Artigo: Nunca antes na história desse país?
Temos observado, nas últimas décadas, a mobilização internacional de organizações de múltiplas naturezas, estatais e privadas, em prol do respeito aos Direitos Humanos, direitos estes que foram estabelecidos ao longo de vários momentos da história, que teve como um dos marcos recentes mais relevantes a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
A DUDH foi o primeiro documento internacional a afirmar os direitos básicos e fundamentais de todos os seres humanos, independentemente de sua raça, religião, nacionalidade, sexo, origem étnica ou qualquer outra condição. Ela estabelece os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de que todas as pessoas devem desfrutar.
Desde então, os Direitos Humanos foram reforçados por meio de tratados internacionais, convenções e declarações específicas. Nesse contexto, em junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos. São 31 princípios que visam a implementar parâmetros para “proteger, respeitar e reparar” as condutas das empresas em relação aos Direitos Humanos.
No Brasil, o Governo Federal, desde 2018, tem buscado elaborar mecanismos e orientações que fomentem a observância dos Direitos Humanos pelas empresas e, com este objetivo, publicou o Decreto 9.571, que instituiu as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos.
O Decreto 9.571/2018 gerou importantes movimentos tanto no setor empresarial quanto na sociedade civil. Um destes movimentos foi conduzido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) ao aprovar a Resolução nº 5 de 2020, na qual dispõe sobre Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas.
Apesar de possuírem natureza voluntária, os documentos normativos mudaram o paradigma quanto à responsabilidade das empresas com relação aos Direitos Humanos. Provas dessa mudança são as condenações de empresas em tribunais brasileiros por violações aos Direitos Humanos com base nos Princípios Orientadores, no Decreto 9.571 e na Resolução do CNDH.
Apesar desses vários avanços, acaba de ser apresentado mais um projeto de lei (PL 572/2022) para regulamentar o que já está regulamentado. Na prática, este projeto de lei parece ter sido concebido como se tudo o que já foi discutido, aprovado e está funcionando não existisse.
O PL 572/2022, que cria o Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, aumenta a abrangência de proteção dos Direitos Humanos em relação ao Decreto nº 9.571 e reafirma as disposições da Resolução do CNDH. Mas o projeto de lei também introduz lacunas e incoerências conceituais e terminológicas, com erros formais e técnicos.
Em vez de criar problemas, o PL poderia criar comandos e controles em nível amplo, deixando as funções de fiscalização e implementação das políticas públicas de Direitos Humanos para o Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
De forma simples e objetiva, trata-se de mais um Projeto de Lei desnecessário, cujas incoerências geram incertezas, dúvidas e riscos na implementação das obrigações, uma vez que o PL não detalha as obrigações da chamada “devida diligência”, conceito derivado do termo em inglês “Due Diligence” e que neste contexto se refere ao processo de avaliação dos riscos inerentes às atividades empresariais e em todas as suas cadeias produtivas.
Apesar de toda a legislação já existente sobre o tema, caso haja interesse em que esta iniciativa desnecessária avance, o PL 572/2022 precisa detalhar como os procedimentos ambientais e trabalhistas serão integrados ao “dever de diligência” sobre Direitos Humanos para que não haja sobreposição dos processos de licenciamento ambiental e de fiscalização das normas trabalhista ou, até mesmo, o enfraquecimento desses processos.
Por um lado, as empresas brasileiras, dentre elas as do setor elétrico, têm direito a uma legislação que estabeleça comandos e controles claros e gerais para cumprir as diretrizes sobre Direitos Humanos, limitando assim o risco de litigâncias e incertezas técnicas na implementação da lei.
Por outro lado, com tantos problemas reais e sérios que precisam ser enfrentados por nossos parlamentares em benefício da população que os elegeu, não seria mais produtivo que os membros do Congresso Nacional ponderassem com mais cuidado antes de empregar tempo e recursos valiosos para conceber projetos de lei que tratam de temas que já estão regulamentados?
Alexandre Uhlig e Claudio Sales são Diretor de Sustentabilidade e Diretor Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)