A Light pode perder a concessão? Entenda o que está em jogo.
Empresa passa por crise financeira e foi criticada abertamente pelo ministro de Minas e Energia, que colocou em dúvida a renovação do contrato da distribuidora
RIO — Nesta quinta-feira (11/5), a Light divulga seus resultados financeiros do primeiro trimestre em um clima de incerteza sobre o seu futuro. A um mês do prazo para pedir a renovação da concessão, a companhia passa por uma grave crise financeira que levou a empresa a ser criticada abertamente pelo ministro de Minas e Energia. Alexandre Silveira colocou em dúvida a manutenção do contrato da distribuidora após o vencimento em 2026.
A epbr ouviu especialistas para responder algumas das principais questões sobre a atual situação da Light:
– A Light pode perder a concessão antes de 2026?
– A concessão pode não ser renovada?
– Há outros casos em que a concessão não foi renovada?
– O que acontece se o contrato não for renovado?
– Por que a situação da Light é delicada?
– Como a companhia chegou nessa situação?
– Quais os problemas financeiros da empresa?
– Qual o prejuízo causado pelo furto de energia?
– A Light pode perder a concessão antes de 2026?
É improvável que o governo escolha encerrar o contrato com a Light antes do vencimento, em 2026, pois a companhia poderia levar a discussão à Justiça, afirma Cláudio Sales, presidente do instituto Acende Brasil. Um processo de cassação antecipada do contrato também precisaria de uma fundamentação técnica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o que dificilmente deve acontecer, pois recentes avaliações da agência concluíram que a empresa tem atendido aos requisitos regulatórios.
A concessão pode não ser renovada?
Sim. A proposta para a extensão dos contratos está em discussão interna no governo federal e ainda vai ser levada a consulta pública antes que os processos de renovação se iniciem.
A Light aguarda a definição desses critérios para saber se vai poder pleitear a extensão e, assim, negociar a dívida com credores.
A antecedência na definição dos critérios é importante pois permite que as empresas possam se capitalizar, ao ter maior previsibilidade sobre o futuro das operações para, assim, conseguirem acordos de financiamento. “Quanto mais cedo ocorre a definição dos requisitos [para a renovação dos contratos], mais eficiente é o custeio das atividades do setor elétrico”, diz Sales.
Há outros casos em que a concessão não foi renovada?
No momento, o Ministério de Minas e Energia (MME) discute internamente os termos para a renovação dos contratos de distribuição. Como grande parte dos acordos foi assinado na década de 1990, com duração de 30 anos, a maioria começa a vencer a partir de 2025.
O Estado, que é o poder concedente, pode rejeitar um pedido de renovação. O contrato da Light prevê que a distribuidora deve ter “geração de caixa suficiente para investir na manutenção dos índices e metas regulatórios estabelecidos para a prestação do serviço adequado” para poder pleitear a prorrogação do contrato.
As falas do ministro esta semana indicam que o governo pode estabelecer critérios mínimos de qualidade para que as empresas estejam habilitadas a renovar as concessões. Nesse caso, é possível que a Light não consiga atingir os indicadores e precise ficar de fora das renovações.
Um caso similar ocorre no setor de transmissão, em que a Aneel já suspendeu a participação de empresas em novos leilões quando não houve cumprimento dos prazos de contratos assinados anteriormente.
O sócio da área de energia do escritório L.O. Baptista, Henrique Reis, lembra ainda que existe a possibilidade de que a própria empresa escolha sair da concessão. “Se trata de processo que assegura amplo diálogo com o concessionário, com participação da Aneel e do TCU, devendo, ao final, ser fundamentada a eventual decisão pela não renovação, caso seja pleiteada pelo concessionário”, explica.
O que acontece se o contrato não for renovado?
O governo vai precisar fazer uma nova licitação para encontrar uma empresa disposta a assumir o serviço de distribuição nos estados que hoje são atendidos pela Light.
Há a possibilidade de que o governo escolha uma outra distribuidora para assegurar a continuidade do serviço ao fim do contrato da Light, enquanto ocorrem os trâmites para uma nova licitação. Situação similar ocorreu com distribuidoras da Eletrobras no Norte e Nordeste, quando a companhia optou por não seguir mais nessa atividade.
Também existe a possibilidade de federalização da concessão, como ocorreu em 2015 com a Celg.
Por que a situação da Light é delicada?
Além do alto endividamento, a companhia tem tido dificuldade para reduzir as perdas não-técnicas de energia — os furtos de energia. Os chamados “gatos” são um problema histórico na área de concessão da Light, o estado do Rio.
O contrato de concessão da Light vence em julho de 2026. A companhia precisa pedir a prorrogação do acordo com um prazo de 36 meses de antecedência, ou seja, até junho de 2023.
Em entrevista à CNN Brasil esta semana, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, citou a companhia ao afirmar que empresas que “não têm eficiência” não deveriam participar dos processos de renovação dos contratos de concessão. Segundo o ministro, a Light “não vem apresentando respostas à altura” no tema da eficiência administrativa.
“A Light não vem apresentando respostas à altura para sua eficiência administrativa”, disse o ministro. “E posso afirmar publicamente: qualquer empresa que não esteja em condições econômicas e técnicas de continuar prestando o serviço ao povo brasileiro não participará desse processo de renovação.”
O comentário ocorre num momento em que o governo discute a renovação das concessões que vão vencer nos próximos anos e em meio às dificuldades da distribuidora fluminense de honrar com obrigações financeiras.
Como a companhia chegou nessa situação?
A Light atende 4,3 milhões de clientes em 31 dos 92 municípios do estado do Rio, onde enfrenta dificuldades para combater os furtos de energia e o aumento na inadimplência das contas de luz. O problema é histórico, mas vem se agravando nos últimos anos, especialmente com a pandemia de Covid-19.
A companhia enfrenta um alto índice de furtos em regiões onde os técnicos não podem entrar, por causa da falta de segurança. Com isso, o equilíbrio econômico-financeiro das atividades fica comprometido, pelas dificuldades em combater as perdas de energia nas áreas de risco de serviço operacional.
“As distribuidoras não têm como controlar furtos e fraudes nesse nível. É necessário que o Estado retome esses territórios para permitir que as equipes da empresa atuem”, diz Sales.
Junto com isso, a companhia lida com um aumento nos índices de inadimplência, questão que foi agravada durante a pandemia, quando o governo impediu os cortes de fornecimento de energia em caso de não pagamento das faturas. Questões macroeconômicas, como as altas taxas de juros, também contribuem para o alto índice de não pagamento das faturas.
Segundo a companhia, o consumo faturado de energia no estado em 2022 seguiu abaixo dos registrados antes da pandemia.
Quais os problemas financeiros da empresa?
A Light tem alto endividamento, registrou prejuízo bilionário no ano passado e fatura menos energia do que há 10 anos devido ao alto índice de furtos e inadimplência. Todos esses fatores levaram a empresa a ter sua nota rebaixada pelas agências de risco e as ações (LIGT3) a cair mais da 50% na B3 no último ano.
Ao final de 2022, a dívida líquida consolidada do grupo estava em R$ 9 bilhões, com prazo médio de vencimento em três anos.
A companhia teve um prejuízo de R$ R$ 5,6 bilhões no ano passado, ante lucro de R$ 398 milhões em 2021. A empresa justificou que a maior parte do prejuízo se deve a uma reserva para devolver aos consumidores todos os créditos de PIS/Cofins, conforme determina a Lei 14.385/2022. Essa provisão teve impacto de R$ 2,7 bilhões.
A Light também faturou 8,2% menos energia em 2022 do que em 2019, antes da Covid. E 12,5% menos do que em 2013. “Nenhuma outra distribuidora de energia grande no Brasil teve uma redução de mercado faturado como a Light nos últimos anos”, disse Octavio Pereira Lopes, CEO da Light, no comunicado de resultados.
Qual o prejuízo causado pelo furto de energia?
A Light informou ter um prejuízo de R$ 1 bilhão com conexões ilegais de energia elétrica somente em 2022. As perdas não-técnicas, os gatos, somaram 6.933 GWh, o equivalente a 20,24% da energia distribuída pela empresa