétrica diversificada e predominantemente renovável. Em 2023, 61,1% da eletricidade no país foi gerada por hidrelétricas e 8,0% por usinas a biomassa. O Brasil também tem investido significativamente em outras fontes, como energia eólica e solar, que em 2023 responderam, respectivamente, por 13,2% e 7% da geração de eletricidade nacional. Ou seja, 89,3 % da eletricidade gerada em 2023 veio de fontes renováveis. Uma condição invejada por muitos países.
No entanto, o aumento da participação das usinas eólicas e solares na matriz elétrica tem imposto grandes desafios para a operação do sistema porque a variação na geração dessas duas fontes (em função da variação de ventos e insolação ao longo do dia) somada à incerteza das chuvas que alimentam as hidrelétricas pode provocar falhas e instabilidades na rede, especialmente em períodos de seca ou baixa produção eólica e solar.
Quando os desafios acima são somados à atual sobreoferta de energia e às limitações da infraestrutura de transmissão, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) pode ser levado a restringir a geração de fontes solares e eólicas (fenômeno conhecido como curtailment) para equilibrar a oferta e a demanda de energia e manter a estabilidade da rede elétrica.
As tecnologias de armazenamento de energia podem ser uma solução para lidar com essas variações e permitir maior integração das fontes renováveis na matriz elétrica.
A ausência de soluções eficazes de armazenamento afeta a confiabilidade do fornecimento de energia, o que pode resultar em apagões e interrupções. Além disso, a falta de armazenamento: (i) limita nossa capacidade de integrar mais fontes renováveis à matriz elétrica, dificultando o cumprimento dos compromissos climáticos e a manutenção das baixas emissões de GEEs; (ii) aumenta os custos e a complexidade do atendimento em sistemas isolados; e (iii) retarda o processo de transição energética.
Diversas tecnologias de armazenamento estão disponíveis, incluindo hidrelétricas reversíveis, ar comprimido, volantes de inércia, baterias e hidrogênio. Essas soluções apresentam diferentes níveis de desenvolvimento, desde estágios iniciais de pesquisa até tecnologias que já atingiram maturidade comercial.
Entre as principais funções dessas tecnologias está a capacidade de reduzir a intermitência das fontes renováveis porque sistemas de armazenamento podem acumular energia durante períodos de excesso de geração para utilizá-la em momentos de escassez, reduzindo o desperdício de recursos naturais e as tarifas de eletricidade. Além disso, esses sistemas podem atuar como reserva estratégica para garantir a confiabilidade do sistema em situações de falhas ou picos de demanda. A flexibilidade operacional das tecnologias de armazenamento permite equilibrar a oferta e a demanda em intervalos curtos de tempo, assegurando o suprimento de energia.
No entanto, a superação dos desafios impostos pela intermitência das fontes renováveis e a ampliação da integração dessas tecnologias à matriz elétrica brasileira exige uma abordagem integrada e estratégica. Investimentos contínuos em pesquisa, desenvolvimento e inovação são fundamentais para aprimorar a eficiência e reduzir os custos das soluções de armazenamento de energia.
Paralelamente, é crucial avançar na regulamentação e na criação de mecanismos de mercado que incentivem a adoção dessas tecnologias. Políticas públicas claras, alinhadas às metas climáticas internacionais e à segurança energética, devem criar um ambiente propício para que o armazenamento se torne um pilar essencial da matriz elétrica.
Mas a inserção das tecnologias de armazenamento precisa ser feita com muita transparência para evitar os crescentes riscos de promoção de fontes e tecnologias energéticas com base em custosos subsídios tarifários e reservas de mercado defendidos por grupos de pressão com assustadora influência no Congresso Nacional. Nossos parlamentares precisam interromper a invasão do papel de formulação de políticas energéticas a cargo do Ministério de Minas e Energia (MME) e o papel de planejamento energético sob responsabilidade da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Se o investimento em tecnologias de armazenamento for feito com transparência e neutralidade tecnológica o Brasil fortalecerá sua posição de líder global em energia limpa e garantirá maior estabilidade ao nosso sistema elétrico, materializando assim uma oportunidade estratégica para estimular a transição energética e consolidar o país como referência em sustentabilidade ambiental, mas sem abrir mão da sustentabilidade social e econômica.
Alexandre Uhlig e Joaci Oliveira são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)