O futuro das concessões de distribuidoras elétricas

Data da publicação: 28/07/2023

Entre 2025 e 2031 os contratos de concessão de 20 das 53 grandes distribuidoras de eletricidade que atendem a cerca de 60% do mercado nacional terão seus prazos vencidos. As concessionárias que tiverem a intenção de prorrogar seus contratos precisam se manifestar com 36 meses de antecedência em relação ao fim da concessão. Ciente da relevância e urgência do tema, o Ministério de Minas e Energia (MME) abriu em 22 de junho a Consulta Pública 152/2023 para que a sociedade manifeste suas contribuições sobre o tema até o dia 24 de julho.

A responsabilidade envolvida neste processo é gigante. Afinal, quanto mais cedo forem definidas as diretrizes para a prorrogação dos contratos, mais cedo se reduz a incerteza jurídica que pode prejudicar a continuidade dos investimentos bilionários que precisam ser feitos de forma constante nas redes de distribuição para manter a adequada prestação de um serviço público essencial à população.

Grande parte das diretrizes concebidas pelo MME sobre o assunto – documentadas na Nota Técnica 14 que embasa a Consulta Pública 152 – são sensatas e endereçam as expectativas dos especialistas e empresários que trabalham a partir de uma visão de longo prazo e sustentável para o setor elétrico.

Uma das premissas mais acertadas é a opção pela prorrogação das concessões com o objetivo de reduzir tanto os custos de transação quanto os riscos de comprometimento da continuidade do serviço envolvidos em um processo licitatório. Destaca-se também a previsão de separação contábil das atividades de distribuição das outras atividades que podem vir a ser prestadas por terceiros. Mas é preciso ressaltar alguns pontos que comprometem a coerência da política de concessões elétricas.

O primeiro ponto problemático da Nota Técnica 14 do MME é a chamada “captura do excedente econômico”, e tal reação se justifica pela sua incoerência regulatória e econômica. De forma resumida, o MME propõe a realização de uma “investigação” para avaliar a existência de um “eventual excedente econômico” a ser capturado no processo de prorrogação das concessões.

A constatação desse excedente seria feita por meio de um indicador que faria a comparação entre os retornos efetivamente obtidos e os custos do capital próprio regulatório determinado pela Aneel. Além dos problemas técnicos envolvidos em um indicador que é, por natureza, muito volátil, o conceito de ‘captura do excedente econômico’ implica intervenção no regime regulatório adotado pela Aneel, violando a delimitação das competências das instituições que a própria Nota Técnica do MME defende: com o MME formulando as diretrizes para as políticas públicas e a Aneel implementando as soluções regulatórias.

Na prática, a captura de excedente econômico desvirtuaria o regime regulatório vigente, substituindo o regime de ‘preço teto’ (Price Cap, conceito amplamente documentado na literatura) por um regime de ‘compartilhamento do lucro’ (Profit Sharing ou Sliding-Scale Regulation). Além disso, configura uma expropriação ex-post dos resultados das empresas que não só prejudica as empresas que investiram e pautaram suas ações com base no regime regulatório previamente estabelecido, mas também prejudica os consumidores que arcarão com os maiores custos de captação de recursos no futuro dada a elevação do risco setorial que tal intervenção provocaria neste setor capital intensivo. Portanto, não faz sentido uma “investigação acerca da existência de excedente econômico”.

Um segundo ponto equivocado da Nota Técnica 14 do MME é a intenção de se capturar os “benefícios fiscais” para custear “contrapartidas sociais” como condicionante para a prorrogação das concessões de distribuição. Entende-se que tais benefícios se referem aos incentivos fiscais concedidos para concessionárias que operam na área da Sudam e Sudene. Esta é uma questão de fundo constitucional e legal – conforme já se manifestaram ministros do Supremo Tribunal Federal – sobre a qual não cabe ao Ministério de Minas e Energia ou à Aneel decidir.

O terceiro ponto de atenção é a proposta do MME para a estipulação de diretrizes visando a promover maior homogeneidade dos indicadores de qualidade do serviço de distribuição de eletricidade entre as diversas concessionárias do país. Esta diretriz precisa ser revista por desconsiderar: (a) a diversidade de preferências dos consumidores, já que alguns consumidores podem preferir pagar mais para obter maior qualidade de serviço, enquanto outros podem priorizar a modicidade tarifária, mesmo com qualidade do serviço inferior à requerida pelos primeiros; e (b) a diversidade de custos da provisão de qualidade de uma área geoelétrica para outra.

Um quarto ponto relevante é o problema de furtos e fraudes de eletricidade, que reduzem as receitas das distribuidoras e elevam as tarifas dos consumidores. Este é um fenômeno socioeconômico complexo que é endêmico em algumas áreas de concessão em que o Estado é ausente e já é insustentável em áreas com restrições de atuação da concessionária. As diretrizes propostas pelo MME na Nota Técnica 14/2023 buscam sabiamente mitigar o problema com medidas especiais voltadas a promover investimentos na eficientização do consumo nestas áreas e promover uma melhor alocação dos riscos associados.

Um quinto ponto seria prever a possibilidade de adoção de uma regulação tarifária prospectiva, baseada em planos de investimentos que permitissem a majoração da tarifa ao longo do ciclo tarifário condicionada à efetiva realização dos investimentos programados.

Os passos iniciais para a prorrogação das concessões de distribuidoras de eletricidade dados pelo Ministério de Minas e Energia caminham na direção correta. Cabe agora uma postura de abertura para ouvir as contribuições da sociedade na consulta pública sobre o tema e acolher os ajustes e aprimoramentos necessários para a pavimentação de um futuro sustentável para a distribuição de eletricidade, setor fundamental para o bem-estar da população e para a competitividade econômica do país.

Claudio Sales, Eduardo Müller Monteiro e Richard Hochstetler são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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