Reforma Tributária: hora de pensar no bem da sociedade

Data da publicação: 12/05/2023

A Reforma Tributária é uma das pautas mais desafiadoras do parlamento brasileiro. Já se discute a necessidade de se realizar uma reforma tributária há mais de três décadas. Nenhum outro tema tem sido tão discutido – e apresentado tão pouco avanço – quanto a Reforma Tributária.

A dificuldade surge do fato que, apesar de todos reconhecerem os enormes benefícios que uma racionalização e simplificação do regime tributário proporcionaria para a sociedade, pode haver alguns aspectos da reforma que impactem negativamente uma parcela dos agentes. Diante deste risco, os agentes acabam preferindo tomar uma postura inflexível de defesa de seus interesses individuais na ´negociação´, inviabilizando a reforma.

Este cenário que temos vivido é um caso clássico do que é conhecido na Teoria de Jogos como o ‘Dilema do Prisioneiro’, em que uma solução benéfica para todos acaba sendo preterida por uma pior, uma vez que ao apoiar a solução superior, o agente coloca-se em situação de vulnerabilidade de alcançar um resultado pior para si, caso as outras partes não colaborem para a solução, que, da perspectiva sistêmica, seria superior. Ou seja, acabamos ficando com um ´cada um por si, e ninguém por todos´ que produz um resultado sub-ótimo para todos.

Apesar dessa dificuldade, encontramo-nos em uma situação em que o grau de insatisfação com o regime tributário atual é tão elevado que a possibilidade de avanço no tema parece mais viável do que em qualquer outro momento. Portanto, temos hoje, uma oportunidade que não deve ser desperdiçada.

O sistema tributário atual é muito ineficiente. A tributação da produção e do consumo no Brasil é absolutamente disfuncional. Os diversos entes da federação competem entre si por meio de múltiplos tributos que incidem sobre a produção e o consumo, resultando em uma base de incidência fragmentada e confusa que, por sua vez, gera um fluxo contínuo de contenciosos jurídicos e de novos regramentos tributários. Além disso, grande parte da tributação ocorre de forma cumulativa, distorcendo as cadeias produtivas. E a baixa transparência impede que o cidadão tome conhecimento de como seus bens e serviços estão sendo onerados com tributos.

As propostas em discussão no Congresso Nacional, nesta primeira fase da reforma, buscam substituir pelo menos cinco tributos – Pis, Cofins, IPI, ICMS e ISS ­– por um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O IVA teria uma alíquota uniforme para todos bens e serviços, embora possa variar entre estados e municípios.

Os benefícios desta reforma são substanciais: (a) redução dos custos burocráticos e de conformidade (compliance); (b) diminuição dos contenciosos tributários; e (c) ganhos de eficiência decorrentes da eliminação de muitas distorções tributárias do sistema tributário atual.

Simulações indicam que o IVA beneficiaria as camadas mais pobres tanto ao promover uma tributação mais uniforme entre todas as atividades econômicas quanto por meio do mecanismo de reembolso (cashback) do IVA cobrado sobre itens da cesta básica consumidos pelas famílias de menor renda.

O Instituto Acende Brasil trabalha há décadas para o aprimoramento das políticas públicas que afetam o fornecimento de energia elétrica, o que poderia justificar uma postura de defesa de ´tratamento tributário especial´ para o setor elétrico. Essa defesa, aliás, teria embasamento conceitual muito sólido porque a energia elétrica é: (i) um insumo universal, que ao ser onerado com tributos, reduz a competitividade de todos os setores da economia; e (ii) um bem essencial, cujo custo representa uma parcela maior do orçamento das famílias mais pobres, o que significa que sua tributação atinge a população de menor renda de forma desproporcional.

Apesar dessa possível e justificável defesa de tratamento tributário especial para a energia elétrica, acreditamos que os benefícios sistêmicos para toda a sociedade que viriam com a racionalização e simplificação da tributação do consumo por meio de um IVA uniforme – sem exceções para setores, regiões ou grupos econômicos – são demasiadamente importantes para corrermos o risco de desvirtuamento da reforma a partir de disputas de interesses específicos.

Um IVA com uma alíquota uniforme cobrada igualmente de todos os bens e serviços na economia, com aplicação plena do princípio da não-cumulatividade, eliminaria as principais distorções tributárias. A devolução rápida e integral dos tributos recolhidos dos insumos teria o efeito de desonerar completamente os investimentos, o que favoreceria a elevação da produtividade que é, em última instância, o que viabiliza o crescimento da renda per capita.

A devolução dos tributos que incidem sobre os insumos também teria o efeito de desonerar as exportações, o que contribuiria para elevar a competitividade do país no comércio internacional. Além disto, resultaria no deslocamento da tributação para o destino, o que eliminaria a guerra fiscal que vem minando a base de arrecadação nas últimas décadas.

Também não podemos nos esquecer de que a adoção de um sistema simples e coerente reduziria drasticamente a insegurança jurídica associada ao emaranhado regramento tributário existente e aos vultuosos recursos dispendidos em litígios tributários.

Há, entretanto, outras iniciativas no âmbito da reforma tributária cujos benefícios sistêmicos são menos claros. Por exemplo, mudanças na tributação da renda e dos dividendos podem causar muita confusão no setor elétrico. A maioria dos projetos de energia são viabilizados por meio de contratos de longuíssimo prazo. Muitos deles são tributados com base no lucro presumido e precificaram seus contratos com esta premissa. Uma eventual elevação da carga tributária sobre estas atividades abalaria o equilíbrio econômico-financeiro de seus contratos, desencadeando uma enorme onda de judicialização.

Este aspecto, ao que tudo indica, será submetido à discussão no Congresso a partir do segundo semestre.

Não obstante, é preciso reconhecer, desde já, os benefícios sistêmicos que a adoção de um IVA simples, uniforme e funcional proporcionariam para a nação.

Apelamos à seriedade e ao espírito público de nossos parlamentares – e dos grupos de pressão que os cercam – para que o povo brasileiro possa se beneficiar de uma Reforma Tributária que tem o potencial de deslocar o crescimento econômico de nosso país para um patamar superior. Chegou a hora de pararmos de olhar para os próprios umbigos e pensarmos no bem comum.

Richard Lee Hochstetler e Claudio J. D. Sales são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

 

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