Os passos para um mercado de carbono eficaz

Data da publicação: 08/07/2022

08/jul/2022, Correio Braziliense

Motivado pelos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), realizada em Glasgow em novembro de 2021, o governo brasileiro aprovou em maio deste ano o Decreto 11.075/22, documento que estabelece o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs), uma iniciativa acessória que procura manter o tema em pauta e mobilizar o Congresso Nacional para discutir e aprovar o Projeto de Lei (PL) 2.148/15, peça principal para a regulamentação do mercado de carbono brasileiro.

O decreto, embora careça de uma série de aprimoramentos, traz pontos importantes como a definição dos certificados de redução de emissões, a possibilidade de comércio dos certificados e a necessidade de adicionalidade para sua emissão. O termo “adicionalidade” se refere ao conceito segundo o qual as medidas adotadas precisam efetivamente reduzir emissões de gases de efeito estufa a partir do estado atual.

O decreto cria um mercado de carbono a partir de nove setores da economia (elétrico, transportes, transformação e bens de consumo duráveis, químico, papel e celulose, mineração, construção civil, saúde e agropecuária). Mas o ideal seria que todos os setores econômicos — e não apenas os nove acima — fizessem parte do mercado a ser criado, principalmente os que mais emitem e consequentemente têm um potencial maior de redução das emissões de gases de efeito estufa como, por exemplo, os setores de resíduos sólidos e florestas, que ficaram fora da lista.

O artigo 11 do decreto abre a possibilidade de registro de carbono proveniente de vegetação nativa, porém sem a geração dos créditos, que poderiam ser comercializados. Essa particularidade provavelmente se deve ao fato de que ainda não há uma regulamentação internacional sobre como os créditos provenientes de florestas serão reconhecidos e comercializado.

Além de estabelecer o mercado de carbono, o decreto estabelece metas de redução de emissões de GEEs gradativas para que se alcance a neutralidade das emissões líquidas brasileiras em 2050. Contudo, faltam as definições sobre como os certificados serão reconhecidos, como serão comercializados e como serão “aposentados”. Além dessas definições, é essencial avaliar o custo da iniciativa para a economia brasileira.

A depender do setor, os critérios estabelecidos no decreto para reduzir emissões de GEEs podem encarecer os produtos sem produzir o efeito desejado. Por exemplo, da forma como o setor elétrico está estruturado atualmente, pagar pelas emissões de GEEs só agregará custo ao valor que será pago pelo consumidor de energia elétrica sem reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Por sinal, estabelecer a curva de redução para o setor elétrico como previsto no artigo 12 do decreto será um desafio, uma vez que: (a) o setor já é predominantemente renovável e dependente de eventos estocásticos como o regime de chuvas, de ventos e da insolação; e (b) as usinas termelétricas servem exatamente para fornecer energia nos períodos em que faltam esses recursos naturais, aportando mais segurança ao suprimento de energia elétrica.

O setor elétrico responde por apenas 2% do total das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e é, certamente, propenso a neutralizar suas emissões no futuro. Mas, para que isso ocorra, será necessário estabelecer os estímulos corretos.

Afinal, diferentemente do que muitos acreditam, pelo decreto as usinas que serão beneficiadas com créditos de carbono no mercado brasileiro não serão as usinas renováveis (eólicas, solares e hidráulicas), mas as termelétricas que utilizam combustíveis fósseis (óleo diesel, óleo combustível e carvão mineral). Isso porque essas usinas poderão substituir seus atuais combustíveis por outros que emitem menos GEEs (como gás natural e biomassa) ou por tecnologias de armazenamento (como baterias ou hidrelétricas reversíveis). O Ministério de Minas e Energia e a Aneel precisam definir se a substituição poderá ser feita, do ponto de vista da operação do sistema e, se possível, como será feita em virtude dos contratos vigentes com as usinas termelétricas.

Vários passos devem ser dados para termos um mercado de carbono eficaz no Brasil, mas o próximo passo cabe ao Congresso Nacional, que precisa regulamentar esse mercado por meio do PL 2.148/15, que aguarda para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados.

Claudio J. D. Sales e Alexandre Uhlig são, respectivamente, Presidente e Diretor de Assuntos Socioambientais e Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil. 

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